Ricardo Antunes de Azevedo, Elibio Rech, Milton Ferreira de Moraes,
Maria Helena Goldman e Paulo Arruda
A mesa de debate sobre Ciências Agrárias do evento “Avanços e Perspectivas da Ciência na América Latina, Brasil e Caribe” foi coordenada pelo professor da Unicamp e Acadêmico, Paulo Arruda. Tendo como debatedores Maria Helena Goldman, o Membro Afiliado da ABC Milton Ferreira de Moraes e os Membros Titulares Elibio Rech e Ricardo Antunes de Azevedo, a mesa apresentou algumas inovações nas pesquisas feitas no campo da agricultura e falou sobre o cenário do agronegócio no Brasil.
Paulo Arruda abriu a mesa mencionando que a área de Ciências Agrárias (ou Plant Science) é uma das que mais crescem, mas não está entre as que recebem mais financiamento. “Ainda assim, transformamos mais ou menos 33% do conhecimento gerado em valor”. Após a breve introdução, o pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia Elibio Rech falou sobre a relação entre agricultura, biodiversidade e tecnologia de fronteira, focando na tecnologia do DNA recombinante. “A intrínseca harmonia que existe entre essas tecnologias é uma opção sustentável para a intensificação da produção de alimentos e biomoléculas no mundo”, declarou.
“Não existe antagonismo entre biodiversidade e agricultura”
Rech enfatizou a necessidade de se definir a configuração de futuro que queremos para a sociedade, pensando em uma opção viável de desenvolvimento sustentável. “O que suporta o agronegócio é a biodiversidade, através de recursos genéticos e hídricos. Não existe antagonismo entre biodiversidade e agricultura, são áreas interdependentes”. O Acadêmico também mencionou que o desenvolvimento da tecnologia é importante não apenas para reduzir os custos de produção, mas também para diminuir a emissão de CO2 e gases equivalentes.
Em seguida, o engenheiro agrônomo citou três casos de sucesso de sua equipe em desenvolvimento de tecnologia nas Ciências Agrárias. O primeiro foi a criação da primeira soja transgênica no Brasil, resistente a herbicidas, que foi liberada para comercialização em 2010. “Ganham o meio ambiente e o produtor. Não vai mudar o mundo, mas vai contribuir com uma agricultura mais sustentável”, afirma Rech. O segundo caso foi o desenvolvimento de uma molécula microbicida que pode prevenir a transmissão de HIV, o que é uma alternativa enquanto não há vacina. Essa molécula (Cyanovirin), que inibe a replicação do vírus da Aids, é uma soja, portanto tem em sua constituição 40% de proteína e 20% de óleo. O terceiro é o uso do DNA recombinante para reprodução de uma proteína semelhante ao fio de seda da teia de aranha, cuja força se compara a do aço. “Isso tem implicações tremendas, como na fabricação de aviões, pois envolve resistência e leveza, o que consome menos combustível. É uma produção economicamente viável”.
O florescimento das plantas e a nossa alimentação
A professora da USP Maria Helena Goldman fez um levantamento do estudo de genes envolvidos com o florescimento e reprodução de plantas desde os anos 90, quando diversas pesquisas foram feitas com foco na produção de sementes híbridas. Sua equipe trabalha com genes envolvidos no desenvolvimento e funcionamento do órgão reprodutor feminino das plantas, que é o que gera os frutos e as sementes. “Isso tem uma importância grande, tanto econômica quanto social, principalmente se levarmos em conta que a nossa alimentação se baseia direta ou indiretamente em frutos e sementes”, explicou.
Um dos exemplos citados pela pesquisadora foi o do café. Goldman mencionou que um dos problemas da manutenção da qualidade ocorre devido ao fato de que os frutos, ao longo do ramo, não amadurecem todos ao mesmo tempo. “Como, durante a colheita, geralmente todos os frutos de um mesmo ramo são retirados, em vez de apenas aqueles de cor vermelho-vivo, a qualidade do café diminui.” O café de melhor qualidade é o colhido à mão, quando apenas os grãos no ponto adequado são coletados. Assim, há uma necessidade crescente de cultivares que apresentem maturação sincronizada dos frutos, o que implicaria em uma colheita simplificada, com menor custo e maior qualidade de grãos. Nesse ponto, é importante a pesquisa em torno dos genes envolvidos no florescimento e na reprodução de plantas.
“Temos que conciliar produtividade com qualidade”
Já o professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Milton Ferreira de Moraes fez uma apresentação sobre a nutrição das plantas e adubação de uma forma a obter grande produtividade associada à qualidade do alimento. Ele afirmou que, em breve, será necessário produzir uma maior quantidade por área tendo menos recursos. “Hoje, temos sete bilhões de habitantes no mundo. Em 2050, serão nove bilhões. Precisaremos de um aumento de 40% na produção de alimentos e, desse total, o Brasil vai suprir 50%, uma vez que somos largamente reconhecidos por nossa diversidade genética”. Enquanto a área plantada se mantém constante, a produção por área triplicou em mais ou menos 40 anos. Seriam necessários 140 milhões de hectares para suprir a produtividade atual.
