A Reunião Magna da ABC se encerrou no dia 9 de maio com um resumo, feito pelo Acadêmico José Galizia Tundisi, dos temas apresentados e discutidos em cada uma das sessões. “Esse encontro teve a contribuição de cientistas do mais alto nível”, comentou o biólogo e pesquisador do Instituto Internacional de Ecologia (IIE).
Escalas e desenvolvimento sustentável
Primeiramente, Tundisi citou alguns tópicos importantes mencionados ao longo dos debates. Um deles foi levantado pela Acadêmica e geógrafa Bertha Becker: escalas. “Temos que nos preocupar com as escalas global, nacional, regional e municipal e com suas dimensões para o desenvolvimento sustentável”. O biólogo afirmou que o Brasil tem um importante protagonismo na escala global por causa de sua dimensão continental e pela complexidade dos processos econômicos, sociais e ambientais. Um dos exemplos disso é a enorme biodiversidade da Amazônia. “A região amazônica tem mais espécies de peixes que o oceano Atlântico”, complementou Tundisi, que considera que a governança global de sustentabilidade ainda não foi definida. “O Brasil envolve sistemas muito complexos; é um país com diferenças econômicas, sociais e antropológicas.”
Ele referiu-se, como exemplo, à questão dos recursos hídricos, declarando que, enquanto que para um pequeno município do Nordeste, desenvolvimento sustentável significa fazer chegar água até a população, para um pequeno município de São Paulo o mesmo representa a despoluição da água e proteção dos mananciais. “Cada região do país, dadas as suas características especiais, demanda enfoques diferentes”, explicou Tundisi. “Podemos ter um conceito básico, mas não um padrão, uma metodologia”.
Infraestrutura
“É inegável que o país precisa de infraestrutura, energia, transporte, produção adequada de alimentos”, alertou o palestrante. Segundo seus dados, 80% da população brasileira vivem em áreas urbanas, concentrados em grandes metrópoles, o que denota o intenso grau de urbanização do Brasil. “Quando fui morar em São Paulo, em 1958, a cidade tinha dois milhões de habitantes. Hoje, a grande São Paulo tem 22 milhões de habitantes.” Ele afirmou que todas as grandes cidades brasileiras têm um aglomerado de problemas urbanos, enquanto que as grandes populações periurbanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre são afetadas por problemas de desenvolvimento sustentável.
Tundisi citou o exemplo da represa de Guarapiranga, em São Paulo, que fornece água para cinco milhões de pessoas – toda a zona sul de São Paulo – e ao mesmo tempo serve de recreação para 800 mil pessoas que vivem ao redor. “Esses são conflitos que precisam e devem ser resolvidos no que se refere ao uso de recursos naturais.”
Energia
Tundisi abordou o tema da primeira sessão da Reunião Magna reiterando a necessidade da diversificação de energias. “É fundamental ampliar a eficiência energética e, naturalmente, temos que aumentar a oferta de energia. O país precisa crescer, e sem energia não há crescimento.” O Acadêmico reconheceu, no entanto, a dificuldade em diversificar a matriz energética e comentou que, apesar dos investimentos em energia eólica e solar, as hidrelétricas ainda são vistas como uma saída importante: “Apesar dos impactos, elas são melhores que as termoelétricas, por exemplo, que emitem gases de efeito estufa”.
Ele também enfatizou que há esforços sendo feitos para diversificar a matriz de maneira regional. “A interligação de energia que existe no Brasil é fundamental, pois quase nenhum país tem esse transporte de energia do Sul para o Sudeste, do Norte para o Nordeste, e isso é importante de ser destacado.”
Recursos hídricos
O cientista reconheceu a grande disponibilidade de recursos hídricos no país, com exceção do Nordeste. Ele citou o exemplo da Amazônia, que tem abundância, mas uma população escassa, revelando a importância de um planejamento estratégico na área. Tundisi também enfatizou a peculiaridade da região, informando que quase nenhum lugar do mundo tem florestas inundadas em uma extensão com fauna e flora adaptadas, conforme foi apresentado na sessão “Água, Energia e Desenvolvimento” da Reunião Magna. “Precisamos urgentemente declarar uma moratória na região amazônica, congelando rios que poderiam servir para o futuro. Temos exemplos de bacias intocadas: em 1968, o presidente norteamericano Lyndon Johnson declarou moratória a 200 rios, que estão até hoje preservados. Assim, teríamos um avanço considerável na recuperação da Amazônia.”
