Quase uma semana depois dos temporais que arrasaram parte da Região Serrana do Rio, provocando pelo menos 672 mortes, na maior tragédia do país, o governo federal decidiu criar um sistema nacional de alerta e prevenção de desastres naturais, além de reestruturar a Defesa Civil brasileira. As medidas foram discutidas ontem em reunião comandada pela presidente Dilma Rousseff, que cobrou maior participação das Forças Armadas no processo. O ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, estima que haja no país cerca de 500 áreas de risco de deslizamento e outras 300 propensas a inundações, com aproximadamente cinco milhões de pessoas.
Mercadante reconheceu que a implantação de um eficiente sistema de alerta e prevenção de desastres climáticos levará quatro anos (o que significa que só será concluído em 2015), mas ele espera que os efeitos dessa articulação sejam verificados já no próximo verão. “Queremos implantar parte desse sistema, pelo menos nas áreas mais críticas, até o próximo verão”, disse Mercadante, no fim da reunião que teve a participação de sete ministros.
O sistema, segundo ele, inclui três vertentes: previsão de chuvas, levantamento geofísico das áreas de risco e treinamento de pessoal e da população. O governo comprou um supercomputador, que permitirá uma previsão mais precisa das chuvas, mas ainda será necessário adquirir novos radares climáticos, interligar a rede de radares disponíveis, incluindo os da Aeronáutica, e obter mais 700 pluviômetros.
O ministro disse que o mapeamento das áreas de risco no Brasil é muito heterogêneo, e poucos levantamentos são precisos. “Ainda não temos um modelo matemático sobre deslizamentos. Há aí um desafio técnico-científico para aprimorar a capacidade de previsão”, disse Mercadante.
População também vai ser treinada
O Estado do Rio ainda não tem um levantamento do número de pessoas que vivem em áreas de risco. O geólogo Flávio Erthal, presidente do Departamento de Recursos Minerais (DRM), órgão do governo do estado, disse que está sendo feito o mapeamento de 30 municípios para se definir as áreas de risco.
O cruzamento da previsão de mudança climática e dos dados geofísicos das áreas de risco vai permitir a implantação do sistema de alerta, que será construído junto com a Defesa Civil e as Forças Armadas. O sistema deverá ter uma sede central e cinco regionais, subordinadas ao pesquisador Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), que vai coordenar a implantação do projeto. Será necessário treinar as pessoas que vão trabalhar no sistema e a população que vive em áreas de risco. A ideia, segundo Mercadante, é criar um sistema que permita a mobilização dos órgãos públicos e da comunidade em seis horas.
“Se nós temos o acompanhamento da chuva que está acontecendo, temos a informação de uma forte precipitação e sabemos onde são as áreas de risco, nós vamos poder montar o sistema de alerta. O sistema de alerta vai reunir equipes junto com a Defesa Civil para mobilizar a população. A população tem de ser avisada com antecedência, tem de saber para onde ir no momento de crise e tem de ter um sistema que reconheça como alarme”, disse Mercadante.
Como o prazo de implantação é de quatro anos, a prioridade será beneficiar as áreas com risco de deslizamentos e inundações. Dados disponíveis indicam que 58% dos desastres naturais no país ocorrem por deslizamentos e 11%, por inundações. O tipo de desastre é diferente por região. No Norte e no Centro-Oeste, são mais comuns inundações, secas e incêndios; no Nordeste, deslizamentos de encostas, secas e inundações; no Sudeste, deslizamentos, secas, inundações e ressacas; e no Sul, deslizamentos, secas, inundações, ressacas e vendavais.
Mercadante disse que o orçamento para implantação do sistema ainda será negociado com a Casa Civil e o Ministério do Planejamento. Segundo o ministro, os países que tiveram iniciativa semelhante registraram redução no número de mortes. “É bom ter claro que isso não resolve o problema das perdas materiais, mas diminui substancialmente o número de mortes”, afirmou.
O ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho, afirmou que, paralelamente à implantação do sistema de alerta, será reforçada a rede de Defesa Civil em todo o país. Hoje, segundo ele, de cada cinco municípios, apenas um tem Defesa Civil. Para ele, será necessário fazer inclusive mudanças na legislação para reestruturar o sistema de Defesa Civil. “A fragilidade do sistema de Defesa Civil nacional é uma realidade. Temos de encarar essa realidade e reagir a isso. Essa é determinação da presidente”, afirmou Bezerra.
Segundo ele, Dilma cobrou “maior protagonismo do Ministério da Defesa e das Forças Armadas em relação à capacidade de pronta resposta no caso de tragédias da magnitude da que estamos vivenciando na Região Serrana do Rio”.
Reforço de 580 militares na região
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse que Exército, Marinha e Aeronáutica estão na Região Serrana com 580 homens e equipamentos. Ele afirmou que o Ministério da Defesa pode atuar em três tipos de ação: comando e controle, logística e mobilidade. “A participação do Ministério da Defesa é uma decisão a ser tomada caso a caso pela presidente da República”, afirmou Jobim.
Dilma determinou ainda que os ministros Jobim, Bezerra e José Eduardo Cardozo (Justiça) retornem hoje ao Rio. Bezerra disse que os ministros vão visitar as cidades atingidas pelas enxurradas para reforçar as ações de apoio ao governo do Rio e às prefeituras, além de iniciar o monitoramento das áreas de risco para evitar mais vítimas na região.
Só hoje, com o retorno dos ministros da Defesa, da Integração Nacional e da Justiça à área da tragédia, o governo vai estabelecer um esquema de coordenação das ações federais na região. Por ora, a ordem é manter o canal aberto com o vice-governador Luiz Fernando Pezão, que coordena os trabalhos nas áreas atingidas.
O interlocutor da União é o ministro Bezerra, porém as ações militares seguem um esquema diferente, no qual as ordens são dadas pelo general Oswaldo Ferreira, do comando do Exército. O governo ainda discute a utilidade de criar um gabinete de crise, nos moldes do que operou no Nordeste durante as enchentes de 2010, que mataram quase 60 pessoas.