O incêndio que destruiu sábado (25/02) a Estação Antártica Comandante Ferraz e matou dois militares, na Ilha Rei George, comprometeu 40% do programa antártico brasileiro. A avaliação é do diretor do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Acadêmico Jefferson Cardia Simões, que já esteve 19 vezes no continente gelado, das quais cinco em Comandante Ferraz.
E segundo informações da Marinha, a avaliação preliminar da equipe que esteve na estação brasileira indica que aproximadamente 70% das instalações foram destruídas pelo fogo. O prédio principal, onde ficavam a parte habitável e alguns laboratórios de pesquisas, foi completamente atingido pelo fogo, tendo permanecidos intactos os refúgios (módulos isolados para casos de emergência), os laboratórios (de meteorologia, de química e de estudo da alta atmosfera), os tanques de combustíveis e o heliponto da Estação, que são estruturas isoladas do prédio principal.
“Foram afetadas principalmente as áreas de biociência, algumas pesquisas sobre química atmosférica, de monitoramento ambiental, principalmente sobre o impacto da atividade humana naquela região do planeta. Infelizmente, isso também representou uma perda enorme em termos de equipamentos. Ainda não podemos estimar, mas ultrapassa a casa da dezena de milhões de dólares”, lamenta o pesquisador.
Os 30 pesquisadores, o alpinista, o representante do Ministério do Meio Ambiente e os 12 funcionários do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, juntamente com o militar ferido, que se encontram em Punta Arenas, no Chile, decolaram às 15h e chegaram domingo, 26/02, às 23h50 na Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro. Quatro pesquisadores desembarcaram na cidade de Pelotas.
Ainda segundo Jefferson Simões, no entanto, o programa antártico continuará funcionando porque a Estação Comandante Ferraz, apesar de concentrar uma parte importante das pesquisas brasileiras, não era a única estação científica brasileira. Ele explica que, pelo menos metade dos pesquisadores, trabalha em navios de pesquisa ou em acampamentos isolados na Antártida. Além disso, Simões conta que, em janeiro deste ano, foi inaugurado um módulo de pesquisa no próprio continente antártico, chamado de Criosfera 1, localizado a 2.500 quilômetros ao sul de Comandante Ferraz, que está concentrando importantes pesquisas brasileiras. Segundo a Academia Brasileira de Ciências, essa é a estação de pesquisas latinoamericana mais próxima do Pólo Sul.
De acordo com o pesquisador, a reconstrução da Estação Comandante Ferraz demorará, pelo menos, dois anos, em consequência das condições geográficas da Ilha Rei George. “O processo de reconstrução, para voltar ao nível em que estava, demorará de dois a três anos. A logística é muito difícil e só podemos construir durante o verão antártico. E o inverno já está chegando”, disse.
Especialistas brasileiros estudam as consequências dos danos depois do incêndio de sábado, que começou numa área que abrigava os geradores elétricos da base Comandante Ferraz, localizada na baía de Almirantazgo, na Ilha Rei Jorge, perto da ponta da península Antártica. A base, que foi estabelecida em 1984, tinha 2.600 m2 de área construída e realizava pesquisas científicas centradas nos ecossistemas costeiros e marinhos. O complexo contava com laboratórios, oficinas, estacionamentos para veículos e embarcações, lancha oceanográfica, heliporto, biblioteca, ginásio e panificadora, entre outros.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação afirmou que os cientistas da base realizavam estudos sobre os efeitos das mudanças climáticas na Antártida e seu impacto no planeta, além de pesquisas sobre a vida marinha e a atmosfera. O continente desempenha um papel crucial na regulação do clima e circulação oceânica na América do Sul.
Além da perda de equipamento muito valioso e toda a informação coletada desde dezembro, o fogo deixa dezenas de grupos de estudo brasileiros sem uma base fixa na região, segundo os especialistas. A Antártida abriga sob sua camada gelada continental enormes recursos minerais e os mares circundantes estão repletos de recursos biológicos. As geleiras da Antártida contêm 90% da água fresca do mundo.
O crescente valor estratégico da região explica porque cerca de 30 países, todos signatários do Tratado Antártico, operam estações durante todo o ano ou no verão do continente. O tratado, que entrou em vigor em 1961 e atualmente tem 49 Estados-membros, estabelece a Antártida como um território cujo objetivo é estritamente científico, garante a liberdade para a pesquisa e proíbe a atividade militar.
Incêndio
O incêndio na Estação Comandante Ferraz aconteceu na madrugada do dia 25/02. Segundo a Marinha do Brasil, um incêndio na “praça de máquinas”, local onde ficam os geradores de energia da base, causou uma explosão. O fogo destruiu toda a estação, de 2.600 metros quadrados. Dois militares brasileiros que haviam desaparecido durante o incêndio morreram. Eles participavam do grupo de apoio que tentava apagar o incêndio originado na casa de máquinas da base. “Num ato de heroísmo, eles estiveram justamente no local de maior risco, na tentativa de debelar o incêndio e não conseguiram”, disse o ministro da Defesa, Celso Amorim.
Devido às condições meteorológicas adversas na região, o chefe da Estação e os integrantes do Grupo-Base, que permaneceram na base combatendo o incêndio, foram transferidos para a base chilena Eduardo Frei.
Ajuda chilena
A presidente Dilma Rousseff recebeu no domingo, 26/02, o apoio do governo chileno para a reconstrução do centro de pesquisas da Marinha na Antártida. Segundo comunicado oficial emitido em Santiago, o presidente do Chile, Sebastian Piñera, ligou para Dilma e prestou sua “solidariedade” pelo acidente ocorrido na estação antártica Comandante Ferraz. Além disso, o governante ofereceu ajuda de seu país nos trabalhos de reconstrução do complexo localizado na Ilha Rei George.
A estação antártica brasileira começou suas operações em 1984 e, no momento do incêndio, abrigava 59 pessoas, entre militares, cientistas e civis. A maior parte deles foi levada para uma base chilena e à cidade de Punta Arenas. Segundo o governo chileno, Dilma agradeceu a Piñera e se comprometeu a fazer uma visita ao Chile em breve.