No segundo dia de palestras da 63a Reunião Anual da SBPC, que aconteceu entre os dias 11 e 15 de julho em Goiânia, os Acadêmicos Jailson Bittencourt de Andrade e Luiz Drude de Lacerda fizeram uma apresentação com o tema “Energia e Ambiente”.
O pesquisador da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Jailson Bittencourt deu início à palestra, fazendo uma menção ao Ano Internacional da Química (AIQ) e ratificando a importância dessa ciência para a criação de um mundo sustentável. “O AIQ tem o objetivo de mostrar que, hoje, vivemos em um mundo totalmente dependente da Química”, declarou o Acadêmico.
As mudanças no planeta e o Antropoceno
De acordo com Bittencourt, o planeta observa, atualmente, um aumento na demanda por água, alimentos e energia. Fala-se, por isso, em controlar a população. “A Química deu contribuições para o controle populacional, mas existe um consenso de que isso depende principalmente das mulheres jovens. Acredita-se que, se elas tiverem um nível cultural e sócioeconômico mais elevado, o controle será mais eficiente”, disse. Bittencourt também mencionou a teoria do químico Paul Crutzen que defende que, por causa do processo de transformação acelerado pelo qual passa o planeta desde o momento em que o homem começou a usar máquina a vapor e energia fóssil, podemos estar vivendo uma nova era geológica denominada Antropoceno, em substituição à era Cenozoica.
“O homem causou muitas mudanças no planeta e é essencial que isso se reverta”, alertou Bittencourt. “Há um consenso na Ciência de que a mudança climática existe e é responsável pelas transformações. Vemos, por exemplo, um aumento de 30% na acidez dos oceanos, que causa vários problemas como o branqueamento dos corais”. Ele comentou que muitos ecossistemas estão sendo afetados e que a disponibilidade e qualidade da água estão sendo modificadas de forma bastante acelerada. “As disputas que ocorrem hoje em relação a combustíveis podem vir a ocorrer em relação à água no futuro”. Concomitantemente a essa transformação das condições do planeta, a humanidade exige cada vez mais boas condições para sobreviver, conforme afirmou o Acadêmico.
Sobre a explosão demográfica, o químico comentou que, entre 1900 e 2000, a população mundial quadruplicou, de modo que, em outubro, a Terra atingirá a marca de sete bilhões de habitantes. “Seguindo esse ritmo, em dez anos aumentaremos em 15% a população do planeta, chegando rapidamente aos nove bilhões de habitantes, total que os ambientalistas defendem como sendo o máximo que o planeta pode suportar”. Já em relação ao aquecimento global, os relatórios mostram que houve um aumento de meio grau Celsius de temperatura. “Quando a temperatura média é de 14 graus, meio grau significa muita coisa. Para nós, representaria febre”, comparou Bittencourt.
Os desafios
O Acadêmico afirmou que, para o século XXI, existem dois grandes desafios: sustentabilidade e interdisciplinaridade. “Observamos uma convergência das ciências, em que não se distingue mais o que é Química, Física ou Biologia: estão completamente integradas. A disciplina começa a perder o seu papel e o tema começa a preponderar”, informou. Nesse sistema, a inovação é fundamental para que o conhecimento seja convertido: “O Brasil só vai alcançar sustentabilidade, interdisciplinaridade e inovação através da educação. É a nossa única opção”.
Hoje, segundo Bittencourt, vivemos em função da tecnologia. “Avançamos tanto tecnologicamente que um arado, por exemplo, não é mais dirigido pelo filho do fazendeiro, pois há uma tecnologia de informática imensa embarcada nele. As pessoas precisam de um nível de educação muito maior para acompanhar os avanços tecnológicos”.
Bittencourt afirmou que dependemos de três grandes sistemas: energia, alimento e água, que estão completamente interligados. “Qualquer nação que tiver acesso e manejo fácil a eles, terá avanço”, defendeu. Os outros desafios dependem diretamente dos três primeiros: ambiente, pobreza, doenças, educação, democracia, entre outros.
A energia
Em relação ao desafio da energia, o cientista disse que a matriz energética brasileira é predominantemente limpa e hídrica. No século XIX, a demanda de energia no mundo era suprida pelo óleo de baleia. No século XX, o responsável era o carvão e gás natural, ou seja, a energia fóssil. “A pergunta é: qual será a base de prosperidade desse século XXI?”, indagou.
Assim, Bittencourt analisou algumas alternativas energéticas, como a fissão da energia nuclear, que sofreu certa decadência após a Guerra Fria e perdeu a confiança do público, além de não poder substituir o uso dos combustíveis fósseis no transporte. As células combustíveis de hidrogênio enfrentam desafios tecnológicos em relação a geração, estocagem e transporte. O uso do metanol traz problemas como a formação de CO2.
A grande solução que se espera, segundo o Acadêmico, é a energia solar. “A discussão é como melhorar a captação direta e o seu uso. O sol tem energia suficiente para a nossa demanda; a questão é como otimizar sua utilização”, informou. Bittencourt disse, no entanto, que não existe solução única. Em relação a biocombustíveis, por exemplo, o Brasil tem a melhor opção, que é a cana de açúcar, de modo que o etanol é extremamente competitivo com o petróleo.
