Até sua irmã nascer, quando tinha quatro anos, Lisiane de Oliveira Porciúncula brincava sozinha no apartamento onde morava com os pais, em São Gabriel, no interior do Rio Grande do Sul. Mudaram-se então para uma casa, onde as brincadeiras com vizinhos, primos e a irmãzinha eram mais divertidas. Gostava de brincar de modelo, desfilando, e de professora, ensinando inglês. A mãe era professora, na época, e o pai economista.

Despertando para a Ciência

Na escola, gostava muito de Ciências e de interpretação de textos. No ensino médio teve bons professores de Matemática e, como gostava de Química, escolheu esse curso no vestibular, entrando para a Licenciatura Plena em Química na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Seu interesse por pesquisa começou no meio da graduação e ela atribui esse despertar ao professor de Bioquímica, João Batista Teixeira da Rocha. “Ele se tornou meu orientador na iniciação científica e foi quando eu decidi fazer pesquisa, depois de um ano de experiência em laboratório. Antes disso, não fazia idéia do que era ciência, a não ser pelas revistas como Planeta ou Saúde, que minha mãe comprava.”

À influência do Prof. João Batista somou-se a do Prof. Carlos Fernando Mello e Lisiane se encaminhou para a Bioquímica no mestrado e doutorado. Nesse último período, ainda teve como orientadores os Acadêmicos Diogo Onofre Gomes de Souza e Moacir Wajner, contato que reforçou sua decisão de seguir a carreira acadêmica.

Atualmente, Lisiane é professora adjunta e orientadora dos cursos de Pós Graduação em Ciências Biológicas, nas áreas de Bioquímica e Neurociências, na UFRGS. Após dois anos de Pós-Doutorado no Centro de Neurociências da Universidade de Coimbra, em Portugal, continuou mantendo vínculo como pesquisadora convidada.

Desde 2003, Lisiane Porciúncula atua como revisora de diversos periódicos da área. Em março de 2011 havia publicado 40 trabalhos, com 538 citações no Web Science. É membro da Society for Neuroscience, da Sociedade Brasileira de Bioquimica e Biologia Molecular e da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento. Em 2006 recebeu o Prêmio ABC-LOréal-Unesco para Mulheres na Ciência.

Avaliando os benefícios da cafeína

Ela estuda os efeitos da cafeína como neuroprotetor. Apesar de a cafeína ser uma substância mundialmente consumida, ela diz que seus efeitos sobre o sistema nervoso central ainda são pouco conhecidos. “Sabemos que a cafeína é um estimulante, sentimos seus efeitos quase que imediatamente após beber uma xícara de café expresso. Porém, quais são os seus efeitos a longo prazo? Qual a quantidade de xícaras de café que podemos ingerir por dia sem causar alterações no sistema nervoso central a longo prazo?” Para essas e outras perguntas é que a pesquisadora procura respostas.

Os trabalhos de Lisiane em parceria com a Universidade de Coimbra sugerem que a cafeína pode prevenir a degeneração de neurônios, pesquisa desenvolvida em modelos experimentais da Doença de Alzheimer. “Mas ainda não temos idéia dos seus efeitos durante o desenvolvimento do sistema nervoso central”, alerta. Ela relata que desde a década de 70, o consumo de café durante a gestação é desaconselhado pelo Food and Drugs Administration (FDA). “Esse é meu próximo projeto, descobrir se existe uma dose de cafeína que possa ser segura para ser consumida durante o período gestacional e que não cause modificações em proteínas importantes para o funcionamento das sinapses e para o desenvolvimento normal do sistema nervoso central”, conta Lisiane, com entusiasmo.

Honestidade é a base da Ciência

Do que Lisiane gosta na Ciência, de modo geral, é da dinâmica das descobertas científicas: nada é verdade absoluta. “Os conceitos mudam, novos paradoxos surgem e estamos sempre fervilhando de idéias”. Além disso, considera a convivência “eterna enquanto dure” com estudantes, como ela diz, muito estimulante. “Temos a sensação de estar sempre rejuvenescendo. Na minha área especificamente, a Neurociência, temos sempre perguntas novas porque muito pouco ainda foi desvendado. Mesmo o que já é conhecido pode ser visto com outro olhar e daí um novo conceito pode surgir”, destaca a pesquisadora.

Ela acha que todo cientista é curioso, em maior ou menor grau, e também persistente. Mas ser honesto é o mais importante, em seu ponto de vista. “Curiosos todos somos, queremos aprender coisas novas. Mas a honestidade é um dos pilares que sustentam o método científico.”

Casada, com um filho, Lisiane concilia bem as atividades científicas com a vida familiar, estabelecendo prioridades e fazendo planejamento. Destaca que só teve orientadores homens em toda a sua carreira científica e nunca se sentiu discriminada por ser mulher. Sobre o título de Membro Afiliado da ABC, ela o considera um reconhecimento do trabalho independente que começou há cerca de quatro anos. Lisiane acha que isso trará uma maior projeção do trabalho dos cientistas da Região Sul. “Vou contribuir me dedicando ao trabalho de pesquisa e dando oportunidades para estudantes que queiram ingressar na carreira científica”, afirma, contente.