A candidata à presidência Marina Silva apresentou algumas de suas propostas de governo no dia 30/7, no último dia da 62a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Ela recebeu das mãos do presidente da SBPC Marco Antônio Raupp a mesma carta com as sugestões da comunidade acadêmica para CT&I num próximo governo que foi entregue à candidata Dilma Roussef dois dias antes, quando de sua apresentação no evento.
A senadora falou de sua candidatura, da importância de políticas de C&T e de outros assuntos de relevância publica, como a educação e a inclusão social. Defendeu ainda a mudança de abordagem em questões urgentes relacionadas ao meio ambiente, como o aquecimento global e o esgotamento de recursos naturais.
Marina felicitou os organizadores pelo encontro e valorizou o trabalho diário dos cientistas, professores e alunos presentes. Levemente rouca, lamentou a impossibilidade de fazer um manejo sustentável da voz e deixou claro que, se eleita, a postura diante das questões públicas seria mais responsável. “Por que estamos aqui sem nem ter almoçado ainda, negando a praia maravilhosa e o dia ensolarado?”, indagou a candidata. “Porque nos movemos por valores, princípios que nos fazem estar aqui e renunciar ao princípio do prazer”. A partir dessa renúncia, comum aos presentes, Marina convidou a todos a pensar as questões mais relevantes do país.
Importância da Ciência na nova realidade
Após enfatizar o valor da democracia e a possibilidade de se realizarem discussões como aquela, a candidata afirmou que não poderia deixar de estar presente no evento. “A SBPC é de uma importância difícil de medir”, ponderou, “ela contribui para além do nosso tempo, preocupada em desenvolver gerações de cientistas que poderão melhorar o país em um tempo futuro. E se estamos aqui hoje, tendo discussões de tão alto nível, é porque muitos pensaram o país antes da gente”, concluiu.
Destacou em seguida o papel dos cientistas nas transformações do início deste século: “não tem companhia melhor do que quem faz ciência no Brasil. São essas pessoas que podem dar novas respostas para esta realidade em que vivemos”.
“A realidade responde na língua em que é perguntada”, defendeu. “Se fizermos as mesmas perguntas obteremos as mesmas respostas. Mas ela é poliglota”, ressaltou, “nós é que temos sido monoglotas esse tempo todo”. Segundo ela, a resposta para o século XX foi o petróleo e o gás. Mas para o presente século, a resposta teria que ser a biomassa, a hidroeletricidade, o sol, o vento, o álcool de celulose… “Devemos sair do altíssimo carbono, para o baixo carbono”, sintetizou.
Essa nova resposta expressaria a transição de economias, afirmou Marina. A sustentabilidade responderia por um novo processo civilizatório. “É uma construção histórica necessária”, atentou, “não apenas uma ideologia”. Garantiu que o cuidado com os recursos naturais não é contra o desenvolvimento: “devemos integrar ambos na mesma equação e estabelecer uma competição pelo caminho de cima”. Para isso, destacam-se a produção em intensidade, limitando a expansão da fronteira agrícola nos biomas, e a qualificação profissional, que permita pensar em soluções criativas para o uso do solo, daí também a importância da educação.
Papel do Brasil e multiculturalismo
O Brasil teria talvez o papel mais relevante nessa questão. Segundo a senadora, o país poderia tanto reafirmar o modelo ultrapassado quanto estabelecer uma nova política energética. “O Brasil é que tem as melhores condições, o maior potencial de energia limpa para sugerir um novo modelo. Não precisamos seguir as regras do jogo, mas fazê-las, mostrar para o mundo que sustentabilidade e desenvolvimento podem caminhar juntos”.
