O engenheiro Vahan Agopyan, atual pró-reitor de Pós-Graduação da USP e ex-diretor da Escola Politécnica da USP, abordou o tema da sustentabilidade em materiais de construção, destacando os novos conceitos e desafios para a área de construção civil. Uma das pessoas responsáveis pela regulamentação da profissão de engenheiro no Brasil, Agopyan tem como títulos honorários a Comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico, Eminente Engenheiro do Ano, Personalidade da Tecnologia e Cidadão Paulistano.

“É difícil falar de novos desafios isoladamente no mundo atual, em que tudo é interligado e correlacionado, a própria sociedade funciona assim. Não dá para falar de desafios de materiais na área sem imaginar a construção civil como um todo.” Agopyan optou, portanto por tratar de aspectos diversos da área em sua palestra.

O maior desafio

A inovação é o grande desafio da construção civil. Isso é bastante claro para o palestrante, que acentuou: “Se não houver inovação, a construção civil vai ficar inviável dentro de uma sociedade sustentável; isso já vem acontecendo em diversos países”. Ele destacou que é fundamental incorporar novas atitudes em relação à sustentabilidade.

Segundo Agopyan, vivemos atualmente num sistema de fluxo de materiais em ciclo aberto, ou seja: os resíduos da produção viram lixo. “Num futuro sustentável, temos que ter o fluxo em ciclo fechado, ou seja, transformar os resíduos através da reciclagem”. Os novos sistemas têm que incorporar, por lei, a reciclagem.

Os materiais

O palestrante relacionou a evolução da construção civil à incorporação de novas materiais. Começou citando o concreto, material que surgiu no século I em Roma e foi usado intensamente até o século XIX. “O concreto armado no século XX e o concreto protendido, a seguir, provocaram grandes mudanças na construção civil, mas o material se tornou problema em função do gasto de energia em sua produção e dos resíduos que gera”, explicou o cientista.

A invenção dos elevadores aumentou o uso do concreto, pois se passou a poder construir edifícios com mais de seis andares. “Até então, como em Paris, os apartamentos mais altos tinham preços menores, pela dificuldade de acesso pelas escadas”, contou Agopyan.

Ele apontou o fato de que “nunca vivemos tão bem como vivemos atualmente”, em termos de qualidade de vida e conforto. Uma pessoa de classe média baixa hoje, segundo o engenheiro, “vive melhor do que um rei do século XVIII”. A renda per capita cresceu exponencialmente, a expectativa de vida também. Isso se deu em função de inovações. Mas todo bônus tem seu ônus: estamos consumindo dez toneladas de matérias primas por habitante por ano. “E o que é pior: consumimos, realmente, duas toneladas – as outras oito são jogadas fora, se tornam lixo. Nos países desenvolvidos, essa taxa chega a 45 a 85 ton/hab/ano”, afirmou o palestrante.

O planeta não aguenta esse consumo de matéria-prima e não tem mais como dar conta desse lixo. “De modo geral, jogamos fora cinco vezes o que produzimos: a massa de resíduos da nossa sociedade é cinco vezes a massa de bens consumida”. Agopyan observou que entre 40 e 75% dos recursos naturais de um país são consumidos pela cadeia produtiva da construção civil (no Brasil, 50%). Os resíduos da construção civil correspondem a 500 kg / hab. ano, quantidade superior a do lixo urbano.

Em São Paulo, segundo o palestrante, as construtoras estão começando a comercializar resíduos, que passam da categoria de estorvo para a de recurso. “O dono do resíduo da construção civil, por lei, passa a ser responsável pela sua deposição”, explicou Agopyan. “É preciso que haja uma abordagem sistêmica em relação à otimização do ciclo de vida dos materiais de construção. Um projeto tem que incluir tanto a produção, o uso e a manutenção do que é construído, mas também a desmobilização da área da obra e a reciclagem dos resíduos.”

O gás carbônico

Outro problema apontado pelo engenheiro é o CO2: o crescimento da produção desse gás na atmosfera se deu de maneira vertiginosa depois da Revolução Industrial. A maior produção de CO2 vem da queima de combustível fóssil, da fabricação de cal e cimento e do desmatamento. E Agopyan destaca que, além disso, a queima de combustíveis fósseis ainda envolve gasto de energia.

A construção civil, na visão de Agopyan, contribui negativamente para as mudanças climáticas. “Além de queimar combustíveis fósseis, utiliza madeira ilegal não certificada – inclusive na produção de componentes da construção civil (cerâmica vermelha, compensados e madeira serrada) – e utiliza combustíveis fósseis para produzir cimento, cal e aço em grande escala.”

Estresse hídrico

O pró-reitor referiu-se então a outra questão fundamental: a água. O maior uso da água no mundo é para a agricultura e, em segundo lugar, para a construção civil. “Apenas 2,5% do total da água do mundo é doce ; 97,5% é salgada”. Desse total, 1,7% é composto por geleiras, 0,7 é de águas subterrâneas e apenas 0,01% é de águas de rios. Agopyan observou que a água disponível, portanto, também tem seus limites.

O estresse hídrico na América Latina – região com mais água doce disponível no planeta – está crescendo consideravelmente e o cenário é muito ruim. Em 2000, havia22 milhões de pessoas em situação de risco e a previsão para 2050 é que a América Latina tenha entre 60 e 150 milhões de pessoas com dificuldade de acesso à água. “Estamos poluindo o aquífero Guarani – no Estado de São Paulo já há trechos poluídos e quase 1/4 desta água é usada na construção civil”.

