Leia o artigo enviado para as Notícias da ABC pelo Acadêmico Sérgio Mascarenhas, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP-São Carlos:

“Recentemente, o Ministério de Ciência e Tecnologia passou a denominar-se Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. A mudança foi adequada? Embora o ministro anterior – um dos melhores que o Brasil já teve, Sergio Machado Rezende – tivesse prestigiado fortemente a inovação, criando inclusive uma Secretaria especial e indicado para ela um grande cientista, Ronaldo Mota (que, aliás, continua nessa função com o presente Ministro), acho que a mudança do nome foi oportuna e gostaria de aproveitar para discutir o tema, da maior importância para o desenvolvimento não só da ciência e tecnologia mas da educação em geral.

Para isso vou me valer de dois símbolos da sociedade global: Einstein e Bill Gates, que ladeiam a figura de Janus, o único deus romano não copiado da mitologia grega, com seus dois instigantes e filosóficos olhares, um para o passado outro para o futuro. Começo pelo cenário da história da ciência e tecnologia: a convergência temporal das duas é a característica principal dos tempos atuais. Enquanto as leis da eletricidade e magnetismo foram estabelecidas por Faraday e Maxwell, nas quais se baseia o funcionamento do motor elétrico, cerca de quatro décadas foram necessárias para o seu pleno desenvolvimento tecnológico. Mas o tempo entre a descoberta das ondas eletromagnéticas e suas aplicações já foi mais curto: apenas duas décadas. Entretanto, no mesmo ano que o laser, essa fabulosa fonte de luz, foi inventado já houve aplicações tecnológicas para o mesmo!

Hoje a característica de nossa era, o séc. XXI, é a vida curta de produtos, processos e serviços -característica da economia globalizada, impulsionada pelos negócios que exigem competitividade acelerada. O cerne dessa convergência, a sua força motora é a inovação tornada permanente, necessária, característica fundamental do dinamismo dessa interação entre ciência e tecnologia.

Mas na nossa sociedade, ou melhor, na cultura brasileira, temos características de inovação? Claro que temos: no futebol, no carnaval, certamente. Ocorre, entretanto, que os nossos jovens talentos não foram educados para a cultura dinâmica da ciência, tecnologia e inovação. Uma razão óbvia pode ser encontrada por uma simples visão da nossa sociedade: campos de pelada em todo o Brasil, nas cidades, nas periferias, em qualquer esquina desocupada. Carnaval começa logo depois que acaba pela continuidade das escolas e sociedades carnavalescas. Há até um sinergismo entre futebol e carnaval – as torcidas, tipo Gaviões da Fiel, são também transformadas em escolas de samba no carnaval. Mas nas escolas com e minúsculo, isto é, do sistema educacional, a ciência e a tecnologia são poucas e a inovação – quer seja nos métodos, quer nos processos de ensino-aprendizagem, que só recentemente despontam, tímida.

Temos uma infraestrutura de escolas de curto tempo – não a Escola Parque sonhada por Anísio Teixeira, mas a escola mínima cartorial, da violência e bullying na sala de aula , sem tecnologia educacional moderna. Seus professores são portadores do que chamo Síndrome dos Quatro Medos: medo do aluno, medo do seu desamparo em técnicas e conteúdos didático-pedagógicos, medo do conhecimento avassalador que jorra pela internet e medo de seu futuro social como carreira, desprezada que foi não somente pelo Estado mas até pelos sistemas privados, que os escravizam com salários irrisórios e cargas didáticas intensas.

Mas nosso tema é a inovação! Como inovar em um ambiente desses sem qualquer motivação, seja para Einsteins ou Bill Gates? Recentemente, a Universidade Rockefeller recebeu o seu 26º Prêmio Nobel, dessa vez em medicina – uma única universidade em Nova Iorque com 26 prêmios Nobel! O Brasil não tem sequer um Nobel, nem mesmo em humanidades – a menos que se considere a Copa do Mundo equivalente ao Nobel e os festejos carnavalescos como tal! Falta mesmo é educação para ciência, tecnologia e inovação, uma nova cultura, diferente dessa que recebemos de nossos colonos machistas, escravagistas e exploradores de nossas riquezas naturais, sem lhes agregar quaisquer inovações. A Embrapa, em tempos recentes, acordou para essa visão e o fez pela ciência, tecnologia e inovação, provando que sem Einsteins inovadores não teremos os Bill Gates empresariais – pelo menos em número e qualidade suficientes para uma inserção virtuosa no mundo globalizado.

Estou há tempos propondo uma Rede de Agências Multimídia, associada a uma Rede de Centros e Museus de Ciências e Tecnologia com centrais de produção nas cinco regiões do Brasil para difusão da ciência, tecnologia, inovação tanto na educação como nas empresas para sairmos desse atraso histórico. Quem sabe a angustiada solicitação da Academia Brasileira de Ciências e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência por uma participação no pré-sal possa ser ouvida para essa finalidade? Seria um grande momento na história do Brasil, mas teria que ser ouvido no meio da gritaria dos estados produtores e não produtores sem explicitações de missões como essa que discutimos em prol da ciência, tecnologia, inovação na educação. Esperemos que, desprezada pelos ilustres senadores, a sugestão da SBPC-ABC possa ser atendida pela Câmara Federal, o que se constituirá numa decisão histórica tão importante como a da Independência brasileira, desta vez dos grilhões do subdesenvolvimento.”