O biofísico Antônio José da Costa Filho, empossado Membro Afiliado da ABC para o período de 2010-2011/2015 no dia 1º de novembro de 2011, compara sua adolescência com a de Bentinho, personagem do livro “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Ambos, tanto na ficção quanto na vida real, enfrentaram uma grande mudança aos 17 anos. “Para Bento, representou a saída do convento onde fora educado até então para satisfazer sua curiosidade de mundo. Movido também pela curiosidade, decidi prestar vestibular para física fora de minha cidade natal, Fortaleza”.

Embora tenha nascido em uma família de advogados, Costa-Filho não seguiu a tradição. Até o 3º ano do ensino médio, ele estava decidido a se formar biólogo. Bastaram algumas visitas a laboratórios do Instituto de Física da USP para ele sanar suas dúvidas em relação à graduação “pelo menos até aquele momento”, segundo suas palavras. Aprovado no vestibular, o jovem foi cursar física pelo antigo Instituto de Física e Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo (IFQSC/USP).

Costa-Filho conta que foi com um misto de felicidade e surpresa que, ao final do primeiro ano de graduação, descobriu a existência do grupo de biofísica molecular no IFQSC. “Aprendi que era sim possível estudar física e ainda satisfazer meu interesse pela biologia”. Nesta época, alguns veteranos o apresentaram ao Prof. Otaciro Rangel Nascimento, que trabalhava com moléculas biológicas e tinha longa experiência no uso de técnicas físicas, com destaque para a Ressonância Paramagnética Eletrônica (RPE), aplicadas ao estudo de sistemas de interesse biológico. “Ele acabou me propondo um estágio probatório em seu grupo que, rapidamente, virou minha iniciação científica. Primeiramente, fui bolsista do CNPq e, em seguida, da Fapesp”, acrescenta.

Com o término da graduação e sob a orientação do Prof. Otaciro, o biofísico deu início ao curso de pós-graduação no novo Instituto de Física de São Carlos (IFSC). Debruçado sobre os complexos de monocristais de cobre-dipeptídeos, Costa-Filho explica que o grupo tentava obter um resultado a partir de dois compostos: o glicil-triptofano e o triptofil-glicina. “Um dos monocristais de interesse foi relativamente fácil de obtermos, mas o de cobre com triptofil-glicina revelou-se um desafio para cristalização”. Com os fracassos sucessivos em conseguir o segundo monocristal, o mestrando resolveu participar de seu primeiro congresso internacional, em 1996, o International Biophysics Congress, e ministrar sua primeira palestra internacional no Max Planck Institute (na Alemanha). “Voltei exultante e foi quando soube que uma integrante de nosso grupo de pesquisa havia conseguido um lindo monocristal de cobre com triptofil-glicina”, diz. “Em poucos meses, fiz todas as medidas necessárias e, simultaneamente, escrevi minha dissertação de mestrado pelo IFSC, que foi defendida em 1997 com os resultados de RPE em monocristais de complexos de cobre-dipeptídeos”.

Em seguida, o pesquisador iniciou o doutorado em física pelo mesmo instituto, voltando seu interesse para uma enzima possuidora de um centro férrico nativo. Segundo ele, a mudança para um projeto envolvendo uma proteína obtida por meio de técnicas de DNA recombinante colocou-o diante de aspectos completamente novos. “O projeto andou bem graças à colaboração da Profª. Ana Paula Ulian, que era especialista em biologia molecular, e à paciência da técnica Andressa Alves Pinto, que nos ensinou os processos de expressão e purificação da enzima”, conta.

A chance de apresentar um trabalho no encontro da International EPR Society em Denver, nos Estados Unidos, no ano de 1998, fez com que Costa-Filho conhecesse o Dr. Richard Crepeau, pesquisador sênior do grupo do Prof. Jack Freed da Universidade Cornell (EUA). “O interesse na pesquisa do grupo estrangeiro me ofereceu a oportunidade de realizar um período de estágio junto ao grupo do Prof. Freed na Cornell”. Durante o período, o Acadêmico adicionou mais uma gama de aplicações de RPE em seu currículo. “Foi nesse momento que comecei a trabalhar com sondas paramagnéticas, conhecidas como marcadores de spin, que são, em particular, inseridas em moléculas de fosfolipídios. Adentrei, então, no estudo da estrutura dinâmica de membranas biológicas com técnicas de RPE”. Os resultados obtidos no grupo do Prof. Freed foram extremamente instigantes e o uso de métodos mais modernos de RPE em problemas de biofísica acabou rendendo à Costa-Filho a participação em um artigo de revisão publicado na revista Science.

