A Academia Brasileira de Letras sediou na última quinta-feira, 16 de setembro, um evento em homenagem ao centenário de nascimento de Carlos Chagas Filho.

A composição da mesa esteve à altura do homenageado: discursaram o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Jacob Palis; o presidente interino da Academia Brasileira de Letras, Domício Proença Filho; o presidente da Fio-Cruz, Paulo Gadelha; o presidente da Academia Nacional de Medicina Pietro Novellino; o vice-diretor do Instituto de Biofísica da UFRJ, Robson Coutinho; a representante da arquidiocese do Rio de Janeiro, Maria Cristina Sá; e o Ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Todos as instituições, portanto, em que Carlos Chagas Filho deixou sua marca, estiveram bem representados.

Além destes, o evento também contou com a presença do diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa Carlos Chagas Filho (Faperj), Ruy Marques, de familiares e outros membros das diferentes Academias de que fez parte.


Jacob Palis, Maria Cristina Sá, José Gomes Temporão, Domício Proença Filho,
Pietro Novellino, Paulo Gadelha, Robson Coutinho

“Um cientista arrojado e inovador, assim era Carlos Chagas Filho. Um intelectual humanista, dotado de um elevado senso ético”. Os inúmeros elogios tecidos na abertura não pararam por aí. “Antenado com as grandes questões de sua época, empenhava-se na luta contra a pobreza, a doença e as guerras. Sempre atento aos progressos da ciência, preocupava-se com as possíveis conseqüências desses avanços e com a destruição do ambiente. Foram incontáveis as suas participações em fóruns nacionais e internacionais representando o Brasil. Ele foi o nosso embaixador no universo cientifico.”

Na seqüência da cerimônia, pontuada por frases de sua autoria que reproduzimos aqui, foram exaltados os diversos campos de atuação deste cientista multifacetado.

“A alma de um cientista abriga a beleza, a música e a poesia”

O presidente da Academia de Letras, Domício Proença Filho, foi o primeiro a falar. Ele destacou a etimologia do verbo comemorar (lembrar juntos) e levou-o ao pé da letra ao reviver seu carinho pelo companheiro de academia e terceiro ocupante da cadeira número nove: “o afeto perpassa o âmbito familiar e se estende às instituições aqui reunidas”. Ainda ressaltou a careira invejável de Carlos Chagas e destacou suas conquistas internacionais, ocupando cargos como o de presidente da Academia Pontifícia de Ciências, no Vaticano, e de embaixador do Brasil na Unesco.

Citou em seguida outro “imortal”, o escritor Moacyr Scliar, numa tentativa de descrever o sentimento de todos os presentes: “a grata lembrança de sua presença permanece intensa nos acadêmicos que o tiveram como companheiro nessa casa de Machado de Assis”. Encerrou sua fala reconhecendo os limites de seus elogios e deixou para os demais participantes o desafio de fazer jus à tão ilustre figura.

“Muitos perguntam por que o progresso da ciência não aboliu o transcendente. São os que ainda estão influenciados por uma divisão considerada irreconciliável entre o material e o imaterial. Ouso dizer que todo aquele que se pergunta qual a finalidade da vida transpassa essa carreira”

Maria Cristina Sá, representando a Arquidiocese, optou por falar com o coração. Ela disse sentir-se muito honrada de representar o arcebispo Dom Eugenio Sales, que não pode comparecer por problemas de saúde, na homenagem a um homem tão importante para a ciência e também para a Igreja católica. “Ele fez o seu papel de leigo na Igreja como ninguém”, lembrou. Ainda salientou que, por sua coerência de vida, o cientista não aceitava tudo comodamente, inclusive questões religiosas. “Por isso mesmo, foi capaz de mudar muitas coisas”.

Nas palavras enviadas pelo arcebispo, a capacidade de unir razão e fé de Carlos Chagas Filho também foi exaltada. Como presidente da Academia Pontifícia de Ciências do Vaticano, Chagas promoveu a reconciliação entre a igreja católica e Galileu Galilei. Segundo Dom Eugenio Sales, a ciência não pode ser considerada realmente humana se não for “liberada do cerco fechado das causalidades exclusivamente matemático-mecânicas”, enquanto, por outro lado, a fé sem ciências torna-se fundamentalismo. Crença consoante ao próprio papa Bento XVI, que defende o pensamento lógico e não o opõe à igreja: “Não agir segundo a razão é contrário à alma humana e à natureza de Deus”.

“A universidade é uma instituição de pesquisa. E porque pesquisa, ensina.”

Robson Coutinho, vice-diretor do Instituto de Biofísica da UFRJ que leva o nome de seu fundador Carlos Chagas Filho, lembrou do mestre como “um homem de visão, à frente de seu tempo”. O cientista “foi um dos responsáveis, se não o responsável, pela introdução de pesquisa na universidade brasileira, ao trocar o ambiente seguro e tranqüilo da Fundação Oswaldo Cruz, já um centro de pesquisa de excelência na época, por uma vaga de professor catedrático de Física Biológica na Universidade Nacional de Medicina na Praia Vermelha, ambiente este sem tradição alguma de pesquisa na época”. Hoje, o Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho é um centro de referência na América Latina e suas duas pós-graduações possuem grau máximo na avaliação da CAPES.

Carlos Chagas Filho foi pioneiro no Brasil, ao ver ensino e pesquisa como indissociáveis. Ele colaborou para a criação de institutos de pesquisa como o CNPq e a Faperj, que também leva o seu nome. “Muito impressionante como ele vai deixando seu nome em grandes instituições brasileiras”, comentou posteriormente o presidente da Academia Brasileira Ciências.

