O Acadêmico José Galizia Tundisi (à direita na foto), coordenador do grupo de estudos sobre recursos hídricos da ABC, encabeçou um workshop multidisciplinar sobre os desafios para a capacitação e a pesquisa sobre o tema no Brasil, no dia 30 de maio, em São Carlos, no interior de São Paulo. Foram convidados para o debate, conduzido com o apoio de assessor técnico da ABC Marcos Cortesão (à esquerda na foto), 17 especialistas de diversos setores envolvidos com a questão.

ATRÁS: Taurai Bere, Silvio Crestana, Renato Ciminelli, Hillândia Cunha,
Ricardo Hirata, Francisco Barbosa, Odete Rocha, Sandra Azevedo,
Takako Tundisi, Luiz Martinelli, Luiz Drude, Fernando Spilki.
NA FRENTE: Patricia Seppe, Ivanildo Hespanhol, Marcos Folegatti,
José Tundisi, Marcos Cortesão e Carlos Bicudo.
Avaliação da formação de profissionais em recursos hídricos no Brasil
Um dos focos do encontro foi a formação de profissionais com o perfil adequado para as demandas do país, cujo crescimento econômico e populacional está tornando os problemas cada vez mais complexos. Os especialistas presentes apontaram a falta no mercado de profissionais capazes, por exemplo, de compreender o ciclo hidrológico em sua totalidade e lidar com captação de amostras de forma adequada, transmissão de dados em tempo real, interpretação de dados e séries históricas.
Mas a falha mais grave na formação dos profissionais brasileiros é a falta de visão sistêmica. Segundo os especialistas, é necessária nessa área uma visão multi e transdisciplinar, que garanta total compreensão do ciclo hidrológico e inclua os aspectos sociais e econômicos. “E com que velocidade somos capazes de fazer o que é preciso? O país está crescendo e a universidade está no século 19”, ressaltou Tundisi.
Contribuindo para mudar o quadro
Hoje, doenças transmitidas pela água matam mais do que a AIDS. O Brasil tem sérios problemas de escassez de água em algumas regiões, além de problemas de gestão e contaminação. Os impactos das mudanças climáticas sobre os recursos hídricos já são uma realidade, que será acelerada nos próximos anos. Mas os estudantes de hoje não estão sendo preparados para enfrentar o problema. Para lidar com essas questões da maneira adequada, são necessários desde técnicos até pós-doutores na área.
De acordo com o Prof. Tundisi, o objetivo final do workshop será a geração de um documento, que poderá ser utilizado como referência para a Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/MEC) do Ministério da Educação e para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCT) do Ministério de Ciência e Tecnologia. Um grupo de relatores ficou responsável pelo registro dos debates e pela elaboração do texto.
Situação da pesquisa em recursos hídricos no Brasil
O outro tema discutido no workshop foi a situação atual da pesquisa em recursos hídricos no país. Houve consenso entre os participantes de que algumas áreas de pesquisa precisam ser incentivadas. O estudo da biodiversidade, por exemplo, foi colocado como ponto fundamental. “A bacia amazônica tem mais espécies de peixes do que todo o Oceano Atlântico, e esse universo precisa ser conhecido”, ressaltou Tundisi.
Comparativamente, a biodiversidade aquática é muito maior do que a biodiversidade terrestre: as águas contêm ¼ dos vertebrados conhecidos. “Não se sabe se na Amazônia existem três mil, cinco mil ou oito mil espécies de peixes. Temos que investir nesse conhecimento, pois é um campo em que o Brasil pode ser líder mundial”, ressaltou Francisco Barbosa, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
As pesquisas sobre o impacto das mudanças climáticas – fundamentais, pois esses impactos vão provocar uma nova configuração nos biomas brasileiros nos próximos anos – são limitadas, porque não existem dados em série. “Só temos dados pontuais”, destacou a engenheira do INPA Hillândia Cunha. A região Norte, assim como todo o Brasil, precisa iniciar séries históricas. Para alimentar os modelos de mudanças climáticas, precisamos de dados em série.”
