O Acadêmico Wanderley de Souza, Professor titular da UFRJ e diretor de Programas do Inmetro, publicou o seguinte artigo no jornal Monitor Mercantil, em 6/5/2011:

“Até muito recentemente prevaleceu a idéia de que a grande maioria das espécies, principalmente os organismos menos complexos, variavam de acordo com a região geográfica onde viviam. No caso de organismos com atividade parasitária, o conceito de espécie estava também muito associado ao organismo onde o parasita fosse encontrado. Na identificação das espécies a informação morfológica tinha caráter quase que dominante.

Este pensamento levou à identificação e à descrição de um número elevado de espécies referenciadas ao local onde foram inicialmente encontradas e a características morfológicas bem definidas. Assim vamos encontrar vários organismos descritos como brasiliensis, guyanensis, japonicum etc. Outros foram descritos levando em consideração ao animal onde foi inicialmente encontrando, dando origem a espécies com as denominações de canis, muris, hominis etc. Outros ainda foram designados com base ao local do animal hospedeiro onde eram encontrados, sendo denominados de duodenalis, musculus etc.

Mais recentemente, e de forma crescente, métodos moleculares vêm sendo utilizados para traçar relações filogenéticas entre os vários organismos isolados. Nestes casos, procura-se comparar sequências gênicas conservadas e diferentes entre as várias amostras biológicas examinadas. A construção das chamadas árvores filogenéticas permitiu uma análise mais racional de distâncias evolutivas entre diferentes amostras biológicas e oferece subsídios para a identificação de novas espécies. Esta abordagem tem fornecido resultados surpreendentes e que mostram que o mundo biológico é mais globalizado do que imaginávamos.

Um exemplo recente, e que despertou grande interesse dentro e fora da biologia contemporânea, foi a constatação feita por pesquisadores italianos de que amostras de um protozoário ciliado isoladas na região Antártica, na Terra do Fogo e no Ártico correspondiam à mesma espécie, conhecida como Euplotes nobilii. A demonstração inequívoca de que realmente todos pertenciam à mesma espécie veio com um elegante experimento onde, ao se misturar protozoários isolados de diferentes regiões, estes se associavam e estabeleciam uma relação sexual clara, com troca de material genético. No mundo dos microorganismos, este processo é chamado de conjugação e envolve uma forte interação física. Mais do que isto, as moléculas liberadas pelos microorganismos e que são sinalizadoras do processo sexual, conhecidas como ferohormônios, são absolutamente iguais, mesmo quando examinadas pelos métodos mais sofisticados de determinação da estrutura de biomoléculas.

Como explicar esta significativa dispersão de um simples protozoário entre regiões tão distantes? Tudo indica que são as correntes existentes nas profundezas do oceano as responsáveis por este processo de disseminação dos microorganismos eucarióticos. O estudo acima mencionado nos alerta uma vez mais para a necessidade de utilizar várias abordagens experimentais para identificação de novas espécies. Afinal, a tão propalada globalização não ocorre apenas no campo econômico.”