A ideia de que o Brasil é um dos países que mais tem se desenvolvido está cada vez mais presente na mídia. Em 2010, o grupo dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), apresentou um PIB conjunto que totalizava 18% da economia mundial, resultado bastante distinto em relação à 2003, quando o valor correspondia a tímidos 9%. O país precisa continuar crescendo, mas sem energia não há desenvolvimento possível. Pensando nisso, a discussão do primeiro painel apresentado na Reunião Magna 2012 da ABC, realizada entre os dias 7 e 9 de maio, foi justamente sobre a situação atual da produção de energia no Brasil.
Alipio Ferreira, Luiz Horta Nogueira, Carlos Henrique de Brito Cruz, Paulo Suarez e Gilberto Jannuzzi
O diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), o Acadêmico Carlos Henrique de Brito Cruz, que coordenou a mesa, abriu a sessão traçando um panorama inicial com alguns dados relevantes sobre o tema. Segundo ele, o Plano Nacional de Segurança Energética implantado a partir de 1975 trouxe resultados notáveis. Um deles diz respeito à oferta interna de energia no país, pois 45% desta energia já era de fonte renovável em 2010. “Este percentual é bem maior do que o verificado em outros países industrializados. Entre os países da Organização e Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE ), a média de fontes renováveis é apenas de 7% e no mundo é de 13%.” Na oferta interna de energia no Brasil, 18% vem da cana-de-açúcar e 15% da hidroeletricidade.
Com essa configuração de energia de fontes renováveis, do ponto de vista da emissões de gases de efeito estufa (GEE), o país tem uma intensidade de emissões em relação ao PIB bem menor do que a de muitos países industrializados – um quarto da intensidade da China, por exemplo. Além disso, Cruz ressaltou que o uso de energia gera apenas 17% das emissões de GEE do Brasil, pois cerca de 60% dessas emissões advêm das queimadas de florestas.
As fontes de energia não-renováveis também foram abordadas na apresentação, com destaque para o pré-sal. Para o coordenador da mesa, essa descoberta trouxe enormes possibilidades de uma nova fonte de energia para o futuro, mas também cria uma ameaça à atual composição favorável da matriz energética, com grande porcentagem obtida de fontes renováveis. “Na verdade, esta composição já está ameaçada pela intensificação de instalação de termoelétricas, que vem ocorrendo nos últimos dez anos, tanto que o percentual renovável caiu de 47%, em 2009, para 45%, em 2010”, ressaltou Brito Cruz. O pesquisador afirma que o pré-sal pode intensificar esta mudança, mas se usado com prudência pode contribuir para que seja fortalecida a pesquisa em energia renovável no país.
O sol como fonte de energia
O engenheiro Gilberto Jannuzzi, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), deu prosseguimento ao debate inserindo o tema “Tecnologias de Energia: Perspectiva Solar Fotovoltaica no Brasil”, tentando pensar em prospecções para esta fonte de energia no Brasil.
Ele iniciou sua explanação com dados relativos à evolução da oferta de energia renovável no mundo, enfatizando que tem havido forte crescimento no uso mundial de energia solar. Segundo o relatório Renewable Energy Sources and Climate Change Mitigation (SRREN), publicado em 2011 pelo Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), de 1999 para 2011 foi reportado um crescimento de 83%. A expectativa é que em 2012 a produção mundial de módulos fotovoltaicos chegue a 50.000 MWp, sendo quase o dobro da registrada no ano passado, que foi de 27.213 MWp.
“O custo por kWh ainda é alto em comparação com alternativas tradicionais de energia, mas vem ocorrendo uma queda de preço bastante acentuada nos últimos anos”, ressaltou o professor. Embora o uso de energia solar esbarre em custos de capital elevados, ele pode se beneficiar dos custos de operação, que são muito baixos. Recentemente, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) retomou a demanda por pesquisa e desenvolvimento (P&D) para energia solar com um edital de R$ 400 milhões, pois as atividades de pesquisa no país haviam sido descontinuadas, depois de terem crescido nos anos 70 e 80.
Segundo Jannuzzi, nos últimos dois anos tem havido avanços importantes, como regras e taxações, que facilitam a disseminação dessa tecnologia. “O Brasil tem insolação muito boa e poderia usar bem mais a energia solar, ela é uma fonte importante no mundo inteiro. Olhar com mais atenção para saber como aproveitá-la é uma estratégia importante para o nosso futuro”, concluiu o professor.
Biomassa de cana-de-açúcar
Converter radiação solar em energia química estável é o que se chama de bioenergia e foi, por milênios, a principal fonte energética da Humanidade. Na atualidade, ela volta à frente do cenário energético, em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Tentando esboçar esse cenário, o consultor das Nações Unidas em temas energéticos e professor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), o engenheiro Luiz Augusto Horta Nogueira, iniciou sua apresentação mostrando dados referentes ao etanol.
Em 2010, 18% da energia usada no Brasil veio da cana-de-açúcar, seja na forma de combustível líquido (etanol) ou eletricidade e calor gerados por queima de bagaço. Mundialmente, apenas 3% da oferta de energia vem de biomassa. Uma característica essencial do etanol de cana é o ganho energético, uma vez que é possível produzir de 8 a 9 unidades de energia usando-se apenas uma unidade de energia fóssil. “A diferença é grande se comparado com os etanóis de milho, que tem ganho de apenas 1,4, assim como com os etanóis de trigo e da beterrada, ambos com ganho de 2 unidades de energia”, destacou Nogueira.