Tundisi lembrou, ainda, que foi discutida na sessão a criação de um observatório que reunisse um conjunto de cientistas, engenheiros, geólogos, ecólogos, sociólogos e especialistas em saúde, buscando conciliar os avanços na geração de energia com o sistema de engenharia, a ciência e a tecnologia.
Florestas
Um dos pontos mais salientados por esta sessão foi o de que a floresta Amazônica, além do seu papel geográfico, social e econômico, tem uma importância fundamental na regulação da biodiversidade. “Com desmatamento e construções, sejam de infraestrutura ou de hidrelétricas, isso se perde”, ressaltou Tundisi. “É necessário manter a floresta em pé por seu papel na biodiversidade e processos evolutivos.”
O Acadêmico declarou que “nós somos muito descuidados”, de modo que permitimos, por exemplo, que um projeto institucional da Inglaterra pegasse sementes da seringueira na Amazônia e levasse para a Malásia. Assim, em 1915, a borracha brasileira deixou de ser competitiva. Ele também mencionou o Código Florestal que, apesar do trabalho bem feito pela ABC e SBPC, foi um “fracasso”, no sentido da estratégia ser muito unidirecional, sem abrangência do conhecimento. “Precisaria ter havido uma maior interdisciplinaridade e uma maior transparência para a população no processo de divulgação dos problemas relacionados ao Código Florestal.”
Produção de alimentos
Tundisi afirmou que o Brasil sempre será um dos principais protagonistas na produção de alimentos. “Daqui a 20 anos, os grandes centros produtores de alimentos ainda serão o Brasil, os Estados Unidos e a Argentina.” O pesquisador considera que isso se deve, em grande parte, aos conhecimentos científicos desenvolvidos pela Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa). Ele ressaltou, no entanto, a necessidade de se intensificar a produção de forma sustentável em relação à saúde humana, segurança alimentar e ao meio ambiente, além de manter a sustentabilidade do processo através de políticas públicas.
Desastres naturais
O alto grau de urbanização foi apontado como uma das principais causas dos desastres naturais no Brasil. Com 80% da população brasileira vivendo em áreas urbanas, ocorreram mudanças muito rápidas em uma escala de tempo relativamente curta, de modo que a urbanização em muitas regiões aconteceu de forma desordenada e sem planejamento. “Poucos municípios brasileiros têm condição de fazer um planejamento urbano, pois há pouca tecnologia e capacitação para tal”, observou Tundisi. “Então, quando ocorrem eventos extremos, temos catástrofes e desastres.” Uma das conclusões da sessão foi a necessidade de deslocar o foco da mitigação para a prevenção. “É preciso um gerenciamento que antecipe eventos.”
Os desastres naturais geram efeitos diretos e indiretos. Um dos efeitos indiretos do furacão Katrina, por exemplo, que atingiu os Estados Unidos em 2005, foi uma epidemia de hepatite E, uma vez que, com as inundações e destruição da infraestrutura, ocorreu uma enorme mistura de água de esgoto, água pluvial e água de enchente. “Por isso, é necessário criar um financiamento para assistência a desastres”, destacou o Acadêmico.
Oceanos
Segundo o relator, ficou demonstrado que os estudos de larga escala sobre os oceanos são extremamente importantes, principalmente considerando as mudanças climáticas e a relação com os processos de circulação interoceânica. “Isso nos permite entender os impactos dessas mudanças na dimensão do nosso oceano, mas também na dimensão continental”, afirmou Tundisi. O Acadêmico alertou que devemos ampliar as nossas capacidades operacionais e comemorou o fato de que o país terá dois novos navios – um já comprado para a USP pela Fapesp, que começará a ser operado em breve, e um navio oceanográfico de grande porte que será um Instituto de Oceanografia do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, moderno e eficiente. “São avanços importantes.”
