O geoquímico Abdoulaye Dia, membro da Academia Nacional de Ciências e Tecnologias do Senegal e diretor-executivo da Agência Panafricana da Grande Muralha Verde (GGW, na sigla em inglês) apresentou os problemas de seu país e o projeto GGW, do qual é um dos líderes.

Instabilidade do volume de chuvas e contaminação

O Senegal é um país muito seco, localizado no extremo oeste do continente africano, com 700km de costa no Oceano Atlântico. A variação pluviométrica é muito grande e os períodos de seca são comuns, com predominâncias de climas árido e semi-árido. “Essa oscilação das chuvas tem profundo impacto nas sociedades africanas”, observou Dia. Há escassez de água nas regiões central e norte do país, o que limita a fertilidade dos solos e, portanto, a produtividade agrícola.

Embora possua recursos hídricos superficiais e subterrâneos significativos, a vulnerabilidade desses mananciais é grande, pois estão sujeitos a diversos tipos de contaminação. A mineralização da água por flúor, nitratos e outros metais é grave, causando diversas doenças, como a fluorose, por exemplo. A contaminação por agentes antropogênicos como esgotos domésticos, pesticidas, fertilizantes e vazamento de água salgada vêm causando séria degradação nos aqüíferos costeiros, com aumento dos índices de diarréias, parasitas intestinais e esquistossomose urinária.

A questão da água tornou-se uma preocupação nacional em função do leque de problemas associados a ela – além dos já citados, há disparidade na distribuição espacial da água existente, conflitos relativos à seu manejo e exploração, falta de equidade no acesso à água de boa qualidade entre diferentes áreas, diferentes grupos sociais e diferentes atividades socioeconômicas etc. A produção de alimentos está vinculada ao período de chuvas, assim como várias doenças existem ou não em determinadas regiões em função das condições climáticas.

Meta do Milênio

No final do ano 2000, os países membros das Nações Unidas assinaram a Declaração do Milênio, que definiu as oito metas de desenvolvimento do Milênio. Entre elas está a redução à metade do número de pessoas sem acesso sustentável à água de boa qualidade até 2015. Uma das fortes recomendações do Johannesburg Summit (2002) – evento mundial sobre desenvolvimento sustentável realizado na África do Sul dez anos após a Eco 92, realizada no Rio – foi o desenvolvimento de ações integradoras de eficiência e manejo da água.

O Senegal possui grandes sistemas hidrográficos, sendo a maior parte deles transnacional. São eles o Rio Senegal, o curso principal dos rios Gâmbia, Saloum e Casamance e a parte do rio Kayanga antes deste entrar na Guiné Bissau. Comparado aos outros países da África sub-saariana, o Senegal é o mais bem dotado de recursos hídricos naturais. A rede hidrográfica, no entanto, se concentra na parte sul do país, sofrendo severa redução em direção ao norte.

“A implementação de um manejo integrado dos recursos hídricos é uma estratégia fundamental para conseguirmos um equilíbrio entre o uso básico da água para subsistência de uma população em crescimento e a proteção e conservação dos mananciais para garantir a sustentabilidade de suas funções”, ressaltou Dia. Para tanto, o governo senegalês promoveu o Programa de Água Potável e de Uso Sanitário (PEPAM, na sigla em francês), que reúne esforços de diversos atores além do Estado, como a sociedade civil, as comunidades locais, ONGs, o setor privado e outros parceiros financeiros e técnicos.

Dia fez questão de destacar que o sistema sanitário do Senegal evoluiu significativamente desde a década de 70. Mas para atingir a Meta do Milênio, o Senegal precisa aumentar muito o acesso das populações rurais à água de boa qualidade. “Serão mais 2,3 milhões de pessoas para as quais é preciso garantir esse acesso até 2015, o que significa infraestrutura sanitária para 355 mil famílias, instalação de 3360 banheiros públicos em escolas, postos de saúde, feiras, pontos de ônibus etc.”

A Grande Muralha Verde

Dia referiu-se então às estratégias de combate às mudanças climáticas e à desertificação. A erosão dos solos pelo vento, a seca e a pobreza são inimigos cruéis da população senegalesa e dos outros países da região sub-saariana. Para enfrentá-los, foi criado um projeto grandioso: a Grande Muralha Verde (GGW, na sigla em inglês), uma iniciativa transcontinental que está em desenvolvimento.

“A GGW é a resposta da África aos desafios ambientais relacionados à desertificação”, declarou o diretor-executivo do projeto. A ideia – sugerida pelo então presidente da Nigéria Olusegun Obasanjo, em encontro de líderes políticos africanos em 2005 – é criar um cinturão verde com 15 km de largura, composto por espécies diversificadas, que ligaria Dakar, capital do Senegal, a Djibouti, capital do país com o mesmo nome localizado no outro extremo do continente – e se estenderia por 7.000 km.

Em termos operacionais, os países envolvidos delimitariam um faixa de 15km de floresta, de acordo com o mapa de alinhamento da GGW. “A ideia é que seja uma faixa contínua, mas que pode ser desviada de acordo com os obstáculos encontrados, como rios, montanhas e pedras. O mais importante é deter o avanço do deserto do Saara.

Nesta faixa verde seria praticada a conservação da biodiversidade, a restauração do solo degradado através da diversificação das culturas agrícolas e dos rebanhos, com a implementação de represas e canais hidráulicos em sua extensão, aumentando a captura de carbono e a redução das emissões de gases de efeito estufa. Outros sistemas de uso da terra permitidos seriam as reservas florestais, florestas comunitárias e privadas, unidades florestais, parques zoológicos, parques nacionais, reservas botânicas, hortas e pomares.

Pesquisadores estão levantando as espécies vegetais ideais para a Muralha Verde, priorizando as espécies originais de cada bioma. “Elas devem ter plasticidade ecológica para que se adaptem a regiões com mais ou menos chuva, alta resiliência e serem úteis às populações locais”, observou o palestrante. Após diversos encontros de líderes africanos, está prevista uma próxima reunião internacional de apoio ao projeto.

Dia considera que o projeto da Muralha Verde deveria ser abraçado por todos os continentes. “Precisamos de cérebros e de comunicação. Os benefícios resultantes desse projeto podem contribuir para lidar com os mecanismos do clima em todos os países do mundo”, destacou.

Cooperação Sul-Sul

Quanto à cooperação com o Brasil na busca por soluções em relação aos recursos hídricos das regiões semi-áridas, comuns aos dois países, Dia concentrou-se em um ponto fundamental: a formação de recursos humanos. “Precisamos de programas de intercâmbio e de mobilidade de pesquisadores e estudantes para trocar experiências sobre as questões da água no semi-árido. Necessitamos formar pesquisadores nas áreas de gestão dos recursos naturais e de gestão ambiental”.

O pesquisador explica que a África tem problemas de desertificação em função das mudanças climáticas, e que a América Latina certamente tem experiências para compartilhar com relação à restauração de áreas deforestadas e outros temas correlatos. Ele lembra que, originalmente, a África e a América Latina formavam um só bloco geológico. “As placas tectônicas se partiram e os continentes se separaram. Agora precisamos construir uma ponte científica para restaurar a unidade.”