Por motivos econômicos, estratégicos e ambientais, a demanda global de biocombustíveis está crescendo de modo significativo. Além disso, para Nogueira, a competitividade do etanol de cana não parece estar ameaçada pelas novas tecnologias. O professor observou que a política federal para energia prioriza gasolina sobre etanol. “O imposto sobre etanol é maior, levando à redução da produção: em 2010, houve queda de 30%”. Intensificar P&D em 1ª e 2ª gerações de etanol, através de programas como o da Fapesp de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), o Plano Conjunto BNDES-Finep de Apoio à Inovação Tecnológica Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (PAISS) e o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) são iniciativas importantes para reverter o quadro.
Por fim, Nogueira propôs uma reflexão sobre a produção de bioenergia comparada à extração de petróleo no Brasil. “Atualmente, a produção de bioenergia da cana-de-açúcar equivale a 900 mil barris diários de petróleo. Apenas 21 milhões de hectares poderiam produzir eternamente o volume anual de energia que se espera obter das reservas de petróleo do pré-sal durante 50 anos”, apontou o professor. Além de cana, Nogueira comentou sobre a bioenergia de madeira como possível e rentável, mas que é algo pouco considerado como opção energética no Brasil.
Energia fóssil: desafios do pré-sal
A terceira palestra, sobre transição energética e energia fóssil, foi proferida pelo gerente geral de Pesquisas e Desenvolvimento em Abastecimento do Cenpes da Petrobrás, Alípio Ferreira. Ele iniciou a exposição mostrando que 81% da energia usada no mundo é de origem fóssil e essa não é uma situação que será alterada muito rapidamente. “Atualmente a demanda mundial de óleo é 12 milhões toneladas e as previsões são de que, em 2035, chegue a algo próximo de 17 milhões de toneladas”, comentou Ferreira. A projeção aponta crescimento devido ao aporte tecnológico que está disponível para que indústria de petróleo e gás descubra novas fontes energéticas.
A descoberta do pré-sal e os seus resultados também foram discutidos durante a sessão. “Ela só foi possível devido ao aporte tecnológico, como as novas tecnologias de sísmica em 3D e 4D, que permitem que os geólogos enxerguem novas reservas que não eram possíveis de serem encontradas no passado”, relatou Ferreira. Ele afirmou ainda que as estimativas apontam que o pré-sal fará a produção brasileira de petróleo crescer 9,6% ao ano, até 2020.
O palestrante observou ainda que a indústria de energia deve considerar os desafios ambientais e geopolíticos, que demandam políticas públicas eficazes. “Em outras palavras, existe uma tensão entre segurança energética e conservação do meio ambiente que deve ser discutida”, alertou Ferreira. Uma alternativa para diminuir essa tensão é o investimento na eficiência energética e no uso racional da fonte, uma vez que a maior fonte que deveria ser explorada é a energia que é desperdiçada no processo de produção. Ferreira apontou também para a diversificação e sustentabilidade da matriz energética, através de investimentos em novos combustíveis, como os biológicos e os sintéticos.
O coordenador do painel, Carlos Henrique de Brito Cruz, afirmou no final da palestra que a descoberta do pré-sal, ao mesmo tempo que cria enormes possibilidades de fonte de energia para o futuro, também institui uma ameaça à presente composição favorável da matriz energética quanto aos combustíveis renováveis.
Alternativas para o Biodiesel
Por fim, o Acadêmico e professor da UnB, Paulo Anselmo Ziani Suarez, apresentou o tema “Biodiesel no Brasil: Desafios e possíveis Soluções”, buscando refletir sobre os desafios para a diminuição dos custos de produção de biodiesel, de forma que essa não compita com a produção de alimentos. Ele também apresentou possíveis fontes oleaginosas, com grande quantidade de matéria-prima no país, que podem servir como alternativas para a produção a baixo custo.
“O maior problema enfrentado pelo biodiesel é o custo de produção”, afirmou Suarez. Entre 2007 e 2011, este custo variou de R$1,862 para R$ 2,207; já o diesel variou de R$ 1,385 para R$ 1,374. Ele criticou o uso da soja como a principal oleaginosa utilizada para a produção de biodisel -cerca de 80% da produção. “Ela tem uma baixa produtividade em óleo, se produz soja para ter proteína e não óleo”, disse o pesquisador.
No Brasil há uma perspectiva para o uso de variedades de oleaginosas, mas no quadro atual a soja é ainda a mais utilizada para a produção de biodiesel porque é a mais produzida. “Outras oleaginosas, que poderiam ser tão ou mais eficientes, ficam marginalizadas devido a ausência de uma indústria estruturada”, explicou o pesquisador. Suarez deu como exemplos o dendê, a macaúba, as micro-algas, o uso de gorduras animais e resíduos agro-industriais – como sebo e gordura de frigoríficos. Entretanto, todas essa alternativas são muito ácidas, o que acaba prejudicando o processo de produção.
Tendo em vista que as tecnologias usadas atualmente para a produção de biodiesel são muito antigas – a patente é de 1937 – o professor alertou para a necessidade de se desenvolverem novas tecnologias capazes de incrementar e aproveitar as matérias-primas de baixa qualidade para integrar a produção de biomassa e de biodiesel e também para a produção a partir de algas. “Algumas rotas alternativas podem ser os processos por Reator de Leito Fixo, craqueamento catalítico, eletrólise de Kolbe e gasificação.”