Graduada em Farmácia Bioquímica pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com especialização em Microbiologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Tatiana Barichello é mestre e doutora em Ciências Biológicas (Bioquímica) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS/2004 e 2007).
Durante a infância, Tatiana conta que teve muitos bichos de estimação. “Sempre moramos em casa com jardim e meu pai nos dava todos os animais possíveis: gato, cachorro, tartaruga, hamster, porquinho da Índia, entre outros”. O pai, formado em administração e contabilidade, embora trabalhando muito – inclusive aos sábados -, sempre foi muito presente. “Meu pai sempre viveu para nós”. Acostumado a ler enciclopédias e muitos livros, a pesquisadora conta que ele era um “dicionário ambulante”. A mãe, sempre doce e calma, não sabia brigar. Era professora quando casou e, como na época o salário era muito baixo em Santa Catarina, desistiu da profissão. “Como ela tinha estudado piano no Conservatório, dava aulas em casa e hoje, com 76 anos, ainda toca no órgão da igreja todos os domingos.”
Sempre muito tímida e ansiosa, Tatiana tinha vergonha de fazer perguntas aos professores, mas isso não a impediu de chegar onde desejava. “Eu sempre sonhei em ser professora universitária. Adorei o curso de farmácia, principalmente a parte de análises clínicas. A minha disciplina preferida era a microbiologia”, relata. Após a graduação, iniciou as atividades profissionais em um laboratório de análises clínicas, mas desejava fazer mestrado. “Para isso, eu precisava parar de trabalhar, o que não estava em meus planos, pois sempre gostei de ser independente”.
Na faculdade, sempre foi muito estudiosa, tirando nota dez na maioria das disciplinas. Após um longo período trabalhando em laboratório, a pesquisadora ficou sabendo de uma especialização em Microbiologia Clínica na PUC-PR. “Viajei de Criciúma, no Sul de Santa Catarina, para Curitiba durante um ano e meio todas as quintas-feiras à noite e retornava somente na madrugada de domingo”, conta. No curso, Tatiana conheceu alguns doutores convidados, um deles o Prof. Helio Sader, quem a fez relembrar seu interesse pela docência.
“Voltei à Criciúma e soube que a universidade local, a UNESC, iria abrir o curso de farmácia. Levei meu currículo, pretendendo ministrar aulas de microbiologia, mas me contrataram como coordenadora do curso, função que assumi por sete anos”, relata Tatiana. Nesse período, ela realizou o mestrado em Ciências Biológicas (Bioquímica) na UFRGS. “Em seguida, fiz doutorado. Também fui coordenadora da Unidade Acadêmica de Ciências da Saúde nesta mesma universidade, durante dois anos”.
Cansada dos cargos administrativos e da política universitária, Tatiana foi para o laboratório de fisiopatologia da UFRGS e, logo em seguida, surgiu a oportunidade de organizar o seu próprio laboratório. “Me senti realizada. Os experimentos foram acontecendo, sempre com o apoio do meu marido, também professor. Os artigos foram sendo aceitos, e a satisfação foi aumentando cada vez mais”. Passou a conquistar muitos editais das agências de fomento, que antes eram inatingíveis. “Minha linha de pesquisa começou a se consolidar e a ganhar respeito de parceiros de outras instituições. O número de alunos aumentou muito”, conta feliz.
Em seu trabalho, Tatiana pesquisa os mecanismos através dos quais os microrganismos causam as doenças infecciosas no sistema nervoso central, visando compreender melhor como este dano acontece e esclarecendo, também, como o hospedeiro reage imunologicamente. “Conhecendo estes mecanismos e a fisiopatologia da doença, podemos propor novas possibilidades terapêuticas que sejam capazes de neutralizar estes danos e evitar as sequelas da enfermidade, sejam elas danos neuronais, prejuízo de aprendizagem, danos na memória, ansiedade, depressão, entre outras”, explica. “Estudamos a meningite bacteriana utilizando um modelo animal que permite uma refinada avaliação clínica e neurológica, devido à tranquilidade na manipulação. Assim, podemos verificar as sequelas da doença e também o tratamento coadjuvante na prevenção dos danos”.
Embora seja difícil, Tatiana avalia que ser mulher, mãe, esposa e profissional é uma tarefa realizável. Vaidosa, ela frequenta a academia duas vezes por semana, gosta de ter as unhas sempre pintadas e cuida da alimentação da família. “Prezo muito a formação dos meus filhos. Eles têm aulas particulares de inglês desde pequenos e fazem Kumon. Meu marido é meu maior apoiador, pois muitas vezes me senti incapaz de conciliar e foi ele quem nunca me permitiu desistir”.
Na ciência, o que mais a encanta é a transformação diária dos acontecimentos, a construção do conhecimento. “A ciência requer muito estudo, determinação e humildade. Com isso em mente, as portas se abrem naturalmente”. Para Tatiana, seu trabalho, assim como o de milhares de pesquisadores, tentar contribuir com melhorias para a sociedade, não somente com a divulgação dos resultados ao mundo acadêmico. “Aos jovens que querem seguir esse caminho, diria que a ciência encurta as distâncias, pois o mundo parece menor e você tem a impressão de que é possível percorrê-lo. Em minhas aulas na graduação, sempre falo da importância da iniciação cientifica. Hoje, nossa instituição propicia uma formação em pesquisa. Os alunos correm atrás”.
Sobre o prêmio, a laureada diz que foi uma grande realização. “Se me dissessem há 11 anos que eu ganharia este prêmio, não conseguiria acreditar. O caminho foi longo, mas eu consegui. Tirei do meu caminho as escolhas inadequadas, pois somos o resultado das escolhas que fazemos”. Como a pesquisadora concorreu ao Prêmio Loreal-ABC-Unesco nos últimos três anos, ela acredita que a iniciativa valoriza a mulher. “Mostra que nós também podemos ter nosso espaço na pesquisa e na sociedade. Somos todas capazes de transformar nossas vidas, basta querer e investir para que isso aconteça. Este prêmio é um presente de valor inestimável que eu não consigo mensurar; é um presente para a mulher brasileira que acredita e quer transformar”.