Um erro comum no Brasil costuma atrapalhar a relação entre empresas e universidades: supor que o sistema de inovação de um país funciona com instituições acadêmicas gerando integralmente o conhecimento e empresas apenas recebendo as novas tecnologias. Ao contrário: a empresa é um local privilegiado para gerar conhecimento.
A análise foi feita pelo Acadêmico Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP e ABC, durante o Workshop FAPESP-ABC sobre Pesquisa Colaborativa Universidade-Empresa, que teve início nesta segunda-feira (7/11), em São Paulo.
O evento de dois dias, promovido pela FAPESP e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), ocorre paralelamente à Feira de Negócios em Inovação Tecnológica entre Empresas, Centros de Pesquisa e Universidades (Inovatec), realizada pela Confederação das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.
O workshop consiste na apresentação de projetos financiados pelo Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) da FAPESP em parceria com as empresas Oxiteno, Braskem, Vale, Natura, Embraer, Microsoft, Suzano, SABESP, Ouro Fino, Recepta Biopharma, JP Indústria Farmacêutica e Mahle.
Iniciado em 1995, o programa tem apoiado projetos de pesquisa desenvolvidos em cooperação entre centros de pesquisa de empresas e instituições acadêmicas e institutos de pesquisa, em regime de cofinanciamento entre a Fundação e as empresas.
Na abertura do evento, Jacob Palis, presidente da ABC, contou que uma série de simpósios sobre a relação academia-empresa começou a ser realizada há dois anos, por iniciativa da entidade.
“A ideia é fomentar o entrosamento do cientista com a indústria instalada no Brasil. Essa relação às vezes sofre com preconceitos de lado a lado. O cientista é visto como alguém dedicado somente a assuntos abstratos e a empresa como desinteressada pela pesquisa. Queremos mostrar que academia e empresas não têm mais interesses divergentes”, disse.
“A empresa é um lugar muito privilegiado de produção de conhecimento. Nos países desenvolvidos isso fica evidente. Mesmo quando não há um centro de pesquisa formal, há gente resolvendo problemas e gerando conhecimento o tempo todo. No entanto, esse pesquisador que trabalha na empresa está sempre interagindo com as universidades, que auxiliam nas soluções de problemas dentro de uma pauta formulada pela própria empresa”, disse Brito Cruz.
Os pesquisadores das empresas, em um bom sistema de inovação, não estão isolados, segundo ele, pois a universidade continua sendo um referencial que eles trazem consigo.
“Antes de trabalhar na empresa, esse profissional estudou em algum lugar. E, quando tem um problema para resolver no laboratório, ele aciona sua rede de contatos, buscando auxílio com os colegas, professores e grupos de pesquisa que ele sabe que podem ter as respostas”, disse.
Brito Cruz traçou um retrato do setor de inovação no Brasil e, em particular, das relações entre universidades e empresas. O dispêndio total de pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Brasil em 2008 foi de 1,09% do Produto Interno Bruto (PIB), o equivalente a R$ 23 bilhões. Desse total, 54% vieram de fontes públicas e 46% do setor privado.
“Podemos verificar que a porcentagem do PIB que o Brasil aplica em P&D fica abaixo dos países com os quais queremos competir. No entanto, há uma grande heterogeneidade no país e, se observarmos os números de São Paulo isoladamente, vemos que o estado tem um dispêndio de 1,7%, maior que o da Espanha, da Itália e do próprio Brasil”, destacou.
Quando são comparados os quadros de dispêndio em P&D apenas no setor público, no entanto, as diferenças não são muito grandes entre os países. No dispêndio governamental, o Brasil investe 0,7% do PIB e nenhum país passa muito de 1%. “Como se vê, a restrição de investimentos governamentais não é o principal problema para nosso sistema de inovação”, disse Brito Cruz.
É no dispêndio do setor privado que se encontra a principal diferença entre os países. Enquanto o dispêndio empresarial em São Paulo é de 1% do PIB, nos Estados Unidos e Alemanha o investimento é de cerca de 2% e países como Japão, Coreia do Sul e Suécia investem mais de 2,5%.
“Entretanto, nesses países as empresas não enfrentam as graves restrições que as empresas brasileiras precisam encarar”, disse Brito Cruz. Segundo ele, as três principais restrições são o custo tributário gigantesco, o custo dos juros e de um câmbio anômalo – vale mais a pena investir em aplicações que em pesquisa – e um custo trabalhista imenso.