De modo geral, a pesquisa ainda é muito regionalizada: a distribuição dos cursos é concentrada no Sul e Sudeste. “É preciso fomentar pesquisa no Norte e Nordeste, mas mesmo no Sul e Sudeste existem bacias hidrográficas que não são atendidas por projetos de pesquisa, especialmente as que se localizam em regiões em que não há universidades”, destacou o pesquisador Fernando Spilki, da Universidade Feevale, em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul. “A articulação existente entre os centros de pesquisa é pobre; é preciso que haja intercâmbio de métodos e co-orientação de teses.”
O ex-presidente da Embrapa Silvio Crestana, atualmente pesquisador da instituição, apontou a necessidade de pesquisas sobre o impacto dos dejetos agrícolas nos recursos hídricos. “Não sabemos como trabalhar resíduos suínos na pecuária intensiva, por exemplo. É preciso investir em simulação e modelagem para a construção de cenários para os próximos vinte a trinta anos. Não conseguimos fazer porque não há dados disponíveis, os que existem são isolados”.
O maior investimento que a área de recursos hídricos requer atualmente, do ponto de vista de Crestana, é em tecnologias convergentes. “Agricultura de precisão, ciências cognitivas, tecnologia da informação, biotecnologia, nanotecnologia, satélites, GPS, medidas, inteligência artificial… há uma sinergia nessas áreas lá fora e o Brasil está muito atrás. Quando fazemos alguma coisa é de forma segmentada, não estamos integrando.”
Propostas concretas para mudar o quadro atual
A geóloga Patrícia Seppe, da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo, ressaltou um grande problema: no Brasil, a água é gerenciada pelos estados e a terra pelos municípios. “Os dois grupos não conversam, o que cria um conflito permanente. E a privatização não é solução. Água é estratégica, tem que ser controlada pelo Estado”, argumentou a pesquisadora.
A falta de comunicação afeta também os profissionais da área. O geólogo Ricardo Hirata, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP), explicou. “Os pontos de vista são bem diferentes. Hidrogeólogos e engenheiros civis deveriam conversar com os limnólogos. A água é de quem? Essa pergunta ainda não foi feita no país. A Engenharia civil acha que a água é dela. E eles têm muitos dados importantes, realmente.”
Essa diversidade de experiências e visões deveria se refletir nas soluções propostas. “Precisamos de soluções criativas para apresentar aos governos e não esperar que ocorra o contrário”, afirmou o engenheiro químico Renato Ciminelli, membro do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Acqua (INCT-Acqua), sediado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O volume de oportunidades de negócios relacionados aos recursos hídricos, segundo Ciminelli, é muito grande. Ele destaca a participação do Brasil nos foros internacionais que dizem respeito ao tema. para Ciminelli, o crescimento do país nos últimos 20 anos fez com que sua aceitação nos fóruns internacionais tenha aumentado muito e que o Brasil, agora, seja tratado de igual para igual: estamos sendo recebidos para compartilhar conhecimento. “Temos que criar uma griffe naquilo em que somos bons, fortalecer nossas referências institucionais. Podemos venderos recursos hídricos como área de excelência, com filmes, folders, material de propaganda. A ABC pode liderar esse processo.”
Ciência para a sociedade
De acordo com Eduardo Mendiondo, do Departamento de Hidráulica e Planejamento da USP-São Carlos, os especialistas têm também que se comunicar com os educadores. “O estudo dos recursos hídricos tem que envolver uma ciência do comportamento, pois cada vez que melhora a economia e o PIB é elevado, aumenta o consumo de água. Isso não pode continuar assim”.
Em seu apanhado final, o Acadêmico José Tundisi apoiou a busca de divulgação e o investimento em comunicação. “Precisamos explorar essa interface do tema recursos hídricoscom a sociedade. As pessoas lidam com a água desde que acordam, tomam banho, fazem café e comida, dão a descarga, até quando produzem alimentos e geram energia”. Para ele, a divulgação científica faz com que a sociedade pressione os formuladores de políticas públicas para valorizar a questão dos recursos hídricos. “A ciência é um dos mecanismos mais eficientes de transformação social.”