Lúcia Carvalho Pinto de Melo possui graduação em Engenharia Química e mestrado em Física pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), outro mestrado em Energia e Meio Ambiente pela Universidade da Califórnia – Santa Bárbara e curso de pós-graduação no Technology and Policy Program do Massachusetts Institute of Technology (TPP/MIT, 1987). É pesquisadora titular da Fundação Joaquim Nabuco.
Com um rico currículo – ela já foi secretária de Ciência e Tecnologia (C&T) de Pernambuco, presidente do Fórum Nacional de Secretários Estaduais de C&T e secretária-executiva adjunta do MCT, Lúcia sucedeu o Acadêmico Evando Mirra de Paula e Silva na presidência do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE).
O que é o Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE)
O CGEE é uma associação civil sem fins lucrativos, com sede em Brasília, que tem por finalidade a promoção do desenvolvimento científico e tecnológico. Realiza estudos e pesquisas prospectivas de alto nível na área de ciência e tecnologia, assim como atividades de avaliação de estratégias e de impactos econômicos e sociais das políticas, programas e projetos científicos e tecnológicos. Ao Centro também cabe difundir informações, experiências e projetos para a sociedade; promover a interlocução, articulação e interação dos setores de CT&I e o setor produtivo; desenvolver atividades de suporte técnico e logístico a instituições públicas e privadas; e prestar serviços relacionados a sua área de atuação.
A apresentação da presidente do CGEE Lúcia Melo durante a 63ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) foi sobre experiências e desafios de avaliação em ciência, tecnologia e inovação (CT&I). Ela explicou que o sistema de CT&I no Brasil de hoje é muito complexo, pois vem mudando de forma acelerada, envolvendo financiadoras, institutos de pesquisa, instituições e empresas. “O CGEE pensa a CT&I, não fomenta nem decide. Aprimora políticas e processos de gestão, procura redefinir estratégias, mede resultados e impactos de políticas públicas”. Planejamento e avaliação, portanto, são suas atividades permanentes, visando prestar contas à sociedade e às agências financiadoras.
Embora a motivação por avaliação, segundo Lúcia, seja crescente no país, a cultura de avaliação ainda é muito incipiente nas instâncias do governo. A demanda ocorre em função da intensa restrição nos orçamentos públicos, a pressão competitiva – não apenas entre as empresas, mas também entre as universidades, pela busca por financiamento – e a diversidade de atores envolvidos nos processos de geração e difusão do conhecimento e de inovação.
Os objetos de avaliação e as metodologias utilizadas
Lúcia explicou que o CGEE mobiliza competências para levantar a base de conhecimento existente em determinada área, em nível nacional e internacional. “É preciso que tenhamos dados e informações seguras para responder perguntas sobre os objetos de estudo”. Mas nem sempre esses dados existem, ou têm qualidade. Faltam bases confiáveis, com a densidade e dimensão necessárias. Por isso, a entidade trabalha com roteiros de avaliação e não com modelos. “Isso garante a flexibilidade na maneira de avaliar os objetos”, frisou a palestrante.
Para Lúcia, é fundamental gerar conceitos novos de avaliação. “A avaliação de projetos e programas tem que ser interdisciplinar, exige flexibilidade, tipos diferentes de abordagens e a participação dos atores envolvidos”, ressaltou.
Apresentação de casos e resultados
A presidente citou diversos exemplos de estudos desenvolvidos pelo CGEE. Dentre eles, o processo de reconfiguração estratégica do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq), encomendado pelo MCT e CNPq, para saber o que deve ser modernizado, com a construção de um projeto prospectivo. “Avaliação tem que andar junto com a prospecção”, esclareceu Lúcia. Desde a revigoração do FNDCT e dos Fundos Setoriais, segundo ela, o nicho do CNPq não ficou claro, era preciso uma orientação sobre o caminho a tomar. “Onde é que o CNPq quer se reposicionar? Como ser uma instituição de fomento à pesquisa daqui a 30 anos? A esse tipo de pergunta é que nossos estudos procuram responder”, explicou.
A primeira etapa do trabalho foi levantar o que está sendo feito por entidades semelhantes em outros países. Veio então a formação de grupos de discussão internos e externos, a realização de entrevistas com pesquisadores, políticos e gestores – os atores do sistema de CT&I – para o levantamento de percepções qualitativas sobre o tema. “Foram 39 mil emails enviados com perguntas. Tivemos 26% de respostas, em três rodadas”, informou. Os resultados apontaram, ente outras coisas, divergências com relação aos temas centrais entre o público interno e o externo. “O pessoal de dentro do CNPq vê de um jeito; os gestores e outros atores têm outra perspectiva.”
Lúcia citou também como exemplo o processo de avaliação do impacto da Lei de Informática. “Este estudo levou a uma reconfiguração da Lei, pois a realidade econômica do país e das TICs [tecnologias de informação e comunicação] de quando a lei foi criada, há dez anos atrás, era outra. As sugestões de mudanças têm que passar pelo Congresso e pelos grupos de interesse. Não é um processo trivial, mas é fundamental.”
Outro exemplo dado foi o da Braskem. “Fizemos um trabalho de química verde que esta norteando toda a agenda de P&D da empresa”, relatou Lúcia Melo. Nesse estudo, o CGEE mostrou quais eram as rotas da química verde no mundo, como o Brasil se situava nesse contexto e quais eram as fragilidades.
A avaliação do impacto das Olimpíadas de Matemática é um trabaho que está em fase de finalização. “Este estudo envolveu entrevistas com alunos, professores e pais. Os resultados da consulta foram disponibilizados via internet pelas escolas. Tivemos um tipo de resposta e uma variedade de elementos interessantes. Entre outras coisas, foi identificado no ambiente familiar, por exemplo, um forte protagonismo das mães no apoio e estímulo do envolvimento das crianças.”