A água
Bittencourt analisou o segundo desafio citando alguns dados, como o de que a produção de mil quilos de grãos exige um milhão de quilos de água e que, até 2050, um bilhão de pessoas não terá acesso à água. Os oceanos detêm 97% da água mundial, mas, ainda assim, o Brasil concentra grandes reservas de água potável. “Temos um dos maiores aquíferos do mundo, o Guarani, mas a zona plantada de soja ocorre exatamente em cima dele. Usamos mal nossos aquíferos”, alertou. O cientista complementou com a informação de que a agricultura é responsável por 70% da água utilizada no mundo, e afirmou que a questão da água não tem a ver apenas com o seu consumo, mas com o fato de que ela estabiliza as condições do nosso planeta.
Os alimentos
Em relação ao terceiro desafio, Bittencourt falou sobre o fato de que quase sete bilhões de pessoas vivem em cidades, ou seja, não produzem alimentos, apenas consomem. O Acadêmico citou a África Subsaariana, região onde haverá um dos maiores incrementos populacionais e que vive uma grande miséria, o que revela que o desafio dos alimentos é imenso. “Consumimos 45% das plantas terrestres, direta ou indiretamente. Somos atualmente caçadores, coletores de energia, mas precisamos passar a ser produtores”.
Ele finalizou dizendo que vários países do mundo precisam ter muito cuidado com esse trinômio de desafios. O Acadêmico também comentou que o Brasil só pode afirmar sua soberania se investir em educação.
Mudanças climáticas no litoral nordeste do Brasil
O pesquisador da Universidade Federal do Ceará (UFC) Luiz Drude de Lacerda disse que a população não é o principal problema do planeta, mas sim a demanda de energia dessa população, que é a principal responsável pelas alterações climáticas. “Ou a gente repensa a necessidade de tanta energia, ou vai ser muito difícil chegar lá. Ainda que tenhamos energia disponível no sol, é complicado absorver tudo. Talvez a gente não precise de 14 terabytes de energia, como está previsto”, alertou.
Drude mencionou que o reflexo das alterações climáticas mundiais não é linear, de modo que algumas áreas são mais sensíveis que outras: “Apesar do aumento médio de 0,5 graus Celsius, que na verdade já chegou a 0,74, no Ártico houve um aumento de 5,8 graus”. Ele complementou apresentando o caso do Semi-árido brasileiro, afirmando que essa região “não conhece média”.
Segundo o Acadêmico, a maior parte dos rios que passam pelo Semi-árido atravessa pelo menos dois biomas diferentes. As mudanças climáticas que já estão acontecendo na região têm interferido não apenas no ambiente, mas também na população humana. Ele afirmou que o litoral semi-árido brasileiro é uma das partes mais sensíveis às mudanças climáticas e que a área dispõe de pouca água doce.
Drude disse que os principais impactos que estão ocorrendo se relacionam com o clima da região paralela ao Equador, que depende da convergência inter-tropical. Essa movimentação deve se tornar cada vez mais intensa, com períodos ficando mais secos e outros ficando mais chuvosos. “Isso não vai acontecer daqui a 30 anos. Já vem acontecendo nos últimos 25 anos”. Ele apresentou os exemplos do sertão do Ceará, cuja precipitação já sofreu uma redução de 5,3 milímetros, e da Bacia do Rio de Contas da Bahia, que também já teve redução da pluviosidade e do fluxo fluvial.
Além disso, Drude falou sobre a bacia do Rio Jaguaribe, que vai receber a transposição do Rio São Francisco e cuja média de pluviosidade vem diminuindo. “Era comum na estação da seca acontecerem uns pulsos de pluviosidade. Apesar de pequenos, traziam a segunda produção do caju. Agora, na estação da seca, praticamente parou de chover”, exemplificou.
O Acadêmico também falou sobre a variação do nível do mar, que está subindo na faixa de um milímetro por ano: “Alguém vai molhar o pé, eventualmente”. Drude disse que esses números não parecem muito significativos, mas exercem uma grande influência na vida em geral. “Três milímetros de chuva a menos, um milímetro de mar a mais… parece pouco mas, juntos, esses fatores produzem alterações relevantes”, alertou. “O avanço do nível do mar que aconteceu no Nordeste em 2003 deveria ocorrer só em 2150”. Observa-se um desbalanço completo de toda a região costeira, do Rio Grande do Norte até o Maranhão, e os fenômenos de erosão têm se revelado enormes.
De acordo com o Acadêmico, o problema não é apenas a quantidade de água que está sendo reduzida. É também a qualidade dela, pois, com a redução do volume, os sedimentos não são levados, ficam nela. “O Rio Jaguaribe não tem mais condições de transporte para o mar e houve um aumento das áreas de mangue”, revelou. Além disso, ocorre uma acumulação muito elevada de metais, de modo que as águas cada vez mais concentram substâncias tóxicas.
Drude finalizou seu discurso sendo enfático: “A mensagem que eu queria deixar é que esses cenários previstos para 2030, 2050, são cenários médios. Em várias áreas do planeta, como a África Subsaariana citada pelo Jaílson, isso já está acontecendo. Essas mudanças, embora na média sejam relativamente pequenas, são extremamente significativas em pontos focais do planeta”.