É possível dizer que hoje, no Brasil, está se fazendo uma verdadeira cartografia da dengue e da febre amarela. No Instituto Evandro Chagas (IEC), órgão vinculado à Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde (MS), pesquisadores coletam dados do vírus – do genoma à latitude e à longitude em que foi isolado – para determinar por onde entrou e qual a rota que segue dentro do país. É a chamada filogeografia.
“A importância é entender a dinâmica de dispersão de um vírus, principalmente como esse vírus entrou no país e a forma como ele se dispersa por ele, a velocidade de dispersão desse vírus, para que em possíveis epidemias já se tenha um padrão epidemiológico para que se possa conseguir prever qual seriam as possíveis rotas”, diz o pesquisador associado do departamento de arbovirologia do IEC Marcio Nunes.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 2,5 bilhões de pessoas no mundo estão em área de risco, e todo ano registram-se 50 milhões de casos de dengue. No Brasil, mais de 10 milhões de casos já foram contabilizados desde 1986, quando a dengue começou a dispersão no país.
“Recebemos amostras do Brasil inteiro e, às vezes, de outras partes do mundo. É importante que elas tenham informações como o nome e a idade do paciente, a região de onde esse paciente é oriundo, se possível informações geográficas, como latitude e longitude, e a data da coleta. Baseados nesses dados, associados aos dados genéticos, o computador consegue fazer previsões da porta de entrada do vírus, em relação a outras sequências genéticas que já estão depositadas no banco de dados mundial. É possível traçar, por similaridade e por cronologia, as rotas de entrada e a dispersão desse vírus”, explica Nunes.
De acordo com o livro publicado em 2010 pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) “Doenças Negligenciadas”, organizado pelo professor Wanderley de Souza, em 1996, 1753 municípios do país estavam infestados pelo mosquito Aedes egypti, transmissor do vírus; em 2009, esse número saltou para 4006. A proliferação do mosquito não significa que o vírus também esteja disseminado pelo país, afinal nem todos carregam um dos quatro tipos de vírus da dengue. No entanto, o aumento da população do Aedes egypti da uma ideia do potencial de dispersão da doença.
“É muito importante sabermos como esse vírus entra e como ele se dispersa para observarmos os cinturões de dispersão. O cinturão é como se fosse um limite. No gráfico, enxergamos um círculo. Desta forma, começa-se a vacinar as pessoas ao redor do cinturão de dispersão e inibe-se a progressão da doença. No caso da dengue, a única maneira de frear esse foco é borrifar inseticida naquela área para inibir a dispersão”, diz o pesquisador.
Nos dias atuais, a dispersão de doenças pelo mundo é cada vez mais veloz. Segundo Nunes, com a maior facilidade de pessoas se locomoverem, aumentou, também, a rapidez com que vírus se espalham ao redor do globo. O mapeamento permitido pela filogeografia aponta que as doenças atravessam oceanos. E, para isso, as melhores formas são navios e aviões, que podem não só transportar o mosquito infectado, mas, também, pessoas doentes.
“Conseguimos dizer quantos quilômetros por ano esse vírus se dispersou. Saber se ele é um vírus de rápida ou de lenta dispersão. A dengue tipo 3, por exemplo, teve uma dispersão muito mais rápida do que a dengue tipo 4”, diz Nunes, que, apesar de não ter ainda comprovação, acredita que a menor velocidade de dispersão da dengue tipo 4 ocorre porque o vírus não está muito adaptado. “Mas como esse foi o primeiro ano dele, possivelmente em 2012, o vírus tipo 4 terá uma velocidade e uma agressividade maiores.”
Em 2008, 9,7% dos casos de dengue aconteceram na região Norte; 33% no Nordeste, 46,9% no Sudeste; 8,1% no Centro-Oeste e 2,3% no Sul, de acordo com dados da Academia Brasileira de Ciências.