Um medicamento recentemente aprovado para o tratamento de diabetes do tipo 2 previne o desenvolvimento de sintomas de Alzheimer em neurônios cultivados em laboratório e protege o cérebro de camundongos transgênicos que são modelos para o estudo da Doença de Alzheimer. O trabalho, que abre caminho para uma nova e revolucionária forma de tratamento contra a doença, foi realizado pelo grupo de pesquisadores brasileiros liderado por Fernanda De Felice e Sergio T. Ferreira, ambos professores do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O trabalho conta com a participação de vários estudantes brasileiros, especialmente Theresa R. Bomfim e Leticia Forny-Germano, e sairá publicado na edição online do dia 26 de março no prestigioso periódico “The Journal of Clinical Investigation” dos Estados Unidos, um dos mais importantes na área da Medicina.

Fernanda explica que a correlação entre diabetes e Alzheimer já foi percebida há cerca de sete anos. Evidencias clínicas indicavam que pacientes com Alzheimer têm neurônios mais resistentes ao hormônio insulina e que pessoas com diabetes tipo 2 são mais propensas a desenvolver a doença de Alzheimer. Nesse tipo de diabetes, comum em idosos e obesos, o organismo se torna resistente à insulina, ou seja, as células não conseguem responder ao hormônio. Na Doença de Alzheimer, o mesmo aconteceria no cérebro, levando ao aparecimento de uma nova forma de diabetes que afeta especificamente os neurônios, como mostrado de forma pioneira pelo grupo brasileiro em dois trabalhos anteriores. Como, no cérebro, o hormônio insulina desempenha papel importante em processos relacionados à formação de memórias, a resistência dos neurônios à insulina prejudicaria a memória. No caso da doença de Alzheimer, o que causaria esse quadro de diabetes cerebral seria a ação de substâncias tóxicas no cérebro, chamadas de oligômeros, que aumentam de número com a idade e provocam perda das funções neuronais, como demonstrado por Fernanda e Sergio em estudos anteriores.

Nesse novo trabalho, o grupo chefiado por Fernanda mostrou que características semelhantes àquelas presentes nos músculos e tecido adiposo de pacientes com diabetes estão presentes nos cérebros de pacientes com Alzheimer. Para isso, os pesquisadores brasileiros realizaram um extenso estudo mostrando o aumento da resistência à insulina em culturas de neurônios que foram expostas aos oligômeros tóxicos, em camundongos geneticamente modificados para exibirem características semelhantes às da Doença de Alzheimer e em um novo modelo, desenvolvido pelo próprio grupo, baseado em experimentos com primatas não-humanos. Cérebros de pacientes com a doença também foram usados para comprovar que, de fato, os achados obtidos em laboratório têm relevância clínica direta para a doença. Depois, ao tratar as culturas de neurônios e os camundongos geneticamente modificados com a droga exenatida (um medicamento recentemente aprovado para o tratamento de diabetes tipo II, que estimula a ação da insulina nas células), os pesquisadores descobriram que o efeito tóxico dos oligômeros foi bloqueado. De maneira importante, os pesquisadores observaram que a droga usada para diabetes conseguiu também reverter os danos à memória nos camundongos testados. “O efeito protetor das drogas no cérebro é muito importante, pois esses camundongos transgênicos desenvolvem sintomas parecidos com os da Doença de Alzheimer. Assim, conseguimos observar que a medicação foi capaz não apenas de prevenir, mas também reverter os danos numa etapa mais avançada da doença em camundongos”, explica Sergio.

Agora, a equipe pretende continuar o trabalho investigando se essa e outras drogas capazes de estimular a ação da insulina no cérebro serão eficazes no modelo de primata não-humano para a Doença de Alzheimer que o grupo desenvolveu. “Esse é um passo muito importante para poder entender como essas drogas podem ajudar pacientes com a doença, pois os macacos são muito mais próximos aos humanos que camundongos. Acreditamos que a similaridade entre essas espécies é fundamental para entender uma doença tão complexa como a Doença de Alzheimer”, avalia Fernanda, que complementa: “Ademais, preciso ressaltar que esse trabalho foi fruto de um enorme esforço internacional, em que pesquisadores dos Estados Unidos, Reino Unido e Canadá uniram forças com nosso time para que tivéssemos êxito em nossas pesquisas”.

Enquanto isso, um grupo no Reino Unido já começou a testar o novo tratamento para prevenir a perda de memória em seres humanos. “Por se tratar de medicamentos conhecidos, e com perfil adequado de segurança, eles já podem ser experimentados em um grupo inicialmente pequeno de pacientes, antes mesmo que se saiba exatamente como e por que funcionam”, explica Fernanda. “Porem, é muito importante ressaltar que essas drogas devem ser adaptadas para agir somente no cérebro e não no resto do organismo, o que indica que ainda é cedo para que entrem em larga escala na terapia para a Doença de Alzheimer”, conclui.