No entanto, uma alta produção de determinada planta não significa que ela será uma boa fonte de nutrientes para as pessoas. “As plantas têm a função de perpetuar sua espécie, não de suprir nossas necessidades de alimentos”, explicou o Afiliado, que busca fazer, em sua área de trabalho, com que os alimentos oriundos da agricultura cheguem aos nossos pratos com mais nutrientes. “Estamos vendo uma perda de qualidade relacionada principalmente a minerais e vitaminas, o que mostra que essa qualidade não está acompanhando o aumento da produtividade”. As plantas estão obtendo muitos carboidratos enquanto não estão conseguindo retirar minerais do solo na mesma proporção.
Ele explicou que a desnutrição foi incluída como um dos principais desafios da humanidade pela Conferência de Copenhagen, em 2008. Além disso, segundo dados da FAO (Food and Agricultura Organization) do mesmo ano, a fome voltou a aumentar no mundo. “Temos que pensar em biofortificação e outras formas de melhorar a absorção de nutrientes, conciliando produtividade com qualidade”, afirmou Moraes. Ele citou alguns problemas brasileiros, como a deficiência de zinco, uma vez que nossos solos são pobres desse nutriente, e a anemia, que representa uma falha na alimentação da população, pois temos abundância de ferro. Além disso, o pesquisador mencionou que o aquecimento global influi na absorção de nutrientes pela planta, mas que há poucos estudos nesse campo.
O estresse das plantas
Já o professor da USP Ricardo Antunes de Azevedo falou sobre estresses abiótico e biótico em plantas, levando em conta que estresse designa uma situação fora do normal. Ele deu um exemplo: se uma planta não é irrigada, ela vai sentir falta de água e isso vai gerar uma modificação no seu metabolismo. Assim, essa planta terá que, de alguma forma, se adaptar ou se proteger. Então essa falta de água (ou um excesso de temperatura) pode causar uma situação de estresse na planta. No caso da palestra, Azevedo tratou de maneira mais aprofundada o estresse relacionado a metais pesados.
O Acadêmico mencionou que existem algumas alternativas para estudar este tema, entre eles a técnica Grafting (ou Enxertia), que é uma ferramenta para entender melhor a relação entre os órgãos das plantas sob estresse. “Outra técnica é a análise de espécies exóticas, que são plantas que crescem naturalmente em solos ricos em alumínio, e de plantas mutantes, mas a Enxertia funciona com uma enormidade de plantas”, declarou Azevedo. “Nessa técnica, pegamos a parte superior da planta e enxe
rtamos no caule e na raiz.” Ele enfatizou a importância de se investir em novas pesquisas de modo a avançar nessa área, visto que parte da pesquisa sendo feita é bastante repetitiva. “Desse jeito, os avanços são muito limitados. Existem pessoas que trabalham em outras áreas, como na parte de solos ou até de Química Analítica, que podem auxiliar muito nesse processo. Quem sabe, assim, diminuímos um pouco nosso estresse”, brincou.
rtamos no caule e na raiz.” Ele enfatizou a importância de se investir em novas pesquisas de modo a avançar nessa área, visto que parte da pesquisa sendo feita é bastante repetitiva. “Desse jeito, os avanços são muito limitados. Existem pessoas que trabalham em outras áreas, como na parte de solos ou até de Química Analítica, que podem auxiliar muito nesse processo. Quem sabe, assim, diminuímos um pouco nosso estresse”, brincou.
O coordenador da mesa, Paulo Arruda, considerou o debate importante para se estabelecer uma conexão entre uma ciência de alta qualidade e os problemas existentes na produção de alimentos e na utilização da biodiversidade, de modo a criar valor para a sociedade. “Essa é a preocupação do grupo, não apenas fazer ciência por ciência”. Ainda assim, para os pesquisadores, o panorama atual das Ciências Agrárias é bastante positivo. “Temos 30% da nossa pauta de exportação baseada em produtos do Agronegócio”, afirmou Elibio Rech. “A formação de pessoal nessa área é um ponto fortíssimo, mas as pesquisas ainda merecem um foco mais aplicado”, complementou Ricardo Azevedo. Para Maria Helena Goldam, o momento é de otimismo: “Sempre falo para os meus alunos que a pesquisa no Brasil avançou muito. Hoje, somos respeitados no mundo inteiro”.
O diretor do Escritório Regional para América Latina e Caribe do International Council for Science (ICSU-ROLAC), Manuel Limonta, afirmou que as palestras das Ciências Agrárias foram um “concerto, uma música espetacular”. O cubano declarou-se muito satisfeito com o trabalho desenvolvido, afirmando que o Brasil tem uma enorme diversidade que os pesquisadores sabem aproveitar para gerar desenvolvimento. “Vocês deveriam falar em um estádio de futebol. Sei que vão mudar o mundo; não precisam de nenhum conselho”.