O Acadêmico Jairton Dupont, da UFRGS, foi o único íbero-americano citado na lista divulgada pela Thomas Reuters dos 100 químicos com maior impacto mundial. Ele enviou o seguinte artigo para as Notícias da ABC:

“O ano de 2011 foi declarado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC) como o Ano Internacional da Química. No âmbito destas celebrações a Thomson Reuters publicou no ultimo dia 10 fevereiro uma lista mundial dos 100 químicos que nos últimos dez anos atingiram os escores mais altos de impacto de citação de trabalhos científicos na área da química (artigos e revisões).

Uma vez que cerca de um milhão de químicos foram registrados nas publicações de periódicos indexados pela Thomson Reuters durante a última década, esses 100 representam a centésima parte superior de um por cento. Esta lista inclui um único ibero-americano que atua no Brasil, nenhum nome de países emergentes como Rússia, China, Índia, etc. e muito poucos latinos (2 franceses e um italiano). Claro que podemos celebrar a presença de um brasileiro atuando no Brasil nesta lista. Mas o mais sensato é entender por que razões a imensa maioria se concentra em três países – 70 atuam em instituições dos EUA, sete na Alemanha e quatro na Grã-Bretanha.

Quais são as características destas instituições, em que se concentram mais de 80% destes químicos?

– São instituições de grande tradição no ensino de, pela e através a pesquisa. Todas se dedicam preferencialmente ao ensino de pós-graduação e possuem muito mais estudantes de pós-graduação do que graduação, isto é, são as responsáveis nos seus países a fornecerem os mestres e doutores.

– São em geral especializadas, isto é, não atuam em todos os domínios da ciências. O número de pedagogos é muito pequeno e em boa parte destas instituições, inexistentes.

– Os dirigentes são escolhidos segundo capacitação e mérito e não por eleições municipais.

– Atuam em geral em estreita cooperação com os setores não-acadêmicos, apesar de se dedicarem preferencialmente a geração de conhecimento básico.

– Os pesquisadores nestas instituições trabalham em condições de confiança e liberdade, com financiamento continuo e com avaliação e controle dos resultados.

– O arsenal legal ao qual estão submetidas estas instituições está desenhado para atender às necessidades do desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação, que necessita de rapidez, agilidade e facilidade para acessar equipamentos, materiais e dados, assim como de sigilo.

Estas características passam muito longe das instituições brasileiras e de suas práticas. Entretanto, o Brasil está num momento singular, por que outros países já passaram recentemente e não aproveitaram. O país necessita de gente qualificada em todos os níveis; para fazer ciência, de técnicos, engenheiros e – claro – de doutores.

A evolução da ciência, tecnologia e inovação (C,T&I) no Brasil é resultado direto e incontestável da pós-graduação (PG) e atuação das duas agências públicas exemplares que executam as políticas públicas de C,T&I: CNPq e CAPES. Certamente, se não mudarmos o marco legal para administrar a ciência e se as universidades federais com PG de excelência não assumirem suas responsabilidades, perderemos esta oportunidade histórica. As condições estão ai para que o circulo virtuoso do avanço da economia com o avanço da ciência, tecnologia e inovação se estabeleça e se consolide.

Vale lembrar que, enquanto nos países desenvolvidos existe uma grave crise de vocação para as ciências exatas e engenharias, no Brasil ainda temos um exército de potenciais cientistas. Temos de criar um modelo de recrutamento de jovens talentos para a ciência, a exemplo do que já fizemos exemplarmente no futebol e voleibol. Certamente temos atraído grande interesse de vários cientistas de outros países que cogitam trabalhar no Brasil.

Entretanto, o sistema legal atual ao qual estão submetidas as instituições que desenvolvem ciência e tecnologia são incompatíveis com as necessidades do “fazer ciência”. Quando comentamos com colegas norte-americanos ou europeus que contratamos professores-pesquisadores por concurso público com exame escrito e didático, eles em geral dão gargalhadas. Penso sempre: “diga isto aos órgãos de controle brasileiros … já quiseram impor concurso público até para agente secreto!” Aulas de PG em inglês são ainda uma raridade no país e, ainda assim, com a resistência de vários colegas, como podemos nos internacionalizar atraindo pesquisadores de outros países, desta forma?

Estamos num momento singular de nossa história científica e tecnológica e poderemos brevemente passar de espectadores a atores de base tecnológica de competitividade global. Entretanto, isto somente ocorrerá com a continuidade nos investimentos públicos que vêm sendo feitos nos últimos oito anos e, principalmente, se houver uma profunda mudança jurídica que forneça as ferramentas legais adequadas para se administrar e desenvolver ciência. Não há nada de excepcional em fazer isto, temos exemplos de sucesso no mundo inteiro. Basta vontade política.

Não se pode fazer ciência, tecnologia e inovação competitivos globalmente tendo o mesmo marco legal de uma repartição pública. Ciência se faz num ambiente de liberdade e confiança. Se necessita rapidez, agilidade e facilidade para acessar equipamentos, materiais e dados. Ciência não se faz com barreira de ano fiscal, não temos como prever com certeza prazos, orçamento e materiais e quais os resultados. Por isso investigamos! Como se pode desenvolver projetos em parceria com outras instituições e gerar patentes se sequer o sigilo pode ser garantido dentro do pseudo sistema de transparência e controles públicos ?

O numero de cientistas atuantes do Brasil é ainda muito pequeno (somente a cidade de Boston nos EUA tem mais doutores em Química que no Brasil inteiro), muito aquém de nossas necessidades prementes. Certo, foram criadas as bases para a formação de pessoal, técnicos, engenheiros, professores e geração de ciência e tecnologia para inovação com a entrada no sistema dos IFET, novas universidades, Prouni e novos campi, por exemplo. Entretanto, não temos os mestres e doutores em quantidade e qualidade (nas áreas de exatas e engenharias, principalmente) suficientes sequer para atender a expansão do ensino superior, sem mencionar e demanda do setor não acadêmico com a entrada do pré-sal, por exemplo.

Ora, temos PG de excelência nestas áreas, ainda insuficientes em numero, mas adequados para iniciar o processo. Entretanto, as universidades federais em que se encontram estas PG de excelência não assumem na globalidade este desafio, preferem competir com os IFET, com as novas universidades, com as instituições privadas e criar e aumentar as vagas na graduação, assim como de tecnólogos ou novos campi. Se não forem estas instituições com PG de excelência a assumir esta responsabilidade, quem o fará? Os IFET? As jovens instituições? As privadas, na sua maioria sem tradição de pesquisa?

Esta preferência se reflete nos investimentos institucionais, que raramente são destinados diretamente a infra-estrutura de pesquisa/PG, assim como na política de contratações, tanto de novos docentes como de servidores técnicos administrativos para o que a PG, em geral, é sequer consultada. Mas vale lembrar que apesar de tudo estamos num momento importante de transição: em quantidade de artigos estamos muito bem, mas em qualidade e aplicabilidade ainda deixamos a desejar, mas estamos indo na boa direção. Já somos olhados de outra forma lá fora, como sérios competidores de um mundo econômico cada vez mas científico e tecnológico.”