Nascida em Caxias do Sul, na serra gaúcha, no ano de 1981, Patrícia Fernanda Schuck teve uma infância boa, sem muito dinheiro, mas com muito amor. Seu pai trabalhava em uma empresa de produtos de fibra de vidro em Guaíba, na região metropolitana de Porto Alegre e só voltava para casa nos finais de semana. A mãe trabalhava como secretária de uma promotora de justiça.
Ela lembra que seu irmão mais novo dava muito trabalho – era um menino inteligente, mas não gostava de estudar. Já Patrícia era estudiosa e calma, gostava de brincar de professora: colava folhas de papel em uma porta e escrevia no suposto quadro com giz de cera. “Eu tinha alunos imaginários, que faziam até provas”, rememora Patrícia. No colégio, sempre gostou de tudo, menos da Educação Física, pois não tinha boa coordenação.
Patricia conta que sempre se sentiu atraída pelo estereótipo do cientista “louco” que via nos desenhos animados, mas em sua percepção aquilo era muito distante da sua realidade. “Não sabia como se chegava lá, não havia ninguém na minha família ou entre os amigos de meus pais que atuasse em ciência ou pesquisa. E achava que era uma carreira só para pessoas muito inteligentes”.
No ensino médio, seus interesses eram por Português e Literatura, de um lado, e por Biologia e Química, de outro. “Meu teste vocacional sugeriu Letras e Jornalismo em primeiro lugar, seguidas pela área da saúde. Mas eu insisti nessa área”. Lembra-se também de ter visto nessa época o filme “O Óleo de Lorenzo”, que despertou seu interesse para os erros inatos e a Bioquímica. “Queria muito descobrir “coisas” que pudessem ajudar”, ressalta Patrícia.
Mais interesse no laboratório do que nas aulas
Entrou para a graduação em Farmácia com habilitação em Análises Clínicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e no segundo mês de aula descobriu que era possível fazer estágio de iniciação científica em laboratórios de pesquisa da universidade. Patrícia lembra que correu para o Departamento de Bioquímica e lá encontrou, por acaso, seu orientador Moacir Wajner. “Conversamos e já fiquei no laboratório – durante cinco anos, até entrar no mestrado. Ele realmente foi um pai para mim durante os dez anos em que trabalhei em seu laboratório e continua sendo até hoje. Uma pessoa muito querida, da qual jamais esquecerei.”
Durante a graduação nunca fui reprovada, mas na maioria das disciplinas teve que fazer as provas de recuperação ao final do semestre, pois preferia ficar no laboratório fazendo experimentos do que ir para as aulas. “Ficava até tarde, varava noites trabalhando e me divertia muito com isso! Ajudava todos os pós-graduandos do laboratório e desenvolvia projetos meus também”, conta a pesquisadora.
Quando entrou no mestrado em Ciências Biológicas/Bioquímica, o entusiasmo de Patrícia aumentou, encantada com a possibilidade de poder desenvolver trabalhos maiores. E no doutorado, o fascínio pela Ciência só cresceu. Fez doutorado sanduíche em The Ohio State University, nos Estados Unidos, o que ajudou muito no seu crescimento pessoal e profissional. E no meio científico fez muitos amigos, que a apoiaram em todo o percurso e por quem Patrícia tem muito carinho e gratidão. “Enfrentei um problema de saúde sério durante o doutorado e só superei bem porque tive muito auxílio dos amigos e colegas”, destaca a pesquisadora.
Em 2009 fez estágio de Pós-Doutorado na própria UFRGS e em 2010 recebeu o Prêmio para Mulheres na Ciência, ABC-LOréal-Unesco. Atualmente é professora da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) e orientadora do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde.
As linhas de pesquisa
Patrícia estuda os erros inatos do metabolismo, tais como a fenilcetonúria, galactosemia e frutosemia e a deficiência de MCAD – distúrbio genético que interfere na utilização dos ácidos graxos como fonte de energia para o organismo, que pode provocar o quadro de Síndrome da Morte Súbita.
Ela explica que erros inatos do metabolismo são doenças genéticas causadas pela deficiência de uma enzima, o que provoca um acúmulo de substâncias no organismo. O diagnóstico de algumas dessas doenças pode ser feito através do teste do pezinho. As crianças afetadas pelos erros inatos que Patrícia estuda apresentam um grave retardo mental e, se não tratadas adequadamente, morrem antes de chegar à adolescência. Os mecanismos que levam a esse dano cerebral tão grave ainda não são muito conhecidos.
“O objetivo da minha pesquisa é avaliar o que acontece no cérebro dessas crianças em modelos animais dessas doenças. Acredita-se que as substâncias que se acumulam nesses erros inatos sejam tóxicas para o cérebro”. Descobrindo o que acontece exatamente no cérebro dos pacientes, a pesquisadora pretende abrir caminho para a criação de novas estratégias terapêuticas, na tentativa de melhorar a qualidade de vida dessas crianças.
A paixão pela Ciência
Patrícia é apaixonada pelo que faz e não considera utopia pretender descobrir algo que possa melhorar a qualidade de vida dos pacientes afetados pelas doenças que estuda. Gosta de pensar que as pequenas descobertas do cotidiano podem levar a uma descoberta que revolucionará o mundo. “Lidar com o novo todo dia, com a dinâmica do conhecimento, saber que o que hoje é uma certeza, amanhã pode não ser mais, enfim, o que me fascina são as infinitas possibilidades…”
A pesquisadora identifica em seus pares cientistas algumas características: são, por natureza e pelo amor à profissão, muito determinados, incansáveis, persistentes, dinâmicos, criativos e pacientes. “E certamente são pessoas que sonham e lutam por um mundo melhor.”
Patrícia sentiu-se honrada por ter sido eleita para membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências. “Participar de um grupo que inclui excelentes e destacados pesquisadores, grandes ídolos meus, é um sonho! Nem sei se mereço tanto… E não imaginava que poderia acontecer tão cedo”, afirma ela, surpreendida.
Ela acha que o título vai fazer com que seja mais conhecida na comunidade científica, o que vai ajudar a divulgar seu trabalho e até mesmo a conseguir verbas para continuar seus projetos, além do reconhecimento na sociedade. “Desejo contribuir para a ABC desenvolvendo trabalhos confiáveis e de qualidade e divulgando a ciência brasileira no Brasil e no exterior. Ainda não descobri todas as formas de trabalhar para a ABC, ma
s procurarei colaborar de todas as maneiras que estiverem ao meu alcance.”
Sem conflitos entre o pessoal e o profissional
Como ainda não tem filhos, ainda é fácil para Patrícia conciliar a vida profissional com a pessoal. Seu namorado também é cientista e trabalha na mesma área o que, segundo ela, permite que ele compreenda as dificuldades do seu trabalho. “Ele entende a dedicação que tenho que ter e até auxilia com sugestões. Discutimos nossos resultados, colaboramos para o trabalho um do outro. E, é óbvio, procuramos nos divertir com isso”. E sempre sobra um tempinho para dividir as atividades domésticas e para os momentos de lazer: eles gostam de viajar, ir ao cinema e assistir aos jogos do Grêmio.
No meio científico, Patrícia nunca sentiu nenhum desconforto ou teve problemas por ser mulher. “Acho que a ciência e o Brasil melhoraram muito neste sentido: a mulher tem tido mais oportunidades e possibilidades do que antes e vem conquistando o respeito dos homens.”