Formação de recursos humanos
“É preciso melhorar a nossa capacidade interdisciplinar”, declarou Tundisi. “Precisamos conseguir formar recursos humanos que tenham visão sistêmica, com capacidade preditiva e de modelagem.” De acordo com o Acadêmico, o Brasil conta com muita informação científica, principalmente relativa à área ambiental, e há trabalhos de descrição muito bem feitos e publicados na literatura internacional. “Mas onde estão os modelos preditivos? Temos que usar mais esse material e, para isso, precisamos formar mais recursos humanos com capacidade de entender os processos interdisciplinares.” O cientista ressaltou também a importância da capacidade de se transferir o conhecimento para a população e de encontrar decodificadores para a sociedade, face à mudança pela qual vem passando a questão do acesso à internet.
Tundisi lembrou, ainda, da necessidade de se aumentar a formação de engenheiros. “Eu concordo, mas que tipo de engenheiro vamos formar? Precisamos reformular os cursos de engenharia, para que eles tenham uma capacidade maior, sejam mais interdisciplinares, com uma visão mais ampla.”
Economia verde
Trata-se de uma área muito complexa, porque o Brasil tem uma economia dirigida para a produção de bens de consumo, que consomem recursos naturais. “Temos que trabalhar na transição para a economia verde e para o desenvolvimento sustentável”, declarou o palestrante. “Podemos nos aprofundar mais no trabalho de valorização dos ecossistemas – usar mais o software da natureza e menos o hardware do processo da intervenção humana.”
Ele complementou que a economia verde está dentro desse processo na forma de reciclagem e redução do consumo de água, diminuição dos custos ambientais na produção, governança do desenvolvimento sustentável, entre outros pontos. “Tenho algumas propostas para a economia verde, como a aplicação de taxas – princípio do poluidor pagador.” Tundisi afirmou que um maior controle deve vir tanto do governo quanto da sociedade: “A participação social nos processos de gestão ambiental é extremamente importante, mas para isso precisamos de educação. A sociedade precisa se integrar ativamente nesse processo, porém antes ela deve ser preparada para isso”.
Conclusões
“Desenvolvimento sustentável sem ciência e tecnologia é inviável”, declarou Tundisi. Segundo o pesquisador, o Brasil encontra-se em um ponto crítico do seu estágio de desenvolvimento, de forma que a relação entre modernização e desenvolvimento deve ser pensada: “Será que o trem-bala de Campinas para o Rio de Janeiro é mais importante do que tratar o esgoto para 134 milhões de pessoas? Trem-bala é modernização, esgoto é desenvolvimento”.
Ele continuou, afirmando que recursos minerais, hídricos, florestas, oceanos e biodiversidade são patrimônio do povo brasileiro – conforme está declarado na Constituição Federal – e devem ser considerados como tal. Além disso, para Tundisi, ampliar e diversificar a infraestrutura é um dever importante, mas políticas públicas precisam ser implantadas com novas propostas e inovações.
O Acadêmico ressaltou a importância de se divulgar tal discussão e as propostas apresentadas, sugerindo que a ABC assuma a responsabilidade de enviar um documento para as prefeituras, associações da indústria, sociedades científicas em geral, além do Poder Legislativo. Tundisi propôs também que a Academia coordene um projeto de avaliação ecossistêmica do Brasil: “Temos que medir o valor das nossas áreas costeiras, caatinga, floresta amazônica, dos rios, dos estuários e estudar quais são os serviços que esses componentes dos ecossistemas ofertam ao país, compilando os dados que já existem e sintetizando-os”.
Ele finalizou com a declaração de que muito se fala muito em recursos financeiros para desenvolver a ciência, mas que também precisamos pensar à frente. “Concordo que precisamos de infraestrutura, de laboratórios. Investimentos são importantes – mas a visão de futuro é mais importante ainda.”