Há mais de 40 anos, a geógrafa Bertha Becker viaja para realizar pesquisas na Amazônia. Professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela conhece a região na palma da mão a ponto de ser consultora do governo federal para os temas relativos ao bioma. Por isso mesmo, foi convidada para ser debatedora em um dos painéis da programação oficial da Rio+20. Vai falar sobre florestas, assunto que escolheu como objeto de pesquisa em 1970 quando pisou pela primeira vez na Floresta Amazônica. Nesta entrevista ela faz uma crítica ao “Rascunho Zero”, da ONU. Diz que ele favorece a iniciativa privada e não aborda como o atual sistema econômico gera problemas ambientais sérios, como a perda da biodiversidade. Diz também que não gosta do termo Economia Verde, por ser genérico demais.

O GLOBO: A senhora faz uma crítica ao Rascunho Zero, documento preparatório das Organização das Nações Unidas (ONU) para a Rio + 20. Por quê?
BERTHA BECKER: O texto defende a mercantilização da natureza. É a lógica capitalista transposta para o ambiente natural. Teremos mais um mercado, dos produtos e serviços da natureza, mas não vamos discutir novas formas de desenvolvimento. É mais uma tentativa para sair da crise econômica e não um novo mecanismo de desenvolvimento, mais responsável, como precisamos. Também acho que o Rascunho não aborda, por exemplo, de que forma o atual sistema econômico gera problemas ambientais, como a destruição da biodiversidade. Temos que debater isso para criar novos mecanismos de desenvolvimento. O documento fortalece a iniciativa privada. Favorece a criação, por exemplo, de mercados de carbono e não trata de sistemas de regulação. Nós precisamos da iniciativa privada, mas não podemos ficar submetidos a ela. Por que favorecer a criação de mercados de carbono privados e não criar bolsas de carbono nos estados reguladas pelo poder público? Imagine Manaus com uma bolsa de carbono? É importante favorecer a iniciativa privada, mas a Ciência e o Estado devem estar também a serviço de um novo modelo de desenvolvimento.

O GLOBO: A senhora também faz críticas ao conceito de Economia Verde, não é?
BERTHA BECKER: Sim. O que é Economia Verde? Como se pode falar em apenas uma Economia Verde? O que é bom para a Europa não é bom para o Brasil. São muitas Economias Verdes, pois as realidades dos países são diferentes. O termo é genérico demais e não dá conta das diferenças regionais. Também não entendo a associação de Economia Verde com redução de pobreza, pois como já disse ela (a Economia Verde) se baseia na lógica capitalista de produção que promove exclusão. Não sei, por exemplo, como a venda de créditos de carbono por empresas privadas pode ajudar a reduzir a pobreza.

O GLOBO: O que seria Economia Verde para a realidade brasileira?
BERTHA BECKER: Somos um país que desperdiça. Desperdiçamos recursos naturais, alimentos, energia. Desmatamos mais do que devíamos e do que podíamos. E exportamos sem agregar valor aos produtos. De modo que Economia Verde para o Brasil significa reduzir o desperdício, como, por exemplo, investir em eficiência energética; reduzir o desmatamento, criando uma indústria madeireira responsável; e criar indústrias de beneficiamento para os produtos e não mais exportá-los in natura, o que geraria empregos.

O GLOBO: A senhora criou um modelo de exploração da Floresta Amazônica que tem essas zonas de beneficiamento. Como é este modelo?
BERTHA BECKER: Proponho um tipo de exploração diferenciada para cada uma das zonas naturais da floresta. Para a área de floresta densa, rica em fungos e microorganismos, teríamos um extrativismo não-madeireiro modernizado voltado para a indústria de fitoterápicos e cosméticos. Nas áreas de floresta de transição e aberta haveria extração responsável de madeira, além de áreas com grupos de agricultura familiar. Eles beneficiariam os produtos em fábricas instaladas em cidades próximas e venderiam.

O GLOBO: O que está em jogo, hoje, na Rio + 20?
BERTHA BECKER: Durante a ECO 92 o que estava em jogo era a preservação da Amazônia. Era uma questão internacional. Hoje são muitos os problemas. Há os países insulares que vão sofrer com o aumento do nível do mar. Há a questão da distribuição de alimentos. No Brasil, temos que vencer a luta contra a pobreza, combater o desmatamento, criar uma indústria de beneficiamento, ter um olhar atento para a classe C, que acaba de ascender à condição de consumidor. Enfim, são muitas as questões em jogo.