Lúcia Melo deu como exemplo, ainda, o trabalho do CGEE junto às organizações estaduais do setor agropecuário. “Elas estavam acabadas, mortas e fragmentadas. A avaliação realizada pelo CGEE induziu uma decisão de investimento de 300 milhões em um determinado número de anos”.
Aplicação prática dos resultados obtidos
Lúcia Melo frisou que o CGEE não tem orçamento fixo, como os institutos e universidades. A entidade funciona através de contratos com ações definidas, e essas ações são pactuadas entre o contratante e o contratado. “Nós temos que contratar e pagar pessoas e infraestrutura com recursos do contrato. Portanto, precisamos cumprir metas e apresentar resultados.”
Ela reiterou que o CGEE não é uma instituição que faça políticas ou decida sobre elas. “O papel do CGEE é gerar informações para a inteligência política, gerar subsídios para a elaboração das políticas mais adequadas”. Mas afirmou que a entidade tem um forte compromisso com os resultados, porque sua existência depende deles. “As decisões, no entanto, estão no campo do jogo de interesses, no campo do jogo da percepção de políticas, que nós não capturamos muitas vezes. Essa é uma dificuldade.”
Outra dificuldade apontada por Lúcia é que as agências governamentais têm uma enorme resistência às influências externas. “Alguém vir de fora para te avaliar, dizer como você tem que fazer o seu trabalho, é desagradável”. Essa dificuldade, segundo a palestrante, não pode ser eliminada, mas pode ser reduzida. “Tem que haver a participação adequada dos atores, promover o debate com todos aqueles que estão envolvidos no processo de decisão. E os resultados são positivos: alguns desses exemplos que eu dei aqui mudaram, objetivamente, determinadas políticas.”
Nem todos os trabalhos, porém, têm resultados objetivos. Um exemplo de trabalho frustrado refere-se a um estudo pioneiro, que identificou a oportunidade que o Brasil tinha de explorar a área de semicondutores orgânicos. “Estava claro, no estudo que o CGEE fez, que haveria uma janela de oportunidade de mais ou menos cinco anos para que conseguíssemos dominar a tecnologia necessária e ter a atividade produtiva correspondente”, explicou Lúcia. Mas esse fato ocorreu em 2007 e, segundo a presidente, agora é que o assunto está sendo discutido em algumas agências, instituições de financiamento e instâncias produtivas. “Mas agora a configuração não é mais a mesma. Aquele nicho de oportunidade detectado não é mais o mesmo.”
Incentivo à inovação e internacionalização
O Brasil tem um retardo grande com relação ao padrão tecnológico da indústria que precisa ser superado, na opinião de Lúcia Melo. “Temos um mercado financeiro que ainda é extremamente atraente para as empresas e, por isso, muitas delas não querem alocar recursos em atividades de alto risco. Portanto, se queremos inovação, precisamos ter instrumentos adequados para diminuir os riscos das empresas. Estamos avançando, mas ainda vai levar um tempinho.”
Para a presidente do CGEE, a internacionalização é necessária porque a evolução para um sistema global é inevitável. “O que temos que fazer é ter clareza de quais são as nossas vantagens nesse sistema e mantê-las como vantagens, não como moeda de troca. Não é o clube dos excluídos, é uma forma de nos incluirmos a partir das nossas vantagens.”
Em seu ponto de vista, uma potência como o Brasil, com a sua diversidade cultural, sua capacidade produtiva e seus recursos naturais, pode ter um protagonismo muito mais intenso no mundo globalizado. “É preciso que nosso país seja visto dessa forma: como um país capaz de produzir e manter uma base de energias limpas, de desenvolver uma estrutura de produção moderna, de promover atividades que agreguem valor internamente, de ter pessoas competentes trabalhando e universidades ativas.”
Atenção aos recursos para a área de CT&I
Inquirida sobre a possibilidade de corte dos recursos para a área de CT&I, Lúcia defende que seja assegurado o patamar atingido. “Temos que garantir esses recursos, não podemos mudar esse patamar e andar para trás”.
Com relação às assimetrias regionais na distribuição de recursos de pesquisa, Lúcia considera que os indicadores tradicionais não contemplam todos os aspectos que devem ser considerados. Sua opinião é que para avaliar um curso de pós-graduação num estado desenvolvido, onde o que conta é gerar teses, alunos e produção científica, os indicadores utilizados são suficientes. Mas em regiões onde um curso de pós-graduação contribui para o surgimento de outros cursos, serve de incubadora de novas ideias, de grupos que se formam a partir dele, há evidentemente outros elementos a serem considerados e que deveriam ter parâmetros estabelecidos para comparação.
“Nosso sistema de avaliação da pós-graduação é conservador, na minha percepção, pois ainda é muito focado numa mesma maneira de fazer as coisas, pouco focado na inter e na transdisciplinaridade, nos desdobramentos, nas externalidades… No estágio em que estamos, formando 12 mil doutores por ano, já podemos começar a exigir esse tipo de coisa.
Com relação aos recursos oriundos da exploração do pré-sal, a presidente do CGEE acha que é preciso que haja mobilização social. “O momento agora é de garantir recursos áreas estruturantes da construção do país. Esses assuntos de concessão de royalties, de quais os setores em que haverá investimentos, precisam ir pra rua”. Ela reconhece que não é fácil estabelecer essa comunicação com a sociedade, mas considera fundamental criar caminhos para tal. “Acho que precisa haver mais entendimento e compreensão dos problemas, para que haja maior mobilização no sentido de cobrar que esses recursos sirvam para o Brasil como um todo e não para um setor específico.”