Carlos Eduardo Cerri, C. H. Brito-Cruz, Lisiane Porciúncula, Milton Moraes e Flavio Kapcinszky

O segundo dia do Simpósio “Ciência, Tecnologia e Inovação: Visões da Jovem Academia”, que reuniu 70 dos 112 Membros Afiliados da ABC, começou com uma mesa de debate sobre gestão e carreira científica. Lisiane Porciúncula, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi a mediadora e Carlos Eduardo Cerri, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), atuou como relator. Milton Ozório de Moraes (Fiocruz), Flavio Kapcinszky (convidado da UFRGS) e o Membro Titular Carlos Henrique Brito-Cruz (Unicamp/ Fapesp) foram os debatedores.

Kapcinszky mostrou um panorama da distribuição das universidades federais em 2009: 59 sedes que totalizavam 230 campi em todo o país – a maioria concentrada no Sudeste, Sul e Nordeste. Também apresentou a distribuição de alguns dos principais institutos de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT&I), mostrando que vários deles estão localizados em São Paulo e no Rio de Janeiro. Além disso, segundo os dados do palestrante, o Brasil conta com 366 institutos de Ciência e Tecnologia (C&T) e 85 mil doutores distribuídos pelas universidades e centros de Ciência e Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). A titulação de mestres e doutores tem crescido, bem como o número de bolsas concedidas.

O palestrante comentou o número de publicações científicas brasileiras que, apesar de crescente – a média de crescimento do Brasil neste campo é três vezes maior que a mundial – ainda está atrás de países como Índia, Coreia do Sul e Austrália, país que chama a atenção por tal participação, segundo Kapcinszky. Já no que diz respeito à relação entre o número de documentos científicos, “o Brasil ainda pode melhorar, mas também não está totalmente fora da curva”, conforme o pesquisador da UFRGS. “Estados Unidos, Japão e Coréia do Sul são bons exemplos para nós”.

Kapcinszky falou sobre as universidades de pesquisa, nas quais a formação não é feita na sala de aula, mas no laboratório, na clínica (em relação a cursos como Medicina, Odontologia e Psicologia), atelier – para as Artes – entre outros. “A formação dentro do ambiente universitário, por excelência, se dá por, para e através da pesquisa”. Nessa linha, o convidado afirmou que as habilidades do cientista passam por saber resolver problemas, conhecer idiomas e ter capacidade de liderança e gerenciamento, através de cargos de chefia, contato com a política universitária, entre outros aspectos. “O cientista não pode ficar fechado no seu laboratório”, declarou.

Por fim, Kapcinszky mostrou o ranking da Unesco das melhores universidades, que tem Harvard, dos Estados Unidos, no topo. Ele afirmou que esse país é o destaque da lista, com sete universidades entre as dez primeiras, seguido pelo Reino Unido. O palestrante comentou alguns dos vários aspectos que fazem com que tais universidades sejam as melhores. “São instituições de grande tradição no ensino de, pela e através da pesquisa. Além disso, se dedicam preferencialmente ao ensino de pós-graduação, setor que tem mais estudantes do que a própria graduação”.

O Membro Afiliado Milton Ozório de Moraes concordou com Kapcinszky em relação à importância do cientista ser também um gestor. “A evolução natural do pesquisador é passar da iniciação científica para o mestrado, doutorado e pós-doutorado, passando por chefe de laboratório, professor, líder de grupo de pesquisa etc. Mas a rotina gerencial também é necessária”. Ele afirmou que os profissionais que se dedicam à gestão não são reconhecidos no Brasil, diferentemente de países como Estados Unidos. “É necessário que os pesquisadores sejam também gestores para participar de discussões políticas”, enfatizou.

