O engenheiro Conrado Bauer, membro da Academia Nacional de Engenharia da Argentina e ex-presidente da Federação Mundial de Engenheiros, apresentou seu trabalho intitulado “Recursos Hídricos na Argentina, uma visão estratégica”, como parte do evento “Melhorando o acesso à água segura: perspectivas para a África e as Américas”, patrocinado pela ABC em parceria com a Rede Interamericana de Academias de Ciências (IANAS) e a Rede de Academias de Ciências Africanas (NASAC).

“Como mobilizar os governos para a questão da água?”, indagou o pesquisador. “No Brasil apenas 30% da população tem saneamento básico. Precisamos compartilhar conhecimentos e desenhar estratégias para levar as inovações e ideias interessantes aos nossos governantes, para que sejam transformadas em realidade”, respondeu. “Temos necessidades e objetivos comuns para o futuro, e para alcançá-los precisamos agir agora”.

Disponibilidade de água na Argentina

Segundo dados apresentados por Bauer, o volume de água por habitante na Argentina decaiu, apesar do aumento da demanda. “A distribuição de água é irregular demais para dar conta do abastecimento”, explicou o palestrante. Dois terços do país têm clima árido ou semiárido e a Bacia do Prata é responsável por 85% do total de fluxo das águas superficiais. Muitas províncias estão abaixo do nível de consumo de água proposto pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). “Temos um quadro preocupante se considerarmos a sustentabilidade do consumo de água na Argentina”, garantiu Bauer.

Tal problema de distribuição se reflete demograficamente. Estima-se que as regiões úmidas, que representam 24% do território, concentram 68% da população. As semiáridas, por sua vez, são 15% do território nacional e acolhem 26% dos argentinos, enquanto as áridas chegam a 61% do território para apenas 6% da população.

Os problemas

Alguns dos problemas de irrigação no país são a salinidade e a má drenagem -1/3 da superfície total de irrigação é afetado em diferentes níveis por estes problemas. Bauer observou que a obsolescência tecnológica dos sistemas de irrigação também prejudica o país, principalmente no que diz respeito à distribuição e à manutenção desses sistemas. “Sua eficiência não chega a 40%, levando a custos que poderiam ser evitados.”

Outro problema do país é a contaminação diversos mananciais, pelo aumento de sedimentos sólidos nos rios, devido à erosão causada pelo desmatamento e mau uso da terra, pela presença de pesticidas e devido à falta de tratamento dos afluentes vindos de áreas urbanas e de desenvolvimento industrial.

O subsolo tampouco escapou da contaminação. Ainda se verifica a contaminação natural por arsênico de certas águas do subsolo. Além disso, em algumas regiões há presença de nitrato, nitrito e arsênio na água. O arsênio é um contaminador geológico de grande perigo para quem se expõe durante longos períodos de tempo. Já o nitrato e o nitrito são originados por tratamentos agroquímicos do solo, preponderantes no clima úmido dos Pampas.

Bauer ressalta a importância da participação da população. “O suprimento de água e o projeto de saneamento sem o envolvimento da comunidade na determinação das necessidades e da natureza do sistema, ou sem um esforço de capacitação de alguns membros comunitários para manutenção e reparo, está propenso a falhar”, afirmou o engenheiro.

Água e Economia

Os investimentos para prover água e saneamento nos países da América Latina e do Caribe, são estimados em 0.2% do Produto Interno Bruto (PIB). Bauer afirmou que a Argentina está abaixo desses níveis.

O especialista explicou que no mundo todo o retorno financeiro dos serviços de água e saneamento está geralmente abaixo dos custos, sendo regra sua inviabilidade econômica. As lacunas são cobertas pelos governos. No entanto, para obter a sustentação financeira e a continuidade dos serviços, é notório que a renda provida pelas tarifas deva cobrir, pelo menos, os custos operacionais e as despesas de manutenção da infraestrutura para garantir a qualidade dos serviços, seu funcionamento e conservação.