Expôs também a importância do multiculturalismo nesse processo. “A realidade está num contexto. Cada cultura tem resposta própria para as questões que se apresentam”. Defendeu, portanto, o aprofundamento dos conhecimentos dos trópicos e a integração das populações nativas no saber científico. “O que fazer com a finitude dos recursos naturais? Perguntemos às populações locais! Essas populações não sabem os postulados da Ciência, mas sabem escutar e realizar”, afirmou. “O homem aprendeu a usar o vento e navegar antes de saber as leis da aero e da hidrodinâmica. Chico Xavier quis proteger a Amazônia antes de a Ciência acordar para sua importância e ver que precisamos dela para que o Brasil não vire um deserto”. Nada de mais natural, segundo a candidata, do que ouvir o que as populações nativas têm a sugerir. Dessa interação poderiam surgir idéias originais para lidar com os problemas ambientais.
Educação
“A Educação é mais que um compromisso político para mim, é visceral”. Marina recordou aos ouvintes sua origem e a importância da educação na sua trajetória, retirando-a da pobreza e permitindo-lhe hoje almejar a presidência da república.
Ela reconheceu avanços na educação nas últimas gestões. “O salto de 0,6 para 1,3% do PIB destinado à educação é merecedor de elogios, mas devemos olhar para a falta e perceber que isso ainda é muito pouco. O ideal seria destinar 7% do PIB, o que antigos países emergentes como a Coréia do Sul aplicaram. Evidentemente, essa meta não é uma promessa, visto que ainda estamos longe de alcançá-la. Mas não devemos nos acomodar nem um instante enquanto não a atingirmos”.
Transparência e realidade multicêntrica
Defendeu em seguida a transparência e elogiou nesse sentido o governo Obama. “É muito fácil defender o meio ambiente dos outros e o mesmo vale para o reconhecimento político. A atitude de pôr informações sobre os programas políticos in natura é louvável e chama o controle social, a atividade política do cidadão e o combate à corrupção”.
Em seguida, analisou o atual contexto midiático: “vivemos uma realidade multicêntrica em que cada indivíduo se coloca, pode opinar, fazer valer sua voz. Hoje, um jovem com boas ideias em um computador vale mais que um senador com um discurso atrasado e que não colabora em nada”.
Saída do PT e eleições
Marina comentou também sua saída do PT. “Saí pelas mesmas razões que fiquei durante 25 anos”. Entre as razões, ela citou a transparência, a honestidade e a compreensão dos novos desafios social e ambiental. Ela acredita que há hoje o entendimento da relevância dessas questões: “muitas pessoas e organizações estão alinhadas em relação ao caminho, mas ainda precisamos saber a maneira de caminhar”.
O contexto das eleições tomou conta do final de sua fala. “A solução para o Brasil não passa apenas pela questão da gerência. Um gestor no comando é pouco, o que precisamos é de um estrategista que saiba antever os problemas e orientar o país para uma nova política, calcada na sustentabilidade em harmonia com o desenvolvimento”.
Segundo a candidata, o que ela tem a oferecer é tirar o eleitor do anonimato. “Alianças e palanques incoerentes marcam as principais candidaturas. Não se sabe quem é situação e oposição. Se tais candidaturas vencerem, acreditarão que terá sido pela força do partido. Mas e se minha candidatura for para o segundo turno, quem assinará embaixo? O povo brasileiro, que pode eleger a primeira presidente mulher da República Federativa do Brasil!”.
Respondendo ao público
Perguntada sobre a federalização da educação básica, a exemplo do sucesso das escolas técnicas, Marina respondeu que não basta federalizar. As ações para melhorar a educação básica deveriam passar também pelas administrações estaduais e municipais, formando um todo orgânico. As ações se orientariam na busca de se destinar 7% do PIB à educação, na reforma qualitativa do ensino e na inserção de novos métodos, como o ensino à distância. Nesse sentido, a difusão da banda larga teria papel primordial. Tampouco deveria haver oposição entre os ensinos, na medida em que todos são fundamentais.
A pergunta seguinte se referia à invasão de terras. “Devemos respeitar as regras do estado democrático”, afirmou categoricamente. “Mas isso vale para os dois lados. Não é aceitável que se matem pessoas sob a justificativa de invasão”. Citou a grilagem como exemplo, que faz vítimas entre ativistas e moradores. “Não é errado defender interesses próprios, mas deve-se faze-lo pela legalidade, não matando outros indivíduos”, concluiu.
