Nascido no dia 31 de agosto de 1920 em Brno, cidade da Tchecoslováquia onde no mosteiro da Ordem de Santo Agostinho, Gregor Mendel, pai da genética, fez todas as suas experiências, Otto Richard Gottlieb foi o maior químico de produtos naturais do Brasil. Autor de 656 publicações científicas, 1180 comunicações em congressos, 652 conferências convidadas, 186 delas em diversos países, 145 cursos, 93 deles na pós-graduação, de vários livros e capítulos de livros, Gottlieb dedicou sua vida à preservação e ao estudo da flora brasileira, gerando novos conhecimentos científicos e formando recursos humanos qualificados.
Redator da revista Química, uma publicação do Diretório Acadêmico da Escola Nacional de Química da Universidade do Brasil (ENQ-UB), criada pela Associação dos Ex-Alunos (EXAEQ), Gottlieb integrou como 2º secretário a sua primeira diretoria, e, desde muito cedo, mostrou grande vocação para a pesquisa científica. Primeiro aluno da turma de 1945 da ENQ, Gottlieb trabalhou durante 10 anos na fábrica Ornstein & Cia de óleos essenciais de seu pai e, em 1961, assumiu o cargo de tecnologista do Instituto de Química Agrícola (IQA), no Rio de Janeiro-RJ, o berço da moderna química de produtos naturais brasileiros, onde deu continuidade ao estudo sobre a extração do óleo essencial de pau-rosa, que havia iniciado na indústria de seu pai. Quando o IQA foi extinto em decorrência da reforma estrutural do Ministério da Agricultura, Gottlieb recebeu uma proposta de Darcy Ribeiro para participar da implantação da Universidade de Brasília. Com ele foi para a UnB o químico Mauro Taveira Magalhães, seu parceiro importante e colaborador científico durante muitos anos. Na UnB ele e Mauro Magalhães ficaram até 1965, quando se demitiram com outros professores em protesto contra a intervenção militar na universidade. Após a manutenção de parte de seus orientandos de pós-graduação oriundos da UnB (a outra parte destinou-se à Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Belo Horizonte) por curto período no Centro de Pesquisas de Produtos Naturais da Faculdade de Farmácia da ainda, então, Universidade do Brasil, Otto Gottlieb criou, em março de 1966, o curso de pós-graduação de química de produtos naturais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Livre-Docente pela UFRRJ, em 1967 Gottlieb foi convidado pelos Professores William Saad Hossne, então Diretor da FAPESP, e Paschoal Senise, docente do IQ da USP, para fundar com financiamento da Fundação o laboratório de Química de Produtos Naturais do Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo (USP), onde ficou até sua aposentadoria em 1990. Após sua aposentadoria na USP, Gottlieb foi ser Pesquisador Sênior da Fundação Oswaldo Cruz e depois Pesquisador Visitante da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro. Durante o período de 1966 a 1973 o Prof. Otto dedicou-se intensamente às atividades acadêmicas de orientação dos seus alunos matriculados nos programas de pós-graduação da UFRRJ, da UFMG e da USP.
Indicado em 1999 para o Prêmio Nobel de Química, Gottlieb tinha verdadeira paixão pelos produtos naturais, domínio onde desenvolveu uma nova área de estudo iniciada na UFRRJ, a sistemática bioquímica das plantas, também denominada de quimiossistemática ou taxonomia química. Excelente conferencista, em projeções com slides retangulares com letras em preto e fundo branco, Gottlieb com apresentações claras e vibrantes deixava maravilhado todos que o assistiam. A coragem foi outra de suas marcas. Quem, se não ele, teria a coragem de proferir uma conferência com o título “Ciência e Tecnologia. Um Casamento Infeliz”, quando saudou, em 1981, os novos membros titulares e associados que estavam sendo empossados na Academia de Ciências do Estado de São Paulo, quando naquela época como hoje, para se ter recursos para a pesquisa, era necessário muitas vezes se inventar uma utilidade para o projeto.
Paul Valéry, poeta e escritor françês, disse uma vez que a ciência não é o resultado necessário e infalível da razão humana, nem do “bom senso”, nem da observação indefinida. É sim, devido a acidentes felizes, a homens irrazoáveis, a desejos absurdos, a questões extravagantes, a amantes de dificuldades, a prazeres e a vícios, ao acaso que proporcionou a descoberta do vidro, a imaginação de poetas. O Professor Gottlieb foi um poeta, poeta da evolução. Seus trabalhos mostraram sempre poesia por trás de cada fórmula química. Cantou como ninguém em prosa e em verso, através de palestras e conferências, no Brasil e no exterior, a defesa da Amazônia e dos ecossistemas brasileiros. Foi um homem a frente do seu tempo. Antes mesmo da criação dos partidos verdes na Europa, Gottlieb mostrava que a ciência quando bem usada pode ser um poderoso instrumento político. Sua obra é uma bela sinfonia, comparada as dos grandes compositores. Para ele, amante da ópera, ciência e arte eram inseparáveis.
Cientista brasileiro dos mais premiados, membro titular da Academia Brasileira de Ciências, Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, Doutor e Professor Honoris causa por mais de uma dezena de universidades brasileiras e uma alemã, o Professor Otto, como gostava de ser chamado pelos seus alunos, honrou como muito poucos a ciência brasileira.
Os esforços do Professor Otto Gottlieb não foram em vão. As centenas de horas de vôo viajando pelo País, disseminando conhecimento e entusiasmo, deram bons frutos. Seus discípulos, mais de uma centena de mestres e doutores, são o seu maior legado.
A Química de Produtos Naturais brasileira pode ser dividida em antes e depois de Otto Gottlieb.
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Universidade Estadual do Norte Fluminense