Inventora da bússola, da pólvora e do papel, a China está decidida a reassumir a vanguarda do conhecimento. Um relatório global apresentado ontem pela Royal Society britânica revela o salto do país em 20 anos. A China pulou da sexta posição para a vice-liderança no ranking da produção científica global, desbancando o Japão. E a previsão é que passará os EUA em 2013, tornando-se a líder mundial da ciência. Brasil e Índia também mereceram destaque no relatório – a Royal Society estima que, até o início da próxima década, eles terão produção científica maior do que França e Japão.
O crescimento das nações emergentes já é acompanhado pela queda da produção científica de EUA e Europa. Mas, diferentemente de outros países em desenvolvimento, que destinam mais recursos às engenharias, o Brasil prioriza investimentos em biociências e agropecuária.
“É, de certa forma, uma nova ordem mundial”, explica Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Os países que se estabeleceram primeiro como centros científicos estão perdendo posição para outros que chegaram mais recentemente a esta atividade e buscam se desenvolver.
Os EUA ainda publicam quase o dobro de pesquisas da China (320 mil contra 163 mil). Ainda assim, Washington percebeu que está perdendo o fôlego. Em 2003, os americanos publicavam 26% de todos os trabalhos elaborados no mundo; cinco anos depois, este índice caiu para 21%. Recentemente, o Congresso daquele país pediu à Academia Nacional para investigar qual é a competitividade de suas unidades de pesquisa, em relação à de outras nações.
A preocupação também é visível do outro lado do Atlântico. No ano passado, a Royal Society alertou o governo britânico que “a liderança científica (do Reino Unido), que demorou décadas para ser construída, pode ser perdida rapidamente”. O país hoje é o terceiro no ranking mundial.
Crise econômica ajudou emergentes
A classificação científica representa muito mais do que mero prestígio. Trata-se de um indicador sobre a capacidade que um país tem para competir na economia global, gerando tecnologia, produtos de alto valor e independência em áreas estratégicas. “O relatório da Royal Society é interessante, mas sua análise vai até 2008. Depois, houve a crise econômica mundial, e a balança pode ter pendido ainda mais para as nações emergentes, que foram menos afetadas pela recessão”, ressalta Brito.
O crescimento científico brasileiro foi tão intenso que, pela primeira vez, uma cidade sul-americana entrou no mapa das 20 mais produtivas cientificamente. São Paulo é citada como um centro de pesquisa de grandeza semelhante a Nova York, Paris, Londres, Pequim e Tóquio. Vem da capital paulista uma em cada cinco pesquisas científicas do país. A liderança é resultado de décadas de investimentos. “O estado aplica praticamente 13% de sua receita em ensino superior e pesquisa. É apenas um ponto percentual a menos que a Califórnia”, destaca Brito. “Só a USP forma 2.200 doutores por ano. O desafio é fazer com que a experiência bem-sucedida aqui seja aplicada em outras regiões brasileiras.”
Há, porém, outras pedras no caminho. Uma é a que a produção científica nacional, embora continue crescendo, aos poucos tem pisado no freio. Entre 1994 e 1998, este índice cresceu a uma velocidade de 17% ao ano. De 2003 a 2008, a 5,3% anuais.
” Temos um potencial muito grande para tirar o atraso, desde que haja investimentos em educação, na formação adequada de técnicos e pesquisadores e mais recursos para a pós-graduação, que é um sucesso nacional, enumera Paulo Sérgio Beirão, diretor de Ciências Agrárias e Biológicas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “A Unesco, em 2009, já nos colocava como o 13º do mundo em produção científica. Podemos ultrapassar outros países, como a França.”
Segundo a Royal Society, o ranking das dez nações de maior produção científica têm, além de EUA, China e Reino Unido, Japão, Alemanha, França, Canadá, Itália, Espanha e Índia. Tuvalu está em último lugar: o país insular produziu apenas um dos 1,5 milhão de trabalhos científicos de 2008.
No Brasil, cortes orçamentários
O Brasil investe, atualmente, 1,6% do PIB em ciência e tecnologia. A meta é elevar este percentual para 2,5% até 2022. Este ano, no entanto, o País deu um passo para trás. O ministério responsável pela área terá um corte de R$ 1,7 bilhão em seu orçamento – sobrarão R$ 6,4 bilhões de receita.
Para Paulo Sérgio Beirão, do CNPq, a tesourada deveria ser revista: “Os 31 países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico investem, em média, 2,2% do PIB em ciência e tecnologia. Não devemos ficar abaixo deste índice. O corte no Orçamento terá impacto na produção científica e diminui nossa competitividade.”
O Brasil, recomenda Beirão, deveria seguir os passos da Coreia do Sul. No fim da década de 90, o país asiático viu-se diante de uma grave crise cambial. Em vez de promover cortes em pesquisa, decidiu incentivá-las. “O investimento em ciência e tecnologia cresceu 10%. Decidiu-se que esses recursos, a médio e longo prazo, dariam maior retorno”, conta.