No início de 2001, de volta ao Brasil, o Acadêmico começou a ministrar aulas como docente do IFSC. “O primeiro semestre foi quase que exclusivamente gasto preparando as aulas e finalizando minha tese de doutorado, defendida em novembro de 2001”, conta. Em 2002, Costa-Filho conseguiu seu primeiro aluno de mestrado e, posteriormente, teve seu primeiro projeto de pesquisa aprovado pela Fapesp.

Casado com uma pesquisadora, o biofísico já realizou colaborações científicas com a esposa. “Resolvemos estudar a interação de uma enzima da bactéria Xylella fastidiosa com modelos de membrana, usando tanto marcadores de spin introduzidos em vesículas lipídicas quanto marcadores ligados seletivamente à proteína”, explica. Determinado a aprender mais sobre os métodos para estudo de proteínas pelo recurso spin sítio dirigida (SDSL, na sigla em inglês), o Acadêmico realizou um rápido treinamento sobre SDSL no laboratório do Prof. Wayne Hubbell, da Universidade da Califórnia (UCLA). “Assim, finalmente começamos a atuar de maneira sólida na área, o que nos rendeu os primeiros mutantes de uma enzima feitos no nosso laboratório da faculdade, bem como o primeiro artigo brasileiro utilizando a técnica de SDSL, uma consequência natural alcançada em novembro de 2011”.

Recentemente, o laboratório de Costa-Filho adentrou na área de Química Medicinal, onde ainda estão agindo na caracterização de compostos de interesse farmacológico não somente por RPE, como também por um conjunto de outros métodos, incluindo calorimetria e dicroísmo circular. “Conseguimos um gradativo entendimento de problemas cientificamente interessantes dessa área. Estamos investigando compostos metálicos que possuam atividade como agentes quimioterápicos e quais os mecanismos moleculares utilizados por tais compostos para interagir/atravessar membranas biológicas”, aponta. Segundo ele, o grupo tem conseguido boa produtividade e artigos completos publicados em periódicos.

Além de docente, Costa-Filho foi coordenador dos Laboratórios de Ensino de Física (LEF) do IFSC, da Sala Pró-Aluno e do setor de Apoio ao Material Didático do IFSC durante cinco anos. “Participei ativamente de todas as discussões iniciais para a criação do novo curso de Bacharelado em Ciências Físicas e Biomoleculares (CFBio), oferecido pelo Instituto desde 2006”, diz. Após diversas reuniões, os professores envolvidos conseguiram alcançar um conjunto de disciplinas que contemplasse toda a experiência histórica do IFSC. “Disponibilizamos um curso que desperta em nós mesmos o sentimento de era esse que eu queria ter feito”, relata.

O curso teve seu primeiro vestibular realizado em 2005 e a primeira turma iniciada em 2006. “As cerimônias de colação de grau me inspiraram a fazer discursos emocionantes, me fazendo lembrar as pessoas que me ensinaram a ser o profissional que sou hoje: minha família, em particular os meus dois filhos cabeçudos, e meu pai, falecido no ano de 2010”. O ensino de graduação no curso de CFBio trouxe os efeitos mais imediatos da atuação na carreira docente, tendo o Prof. Costa-Filho sido escolhido paraninfo das três primeiras turmas de formandos do curso e te
ndo recebido o Prêmio Prof. Horacio Panepucci de melhor professor do ano em várias oportunidades. “O Prêmio Panepucci, em particular, me honra muito porque é uma escolha direta dos alunos por eleição e totalmente organizado pelo centro acadêmico do IFSC”.

Ao longo dos últimos anos, o pesquisador tem expandido seus interesses para incluir problemas em Biofísica Molecular que envolvem interações entre proteínas e membranas. Para isso, tem aumentado o arsenal de técnicas empregadas em seus projetos, aumentando, portanto, a formação oferecida aos alunos do grupo.

Recentemente, o Prof. Costa-Filho se transferiu do IFSC/USP para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP/USP), onde tem trabalhado na estruturação do Laboratório de Biofísica Molecular do Departamento de Física, além de continuar atuando nos trabalhos do Grupo de Biofísica Molecular Sérgio Mascarenhas. “O número de alunos incorporados ao grupo e por mim orientados cresceu significativamente nos últimos anos, assim como a quantidade de trabalhos publicados em periódicos internacionais e colaborações com outros grupos de pesquisa”, ressalta. Para ele, as pessoas que marcaram sua trajetória foram essenciais. “Fica a clara certeza de que há muito que se aprender e ensinar, mas o caminho para tanto tem um coração, como diria Castañeda”.