Marina foi então perguntada sobre a natureza assistencialista de programas como o Bolsa-Família e o Merenda em Casa. Tais programas, segundo a candidata, são, sim, assistencialistas, mas também têm uma avaliação positiva. “A transferência direta de renda com contrapartida simples permitiu não apenas a vacinação de milhares de crianças, a redução da evasão escolar e a supervisão médica, mas também a superação da crise econômica mundial a partir do aquecimento do mercado”. Revelou que apenas 0,1% do PIB é destinado ao Bolsa-Família, que tem ajudado muitos brasileiros. “Mas a simples assistência não basta”, contrapôs, “deve haver simultaneamente inclusão produtiva, igualdade de oportunidades e qualificação profissional”.
Fé e Direitos Humanos
A segunda rodada de perguntas abordou os temas dos direitos civis e humanos. Também foi questionada a influência de sua opção religiosa na administração pública. Marina respondeu perguntando: “quem aqui acha que Dom Helder Câmara (arcebispo católico brasileiro indicado quatro vezes para o Prêmio Nobel da Paz) não lutava pelos direitos humanos?”.
Diante do silencio da platéia, argumentou que fé e defesa dos direitos humanos não são incompatíveis. “Professar uma fé não te torna fundamentalista. Não se está elegendo um padre ou um rabino, mas o Presidente da República”. Ainda acrescentou que se o Estado Brasileiro é laico é para abraçar todas as crenças.
Questões polêmicas
Sem fugir de polêmicas, resolveu comentar a questão do casamento gay antes mesmo de ser perguntada. “Sou contra o casamento (gay) como um sacramento, isso minha religião não permite. Mas defendo a união de duas pessoas de forma civil e jurídica, enquanto direito humano universal”. Ainda afirmou que tais decisões, de natureza ideológica, incluindo a legalização da maconha e a do aborto, deveriam ser levadas à sociedade civil na forma de plebiscito.
“Não mudo de discurso de acordo com a platéia”, acrescentou. “Dizer levianamente o que as pessoas gostam de ouvir acaba prendendo a figura pública, pois acaba sofrendo pressões de todo lado por suas promessas, pressões tão divergentes que atrapalham a tomada de decisões”. Mais uma vez, afirmou a transparência enquanto princípio, não apenas político, mas também ético e religioso. “Sou clara nos meus posicionamentos e propostas. Se me exponho é para dar ao eleitor o direito de não concordar e, se for o caso, não votar em mim”.
Convivência com Dilma e segundo turno
Marina foi inquirida sobre a convivência com a Dilma enquanto foi partidária do PT. “A mídia só divulga discordâncias. O programa energético, intensificando o aproveitamento hidrelétrico, foi desenvolvido em conjunto por nós duas”. E acrescentou: “não há qualquer tipo de desqualificação pessoal em relação à Dilma, apenas temos visões diferentes de mundo, assim como em relação ao Serra. Os dois são muito parecidos, crescimentistas, centrados na personalidade”.
A seguir, foi provocada quando indagada sobre sua opção em caso de segundo turno entre Dilma e Serra. “Segundo turno é segundo turno. Estou preparada para quem quer que o povo envie para me enfrentar”.
Reservas indígenas e desenvolvimento sustentável
Quando o assunto passou às reservas indígenas, voltou a garantir o respeito à legislação e aos direitos humanos. “Não há reserva que não passe por análises legais e antropológicas profundas. Temos uma dívida histórica com os índios. Defender seus direitos não é defender apenas os dos índios, mas também os do povo brasileiro”.
O público, em sua última pergunta, quis saber se o compromisso sustentável não iria prejudicar o desenvolvimento do país. “Prejudica se você achar que poluir o ar e contaminar os rios não é um problema”, respondeu a candidata. “É preciso que todos se conscientizem de que o desenvolvimento sustentável é o único possível”.