Coutinho também salientou a luta de Chagas em defesa de uma universidade para todos, aberta. Ele destacou o empenho do cientista em levar ciências para o público em geral, além dos muros da UFRJ. Como embaixador da Unesco, Carlos Chagas Filho defendeu que a instituição montasse também em países subdesenvolvidos mostras itinerantes de Ciências e foi um dos primeiros cientistas brasileiros a levá-la literalmente para praça pública.

“A busca do conhecimento científico traz consigo o sentido da liberdade.”

O atual presidente da Academia Brasileira de Ciências, Jacob Palis, se disse um discípulo de um de seus antecessores no cargo, Carlos Chagas Filho, uma vez que os dois Acadêmicos possuem a mesma forma de enxergar a ciência, uma visão mais global e integrada. Para exemplificar sua afirmação, Palis usou a pesquisa realizada com o peixe elétrico do Amazonas que possui um caráter altamente interdisciplinar, unindo Física, Biologia e Química.

Palis recordou as muitas academias científicas das quais Chagas foi membro, destacando entre elas a Academia de Ciências para o Mundo em Desenvolvimento (TWAS, na sigla em inglês) e a Académie des Sciences de lInstitut de France. Lembrou alguns dos inúmeros prêmios recebidos pelo colega e seu desempenho memorável como presidente da Academia Pontifícia de Ciências, promovendo a intermediação entre a fé católica e as ciências e o pedido de perdão da Igreja pela condenação do grande cientista Galileu Galilei, mais de três séculos após sua morte.

O incentivo a jovens cientistas também foi ressaltado por Palis como ponto crucial na trajetória de Chagas – tendo ele mesmo se destacado ainda muito jovem na carreira, ingressando na Academia Brasileira de Ciências antes mesmo de completar 30 anos de idade. “Ele estimulava jovens a freqüentarem desde os primeiros anos da faculdade os laboratórios de pesquisa da Praia Vermelha” lembrou, destacando com isso o caráter pioneiro de Chagas também na iniciação cientifica.

Para concluir, o presidente da ABC comentou que todos os títulos e homenagens recebidos pelo cientista falam por si só. “Em resumo, ele estará sempre no Panteão da Ciência Brasileira”.

“A nossa grande tarefa é defender o homem do caráter predatório das suas invenções. Se o conseguirmos, dar-lhe-emos felicidade.”

O presidente da Academia Nacional de Medicina, Pietro Novellino, destacou a paixão de Carlos Chagas Filho, a quem se referiu como “meu mestre”, pelo magistério. Novellino recordou que mesmo após a aposentadoria compulsória, Chagas não abandonou a sala de aula, continuando a dar aulas não só para os alunos da pós-graduação como também para os da graduação no Instituto que fundou na UFRJ.

Ao concluir sua fala, o médico optou por acreditar que o mestre ainda não encerrou suas atividades: “Certamente, neste momento, Carlos Chagas está presidindo a Academia Celestial”.

“Eu sou o produto de Manguinhos.”

Paulo Gadelha, presidente da Fundação Oswaldo Cruz, começou lembrando a importância de Carlos Chagas Filho e também de seu pai para a instituição: “Ao nunca se afastar de Manguinhos, ele [Carlos Chagas Filho] foi, depois da geração de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, aquele que realizou e expressou da maneira mais plena os ideais daqueles pioneiros”.

Gadelha lembrou como Carlos Chagas, o pai, criou seus filhos levando-os sempre para seu trabalho, dentro do castelo da Fiocruz – um belo símbolo da união entre ciência, arte e sonho. Foi esse contato precoce com a ciência que permitiu a Carlos Chagas Filho e seu irmão, o também cientista Evandro Chagas, expandirem o legado deixado pelo pai, que dizia: “Não vai demorar que passemos adiante uma bela e forte Ciência que faz arte em defesa da vida”.

Sem dúvidas, o pai ficaria orgulhoso do filho, que pôs em prática seu ideal. “O ideal de ter a ciência como fio condutor. Mas um fio condutor que pensa as questões mais amplas da humanidade: a ciência associada ao humanismo, a ciência associada aos valores sociais, a ciência associada à cultura. Uma síntese maravilhosa entre a ética e a estética”, nas palavras de Gadelha.

Carlos Chagas Filho uniu ciência e arte para fazer com que essa atingisse mais pessoas, fazendo, por exemplo, desenhos animados para crianças. O cientista homenageado também foi o primeiro a coordenar uma conferência mundial sobre o meio ambiente. “Ele fazia com que as pessoas que o encontrassem, saíssem melhor”, comentou o presidente da Fiocruz ao afirmar que, ainda hoje, Carlos Chagas Filho poderia estar fazendo a diferença.

“A pesquisa fundamental é vital para qualquer país na sua luta pela independência econômica, justiça social e progresso pacífico; objetivos não alcançáveis fora do processo democrático.”

Encerrando a cerimônia, o ministro da Saúde José Gomes Temporão prestou sua homenagem a esse “ilustre representante do humanismo que elegeu a ciência como campo profissional e forma de expressão”.

Ao recordar toda a trajetória humanista do cientista, Temporão destacou a importância de seu pai e também o desafio que lhe impôs como herança: “O mesmo nome do pai lhe garantiu prestígio e uma certeza: a de que precisaria buscar sua própria notoriedade em outro campo de conhecimento”. O ministro comentou então a importância de seu pai no estudo das doenças tropicais, trabalho vital para o país que foi continuado pelo seu irmão Evandro. Em seguida, apontou que a opção por outro campo da ciência, a Biofísica – na época, ainda incipiente no país – permitiu um maior número de conquistas, tanto pessoais como científicas, para Carlos Chagas Filho.

Para finalizar, uma última mensagem do “mestre”: A paz e o respeito pela dignidade humana e liberdade tem que ser obtidos. A paz não pode esperar pelo amanhã.”