“Não se trata de dizer que as empresas brasileiras não sabem ou não querem investir em pesquisa. O que ocorre é que elas não conseguem, porque o peso dessas restrições é muito grande. O ambiente é hostil. Em São Paulo a situação é um pouco melhor, porque as empresas da região têm mais competição internacional”, afirmou.
Uma das dificuldades enfrentadas pelo sistema brasileiro é o número de pesquisadores nas empresas: são poucos e com tendência de redução. “Temos cerca de 133 mil pesquisadores no Brasil, sendo 57% em universidades e 37% em empresas. A Pintec 2010 mostra uma redução na quantidade de pesquisadores na empresa”, disse Brito Cruz.
O número de pesquisadores nas empresas no Brasil aumentou até 2005, quando atingiu 50 mil – e caiu entre 2005 e 2008. “O Brasil tem hoje 45 mil pesquisadores em empresas. A Coreia do Sul, com um sétimo da população, tem 166 mil. E os Estados Unidos têm 1,1 milhão. Nosso pequeno dispêndio em P&D se manifesta concretamente no pequeno número de pesquisadores”, afirmou.
As patentes em empresas também são um indicador no qual o Brasil deixa a desejar. A China, segundo Brito Cruz, teve um crescimento espetacular nesse aspecto: o número de patentes em empresas foi multiplicado por 10 entre 1994 e 2004.
“O número de patentes chinesas registradas nos Estados Unidos em 2004 era de 404 e em 2009 passou para 1.655. O Brasil teve 106 patentes registradas nos Estados Unidos em 2004 e apenas 103 em 2009. Podemos verificar uma tendência à estagnação, nesse aspecto, a partir de 2003. A Espanha, que tem o mesmo número de pesquisadores que o Brasil, tem três vezes mais patentes”, disse.
Brito Cruz destacou que a relação entre universidades e indústria não se limita aos estudos conjuntos. “Além de pesquisas conjuntas, as universidades e empresas também estabelecem suas relações na forma de um fluxo de estudantes, de contatos informais com pesquisadores da universidade e da empresa, de conferências, de revistas especializadas, de copublicação, de mobilidade de pesquisadores – que tiram licença para trabalhar na empresa, ou para fazer um doutorado -, de contratos de pesquisa, de contratos de patente e licenciamento, de spin-offs e da construção conjunta de laboratórios de pesquisa”, disse.
Biorreatores de leveduras
Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, coordenador do Laboratório de Genômica e Expressão do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apresentou a palestra “Rotas verdes para o Propeno”, sobre um projeto PITE FAPESP-Braskem.
Segundo Pereira, o projeto de pesquisas foi motivado porque a Braskem tinha o objetivo de chegar a 2012 entre as dez maiores empresas do setor de petroquímica. “Em 2010, a empresa já havia chegado à quarta posição no mundo em seu setor. Uma empresa desse porte n
ão sobrevive sem inovação”, disse.
O primeiro contato entre a Braskem e o grupo de pesquisas da Unicamp foi induzido pela empresa, em 2007. “Já estava em desenvolvimento uma tecnologia de polietileno verde que, do ponto de vista químico, é uma coisa simples”, disse.
“Hoje, a Braskem tem uma planta de 200 mil toneladas produzindo polietileno verde. Mas, no caso do propeno, não havia tecnologia simples, nem complexa. Chegou-se à conclusão de que, para produzir o propeno, seria preciso investir em ciência”, explicou.
O projeto utilizava biologia sintética para utilizar leveduras como biorreatores para produção de glicerol a partir do caldo de cana. Com um novo biorreator, uma bactéria, eles passaram a produzir propanol.
“Os resultados objetivos do projeto foram a formação de mestres e doutores, seis patentes – sendo uma delas nos Estados Unidos -, alguns artigos e o desenvolvimento de um organismo industrial e de um processo. Tudo funcionou tão bem que a Braskem, uma empresa de petroquímica, resolveu investir no desenvolvimento de um laboratório de biotecnologia”, afirmou.
O novo laboratório da Braskem terá 40 pesquisadores até o fim do ano, segundo Pereira. “Um aspecto importante é que esse projeto abriu postos para doutores e pós-doutores na empresa. Como esses estudos exigem sigilo, a tendência é que os pesquisadores se desliguem da universidade para trabalhar na empresa. Por outro lado, há também uma tendência de manter relações de longo prazo”, disse.