É indubitável que a água é um serviço essencial para todos, independente do nível de renda e do estado de pobreza. A inclusão social requer que as tarifas se adaptem aos cidadãos, sendo reduzidas para a população de baixo nível de renda e aumentadas para pessoas, sociedades e instituições com maior capacidade de pagamento, ou residentes em bairros ou distritos que gozem de mais conforto. Em geral, sem considerar descontos, o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDP, na sigla em inglês) estimou que para 20% das famílias mais pobres o custo da água representa 10% da despesa total.

Em 2007, o rendimento da Água e Saneamento da Argentina (AySA) – organização governamental que oferece o serviço – cobriu 92% dos custos operacionais, proporção reduzida a 75% em 2008 e 58% em 2009. A AySA mantém, desde 2002, um Programa de Tarifas Sociais para água e saneamento que cobre a população socialmente vulnerável – 3.6% do total de clientes -, que recebem em média desconto de 40% da tarifa.

Infraestrutura sanitária

A AySA é responsável pelo abastecimento de água potável para 79% da população da área que é incumbida de cobrir, que inclui a área urbana da cidade de Buenos Aires e os municípios da província de mesmo nome. A empresa tem um grande projeto de ampliação e melhoramento da rede que prevê investimentos de US$ 6 bilhões até 2010.

Existem muitos outros provedores de serviços de água, dos quais mais de 300 oferecem também serviços de saneamento. Os responsáveis por esses serviços são majoritariamente as associações de moradores e as cooperativas, que atuam exclusivamente em nível municipal.

Melhorando o acesso à água de boa qualidade

Bauer considera que um plano geral para melhorar o acesso à água de boa qualidade deverá incluir oito pontos básicos. O primeiro é obter o apoio político necessário para cooperar com a sua formulação e aplicação. O segundo desafio é conseguir atingir o conhecimento necessário sobre a disponibilidade e qualidade natural da água, sendo necessário difundir a compreensão do significado da água para a saúde, a higiene, a assistência às escolas e locais de trabalho, a família e a vida produtiva.

O terceiro ponto diz respeito à importância de se organizar a divulgação permanente de informações para chegar à tomada de decisões governamentais, de planejamento, bem como educacionais, de pesquisa e profissionais. Em quarto lugar, deve-se incluir o tema nos três níveis de programas educacionais e promover o desenvolvimento das capacidades científicas e tecnológicas.

Melhorar os escritórios técnicos governamentais relacionados aos serviços de água e saneamento é o quinto ponto, principalmente em nível municipal, complementando os de competência estadual ou nacional. É igualmente fundamental estabelecer um sistema amplo e confiável de bases de dados e avaliação das necessidades e prioridades, equilibrando os aspectos técnicos e critérios econômicos com os aspectos humanos e sociais das análises de viabilidade – é o sexto ponto.

Ainda é preciso garantir o apoio financeiro para o fornecimento de água potável em dois níveis: para investimentos em novos serviços, renovação ou melhoria dos já existentes, responsabilidade dos governos, em cooperação com os bancos ou agências; para operação e manutenção dos sistemas existentes, com gastos cobertos pelo pagamento dos usuários, com tarifas equilibradas entre os grupos diferentes de pagamento. A garantia de recursos, portanto, seria o sétimo ponto.

Por último, Bauer considera que em casos extremos de falta de água potável em áreas negligenciadas ou em bairros pobres e sem apoio financeiro suficiente, é importante considerar a cooperação entre o governo municipal e os escritórios técnicos com a associação e trabalho individual dos futuros usuários.

Considerações finais

Perguntado sobre o porquê de o processo de acesso à água, a coleta de esgotos e o tratamento dos efluentes levar em torno de 30 anos para ser estabelecido nos países em desenvolvimento, Bauer respondeu objetivamente: falta de vontade política. “Se as recomendações feitas no plano de ação de Mar Del Plata tivessem sido implementadas, hoje o mundo estaria anos-luz à frente nessa questão – dado que o evento organizado pela Unesco ocorreu em 1977. “Todos os problemas que enfrentamos hoje já estavam previstos ali. Mas as recomendações foram implementadas muito parcialmente…”, lamentou o especialista.