Entre uma reunião e outra para fechar sua equipe, o novo ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante (PT-SP), já traçou as linhas gerais de um plano para impulsionar o retorno de cientistas brasileiros que migraram para o exterior e ainda captar dinheiro para o financiamento de projetos de pesquisa e desenvolvimento.
Numa rotina que, segundo ele, começa às 8h e termina às 23h, Mercadante quer transformar a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), subordinada à sua pasta, numa espécie de BNDES para a ciência e revela que será criada uma agência só para regular e fiscalizar o programa nuclear do país.
O Globo: Como resolver o déficit de profissionais especializados no país?
Aloizio Mercadante: O Brasil precisa avançar na universalização e na qualidade do ensino, do infantil à pós-graduação. Estamos formando 50 mil mestres e doutores. O Brasil é o 13º país em publicações especializadas. Na pesquisa básica, estamos muito bem e nosso grande desafio é a ciência aplicada à produção. Queremos aumentar as bolsas de estudo, com um olhar especial nas engenharias. Hoje, no Brasil, há apenas um engenheiro para 50 formandos. A Coreia do Sul forma um para cada quatro.
O Globo: Como impedir que os talentos brasileiros fujam para o exterior?
AM: Tivemos uma diáspora de cientistas nas décadas de hiperinflação e recessão, mas muitos querem voltar. Temos que abrir essa janela não só para a volta de talentos, mas para a atração de talentos do estrangeiro, por exemplo, do Leste Europeu. É o momento de criar um comitê de busca de talentos.
O Globo: Que atrativos o Brasil tem?
AM: Oferecer boas instituições de pesquisa e, se precisar, um enxoval para ter casamento (risos). Só nos EUA, temos três mil brasileiros dando aulas em universidades. No momento em que as instituições começam a ter mais recursos e mais credibilidade, as pessoas querem voltar para o Brasil.
O Globo: Há recursos financeiros suficientes para o país investir em inovação?
AM: A nossa proposta é transformar a Finep numa instituição financeira. Temos uma demanda de mais de 170 mil pedidos de patentes e este ano devem entrar mais 30 mil. Aumentaram a produção acadêmica e o número de bolsas.
O Globo: Na prática, o que significa a Finep se tornar um BNDES?
AM: Passa a não depender apenas de recursos orçamentários e permite que se alavanque recursos no mercado. Com mais capacidade de alavancagem, há mais força para financiar a inovação. O Banco Central já tem um parecer sobre o assunto. Especialistas com quem conversamos avaliam que esse seria um passo muito importante, com a Finep se consolidando como uma instituição de fomento e financiamento de recursos não reembolsáveis e reembolsáveis. Em 2010, tivemos 2.500 empresas que demandaram financiamento da Finep.
O Globo: Será criada uma agência reguladora específica para energia nuclear?
AM: A ideia de uma agência está na pauta. A atividade de quem fiscaliza não pode ser a de quem pesquisa ou produz energia. A fiscalização tem que ser muito rigorosa. Inclusive, a área da fiscalização hoje, no meu ponto de vista, tem que estar no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), subordinado à Presidência da República. Fiscalizar e proteger Angra 3 não é uma tarefa do MCT. É tarefa do GSI. A agência tem que ser autônoma como as demais para poder fiscalizar, regular, estabelecer padrões e exigências para atividades nucleares. O ministério faz pesquisa e desenvolvimento.
O Globo: Qual a sua posição sobre o desenvolvimento de armas nucleares?
AM: O Brasil é uma área livre de artefatos (armas) nucleares, como toda a América do Sul. Nunca tivemos problemas. O domínio da energia nuclear é colocado na pauta nesse momento pelo efeito do aquecimento global. Estamos fazendo um estudo detalhado sobre resíduos atômicos, que precisam ser muito bem administrados. Não há qualquer movimento e não haverá neste ministério e neste governo que não seja o uso nuclear para fins pacíficos.
O Globo: O governo já decidiu uma estratégia para prevenção de catástrofes?
AM: Temos um supercomputador, o terceiro maior em meteorologia do mundo. Vamos investir em radares para melhorar a capacidade de regionalizar a previsão. Temos 500 áreas de risco (encostas de morro, beiras de rio, áreas com histórico de tempestades). Há uma mudança no clima, uma alteração do ciclo hidrológico, e o Brasil precisa ter uma política de prevenção às precipitações e enchentes.
O Globo: A comunidade científica se queixa da burocracia. Como vencê-la?
AM: Nas importações, por exemplo, os pesquisadores perdem muito tempo. Precisamos conversar com a Anvisa e a Receita Federal para termos um único aeroporto e um único porto para centralizar a logística. Seria muito mais fácil o desembaraço. Já tive uma conversa preliminar com o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, com a CGU (Controladoria Geral da União) e com o TCU (Tribunal de Contas da União), para estabelecermos alguns procedimentos específicos para a área. Você não pode tratar a pesquisa científica e tecnológica nos mesmos padrões com que você trata uma obra. O Estado construir uma estrada não é a mesma coisa de um pesquisador fazer uma pesquisa.
O Globo: Que parceiros internacionais são tidos como prioritários para cooperação em ciência e tecnologia?
AM: Pretendo dar mais ênfase à parceria entre os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China). Temos uma identidade que foi construída, uma agenda semelhante. Claro que vamos buscar parcerias tecnológicas no âmbito do Mercosul, que é a nossa vocação imediata e estratégica. Também vamos olhar para a África, União Europeia e EUA.
O Globo: O Brasil vai continuar investindo no Veículo Lançador de Satélites?
AM: Sim.
O Globo: O mesmo que está sendo desenvolvido há 20 anos ou um novo?
AM: Isso eu respondo mais tarde. Primeiro, preciso fazer um diagnóstico do setor.
O Globo: Como a ciência e a tecnologia podem ajudar o Brasil a se tornar um líder em políticas ambientais
AM: O Brasil é o G-1 da biodiversidade e nós precisamos transformá-la em inovação e tecnologia. Seja em fármacos, alimentos, enfim, em diversas áreas. Temos uma agenda para criar uma economia verde e criativa. Estamos avançando no biocombustível, numa matriz energética limpa. O Brasil está na ponta de alguns segmentos da química verde. Queremos dar ênfase aos parques tecnológicos e às incubadoras de empresas com essa vocação.
O Globo: Foi descoberto petróleo na camada do pré-sal. Como isso pode ser positivo em termos de pesquisa e tecnologia?
AM: O setor de gás e petróleo deve representar, em 2014, 14,7% dos investimentos. Já conversei com a Marinha, a Petrobras e algumas empresas privadas, para fazermos o primeiro laboratório oceânico fixo em alto mar. Vamos ficar no limite da plataforma, pesquisando correntes oceânicas e a vida marinha.