Agopyan alertou para a contaminação dos solos. “A terra também está sendo contaminada por materiais de construção, como metais pesados que existem nas pinturas, preservativos de madeira e os plásticos”. Ele observou que a impermeabilização do solo também causa problemas, como enchentes.

Energia elétrica

Os edifícios consomem 45% da energia elétrica de uma região e o impacto ambiental dessa energia depende da forma de geração. “A energia hidrelétrica é uma das mais limpas, mas exige grande investimento e o país vem fazendo um grande esforço para sujá-la”, ironizou Agopyan.

E o consumo tende a crescer: com o aumento da temperatura, por exemplo, o uso de aparelhos de ar refrigerado está se multiplicando a cada dia. “O número de residências com ar condicionado deve mais que triplicar, entre 2005 e 2030”, apontou o especialista.

O engenheiro esclareceu que o gasto de energia elétrica no Brasil em 2001 correspondia a uma determinada taxa de emissão de CO2. “A previsão é que essa taxa tenha triplicado em 2017 e sextuplicado em 2030, em relação a 2001”, alertou.

A informalidade

Segundo o Banco Mundial, 55% da população mundial são responsáveis pela degradação do planeta – e os outros 45% vivem com menos de U$ 2 por dia. A construção civil emprega 15% dos trabalhadores brasileiros, todos pobres. No Brasil, 40% da população moram em condições inadequadas, em favelas e/ou em áreas de risco. “E essa cidade informal, a favela, é resultante da economia informal”. Agopyan observa que em Hong Kong, cidade que tem morros como o Rio de Janeiro, não existem construções em áreas de risco. “A população pobre mora no plano, em prédios com 40 ou 50 aptos minúsculos, de 20 a 30m2, mas em condições mínimas de dignidade e em locais seguros.”

A informalidade reduz a capacidade de investimento social, pela evasão fiscal e pela corrupção, assim como prejudica a qualidade dos investimentos públicos. Para Agopyan, esse é um problema social que traz diversos prejuízos. “Envolve sonegação fiscal, corrupção de agentes públicos, desrespeito às legislações ambiental, trabalhista e urbanística, além do desrespeito a padrões de qualidade”, apontou o palestrante.

Mudanças urgentes são necessárias

Para que haja sustentabilidade social, no entanto, a construção precisa crescer. “Não dá para parar de construir. Precisamos de mais fontes de energia limpa, de mais habitação e de mais infraestrutura para garantir a vida condigna dos cidadãos”. Agopyan reforça a necessidade de gerar inovação. “A construção civil vai ter que ser transformada para se tornar sustentável. Pode-se discutir o prazo e o processo, mas a mudança de tecnologia é inevitável.”

A inovação para a sustentabilidade é uma área multidisciplinar, que integra o conhecimento existente em outras áreas e disciplinas. Segundo Agopyan, é o que vai trazer competitividade econômica e sustentabilidade social para o Brasil. “A inovação na construção, muitas vezes, é invisível, difícil de medir pelos meios tradicionais, pois ocorre na organização dos processos, na combinação de tecnologias e processos existentes, em nível de projeto e de empresa”, explica.

Para as economias avançadas, inovação é uma questão de ampliar as fronteiras do conhecimento. Para os países em desenvolvimento, o principal desafio é a assimilação. A cultura do setor é avessa à inovação – e não só no Brasil. Na Inglaterra, por exemplo, a percepção das construtoras é de que há oposição dos clientes, oposição de setores industriais, falta educação e outros. Em pesquisa realizada naquele país, acessada por Agopyan, foi avaliado que os clientes também são barreira para a inovação. “O usuário não enxerga o impacto da inovação, ele tem medo do risco de falha, a visão é de que há muito risco para poucos benefícios. Esse preconceito existe.”

Inovação e transformação

Ainda assim, muita coisa já foi pensada e desenvolvida. Entre os meios de contribuir para essa sustentabilidade na construção está a redução do uso de água. “Para tanto, deve-se incorporar o uso de válvulas de dupla descarga, torneiras automáticas, aeradores para a ponta das torneiras e limitadores de vazão”, sugeriu Agopyan. O uso de energia solar para o aquecimento também pode fazer diferença, assim como o uso de cimentos de baixa emissão e o uso do concreto de alta resistência. Além disso, o engenheiro insistiu em que os canteiros de obra devem promover a gestão dos seus resíduos: “o material comercializado gera recursos.”

A grande inovadora no setor é a indústria de materiais e componentes. Agopyan deu alguns exemplos de novidades: a fachada dinâmica é uma inovação interessante, pois é multifuncional: resolve o problema de sombreamento, do aquecimento de água e proporciona uma iluminação natural controlada. O concreto fotocatalítico autolimpante é outra inovação bem vinda: degrada a sujeira e a poluição do ar através da absorção da radiação UV, o que serve, por exemplo, para manter limpas as fachadas dos prédios.

Agopyan é otimista. Para ele, se a construção civil mudou com o advento do tijolo, no século XVII; mudou com o advento do aço no século XIX, criando novas tendências com as estruturas metálicas; e mudou com o concreto armado e o concreto protendido, no século XX, “no século XXI vai ter que mudar de novo – só que com um agravante: rapidamente, sem esperar gerações. Esta é uma transformação necessária e urgente.”