A sociedade brasileira convive há décadas com formação de má qualidade em boa parte das escolas de ensino fundamental e médio, em particular nas áreas de matemática e ciências (física, química e biologia). São vários os fatores que levaram e levam a esta situação: desde a remuneração dos professores, a infra-estrutura física das escolas ( quando existentes, não são ajustadas ao mundo atual), o currículo inadequado até a falta crônica de pessoal qualificado.

Entretanto, o número limitado de novos profissionais nesta área é certamente um dos principais fatores que não permitem que o País dê um salto de qualidade da formação científica dos jovens, fundamental num mundo do conhecimento. Perpetuamos a exclusão científica e cultural de boa parte de nossa população e aumentamos o fosso entre os cidadãos plenos e os excluídos.

Vários são os excelentes programas lançados pelo governo brasileiro nos últimos anos, visando à capacitação e à atualização dos profissionais que já atuam nas escolas. Entretanto, pouco se faz para a formação e colocação de jovens professores no sistema. Apenas repetimos fórmulas que já se mostraram ineficazes, como por exemplo a mera expansão de vagas de licenciaturas principalmente em cursos noturnos e mudanças de currículos desastrosos com o foco em como “ensinar”.

Ora, estes cursos sequer atraem jovens dispostos a levar 5-6 anos no mínimo para obter o diploma, estudando à noite e trabalhando 8-9 horas diárias em área muito distinta do ensino. Muito poucos se submetem a estes longos períodos de formação e, em geral, depois de diplomados, vão atuar em outros domínios profissionais.
Em suma, as licenciaturas no modo como funcionam hoje constituem em boa parte desperdício de recursos, de talentos e de sonhos. Estamos em situação de guerra contra o analfabetismo científico, e dispomos de muito pouco tempo para vencê-la. Em momentos de guerra, medidas extremas e diferenciadas são necessárias. E temos exemplos de sucesso utilizados em outros países culturalmente próximos ou distantes.

Sabemos que nossas universidades de ensino livresco e disciplinares foram e são incapazes de responder a este desafio. Já tiveram mais de 50 anos para fazê-lo, e o resultado é a grande tragédia no ensino que presenciamos. Logo, o que temos pela frente é pensar alternativas viáveis e que possam provocar em pouco tempo mudança radical no ensino. Temos de povoar urgentemente nossas escolas com jovens professores adequadamente preparados ao ensino de matemática e ciências, principalmente. Eis um dos elementos-chave para o avanço em todas as áreas, colocando o Brasil em condições de competir no mundo do conhecimento.

Se as nossas Universidades de ensino livresco e disciplinar não têm como responder a contento a este desafio, que organizações podem fazê-lo?

A resposta reside em algumas das instituições que já possuem ilhas características de Universidades da Pesquisa. São instituições em que a formação centra-se nos laboratórios/ateliers/clínicas, sendo complementar a formação em sala de aula . Tais instituições têm grande tradição na pós-graduação e grande número de alunos de iniciação científica e elevado índice de interdisciplinaridade. Departamentos são em geral apenas entidades burocráticas nestas instituições, sem importância acadêmica.

Elas podem responder rápida e eficientemente com sistemas interdisciplinares (centros, por exemplo) para a formação urgente de professores para os ensinos fundamental e médio, e em particular de matemática e ciências. Os cursos podem durar no máximo 2 anos, com calendário distinto e, portanto, com conteúdo adequado ao que eles deverão ensinar e dotados de instrumentação tecnológica atualizada. Para tanto, os discentes devem dispor de tempo integral e serem remunerados para se formar, de modo que a carreira do magistério inicia quando de seu ingresso. Parte dos recursos para o pagamento destes alunos de tempo integral poderia provir do dinheiro poupado com o fechamento das licenciaturas noturnas, hoje ineficazes e injustas. Por sua vez, as bolsas seriam reajustadas à medida em que o discente avançasse no curso. Por exemplo, um curso de dois anos teria 5 quadrimestres, e o avanço a cada quadrimestre acompanhado de um reajuste entre 15%-25% sobre a bolsa anterior. No final dos 5 quadrimestres, o discente deverá realizar estágio remunerado de dois anos em escolas do ensino fundamental e médio; concluído o estágio, ele receberia o diploma de licenciado.

Por sua vez, o currículo estaria adequado às funções a serem exercidas enquanto professor num mundo do conhecimento e de novas tecnologias. Ele deve primariamente saber o que vai ensinar com as ferramentas tecnológicas mais atuais. Portanto, é importante que receba estas ferramentas e leve-as consigo para a escola. Este profissional não precisa necessariamente saber resolver as equações na mecânica quântica ou sintetizar moléculas complexas, mas saber utilizar as ferramentas que o permitam fazê-lo com estudo a trabalho posterior são sim essenciais. Só quem domina o conhecimento/tecnologia do que ensinará pode dominar os conhecimentos do modo como ensinar.

Somente uma Universidade da Pesquisa poderá responder aos desafios de mudança radical do ensino. Não é expandindo vagas, por expandir, criando longos cursos noturnos, duplicando institutos em novos campi que responderemos a contento o desafio maior da educação. Por sua vez, a principal responsabilidade recai sobre as instituições que possuem ilhas de excelência no ensino de, por e pela pesquisa. São essas que podem responder a altura a um dos principais desafios brasileiros. Estas devem urgentemente deixar de competir com os IFETs e outras instituições de ensino superior, criando mais cursos, novo campi, em vez de assumir seu papel de refletir e propor alternativas para o País. Caso contrário, muito provavelmente, apenas universaliremos a educação de pouca qualidade, como já vem sendo feito. Certamente não seremos, nem devemos ser, perdoados pelas gerações futuras, caso as instituições com características de universidades da pesquisa não assumirem a responsabilidades pela expansão do ensino de qualidade para todos.