Moraes citou o livro “De onde vêm as boas ideias”, de Steven Johnson, afirmando que o agrupamento de indivíduos gera inovação, de modo que as universidades fazem o papel de estruturas de organização e inovação do conhecimento. “Os insights surgem dentro do ambiente acadêmico, a partir de discussões e apresentações de dados”. O pesquisador indagou então se temos estruturas e gerimos nossas carreiras científicas de forma a permitir a criação de boas ideias. “Será que uma boa ideia gerida hoje nas nossas universidades e institutos de pesquisa poderia se transformar em produto? Segundo a regra 10/10, uma boa ideia leva em média dez anos para se transformar em produto”, acrescentou.

Para o cientista, os aspectos relacionados à criatividade e carreira científica são a interdisciplinaridade, a projeção para o novo, a liderança participativa, o anticonformismo, entre outros. Como exemplos de personalidades que se adequaram a estas características, Moraes citou Oswaldo Cruz e Carlos Chagas. Ele afirmou também que a Fiocruz se adaptou a isso, de modo que alia o desenvolvimento científico e tecnológico à formação de pós-graduandos. “Os docentes da pós-graduação estão, quase que na totalidade, inseridos na pós-graduação”, disse. “Além disso, foram criadas plataformas tecnológicas que são gerenciadas por pesquisadores da instituição e são de acesso da comunidade científica institucional”.

Moraes também enfatizou a importância da reunião de orientadores e alunos em atividades acadêmicas e culturais para discutir ciência de forma descompromissada; da participação dos estudantes na organização de eventos e cursos práticos de férias; da organização de grupos de estudo independentes, entre outros aspectos.

O Acadêmico Carlos Henrique de Brito Cruz encerrou a mesa, comentando que existem problemas que estão dificultando a Ciência e o progresso brasileiros. Ele mostrou alguns dados que revelavam que a publicação de artigos brasileiros caiu em 2010, após um período de crescimento, o que revela que existe algum tipo de restrição atuando em relação a esse aspecto.

Brito Cruz também comparou o impacto das publicações brasileiras ao da Espanha e da China, que superam o do nosso país. “Devem acontecer coisas no sistema e organização da pesquisa no Brasil que fazem a nossa Ciência ser menos vista. Estamos tentando procurar quais são essas coisas”, afirmou. “A Ciência está progredindo, o número de publicações aumentou, mas ainda há muito trabalho a ser feito”.

Segundo o Acadêmico, há algum tempo, os órgãos de financiamento passaram a fornecer o dinheiro para o pesquisador em vez da instituição, o que culminou no pensamento de que “as universidades não dão conta”. No entanto, o apoio da instituição é essencial. Brito-Cruz citou como exemplo o Research Support Office da Universidade da Califórnia, documento que traz uma série de orientações em relação ao financiamento: “Antes de você ganhar os recursos, eles te ajudam a ver o edital, a preparar o projeto, preencher o formulário, indicam o dia e o local da entrega etc”, explicou. “Depois de receber o financiamento, eles fazem a gestão inteira do seu dinheiro. E, se você tiver que fazer um seminário, eles acham a sala da universidade que pode usar, indicam como mandar os convites e outras coisas”.

Para Brito-Cruz, esse é um indicativo de por que o impacto da universidade americana é alto e o da brasileira é baixo. Já em relação à gestão profissional, o palestrante afirmou que compete aos pesquisadores exercer o papel mais importante na sua instituição – a liderança acadêmica, e não a administração. “É essencial esse líder acadêmico gerenciar a inteligência dele para fazer aquela instituição fica melhor em vez de reclamar”, concluiu.

Após um debate aberto para a plateia e uma reunião, a mesa produziu um relatório resumindo as ideias e propostas defendidas durante a discussão. Entre elas, estão a busca de um efetivo apoio administrativo institucional para projetos de pesquisa e a promoção da autonomia das universidades federais. A auto-regulação da comunidade científica e a valorização das atividades de gestão também foram pontos destacados, além da questão da ética no ambiente acadêmico. Essas propostas, que foram apresentadas a representantes das agências de fomento à pesquisa, podem ser vistas no documento publicado nesta página.

Assista ao vídeo com o relatório da Mesa Gestão e Carreira Científica.