Necessidade de flexibilizar mecanismos de financiamento e avaliação de projetos é apontada em seminário preparatório para a 4ª Conferência Nacional de CT&I
A defesa por regras mais flexíveis para o desenvolvimento da ciência no país – seja na relação público-privada, com as agências de fomento ou mesmo dentro da academia – marcou as discussões do primeiro seminário temático preparatório para a 4ª Conferência Nacional de CT&I (4ª CNCTI), realizado na segunda-feira (6/4), na sede da Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro.
Até a próxima semana, acontecerão seis encontros, com o objetivo de consolidar as discussões que serão apresentadas na grande conferência de maio. O primeiro debate teve como tema a produção do conhecimento no Brasil e reuniu especialistas de diferentes instituições.
Para o presidente da SBPC, Marco Antonio Raupp, que coordenou a sessão “O estado da ciência no Brasil”, o país carece urgentemente de uma legislação abrangente e adequada à realidade das demandas atuais e futuras da ciência.
“Temos uma deficiência histórica nesse quesito, que resulta do fato de que a atividade científica é nova no país e não está prevista nos códigos tradicionais. As instituições de C&T são, em sua maioria, públicas, mas os usuários do conhecimento científicos são privados. Essa dicotomia público-privado precisa ser superada”, observou.
Mesmo dentro do governo o marco legal para CT&I é apontado como obstáculo ao desenvolvimento do setor. Na avaliação de Glaucius Oliva, diretor de Programas Horizontais e Instrumentais do CNPq, o sistema atingiu um grau de maturidade que requer maior flexibilização, com mais foco nos resultados das pesquisas e menos controle das ações.
“Precisamos desonerar as ações de ciência e tecnologia. Gastamos muito tempo com controle e pouco tempo com avaliação. É preciso flexibilizar o uso dos recursos em pesquisa e aplicar um esforço maior no acompanhamento das diferentes áreas. Temos que sair do provincianismo do controle”, opinou.
O geneticista Sérgio Danilo Junho Pena, da UFMG, ressaltou que as agências de fomento no Brasil insistem que os projetos submetidos tenham início, meio e fim bem determinados e facilmente perceptíveis – numa postura que ele classificou como “demanda criacionista”.
“Os burocratas da ciência querem cronogramas e conclusões pré-definidas. Então você propõe uma pesquisa e tem que dizer qual será o resultado. Temos que criar mecanismos de seleção natural que permitam que os projetos cresçam e alcancem um nível ótimo de qualidade, não porque alguém quis, mas pelo caminho que naturalmente vão chegar”, avalia.
O sistema de formação de pessoal, em sua configuração atual, também é considerado muito rígido. O físico e professor da UFMG Alaor Silvério Chaves ressalta que, além de cursos muito especializados, o sistema não é atrativo a profissionais que transpõem áreas. Ele defende uma formação mais flexível e menos precoce.
Sérgio Pena alertou para outra questão relacionada à formação: a pesquisa baseada na pós-graduação. Uma vez que os alunos têm um tempo restrito para completar seus cursos, acabam trabalhando com projetos de baixo risco, que garantam o grau. “Isso implica na realização de projetos seguros, menos criativos, que produzem papers de menor qualidade”, critica.
Desafios
A pedido do Ministério da C&T, o presidente da SBPC apresentou uma síntese do documento que está sendo preparado pela entidade, a partir de contribuições das sociedades científicas, para a 4ª CNCTI.
Embora reconheça o esforço do governo em favor da C&T, especialmente com o lançamento do Plano de Ação 2007-2010 e com o aumento dos recursos para o setor, Raupp apontou alguns entraves ao desenvolvimento do sistema nacional de CT&I, como o déficit de pessoal qualificado nos institutos de pesquisa do país.
“Não existe uma relação entre as contratações que ocorreram nas universidades, que aumentaram significativamente, e as contratações para os institutos. Alguns deles estão em situação desesperadora”, alertou Raupp, ressaltando que esse aumento nos quadros de pessoal deve vir acompanhado por projetos mais consistentes de atuação desses institutos.
Outro desafio, segundo o presidente da SBPC, é não só o aumento mas a atualização da infraestrutura existente no país, para atender às novas frentes, como ciência na Amazônia, biocombustíveis, microletrônica e nanotecnologia, entre outros.
Raupp criticou ainda a gestão do sistema de C&T, que a seu ver é feita com pouco profissionalismo. “As universidades não contam com estrutura para gestão eficiente da pesquisa. O mesmo acontece com os institutos envolvidos com gerenciamento de grandes projetos. E sem isso, não temos como desenvolver nosso sistema de ciência e tecnologia”, disse. Ele apontou como exemplo a gestão do setor espacial, considerada como “catastrófica” e “completamente defasada”.
Desigualdade
A concentração regional da produção científica no país mereceu destaque durante o seminário na ABC. Marco Antonio Raupp ressaltou que o país precisa fazer um grande esforço para corrigir a excessiva concentração da pesquisa no Sudeste e no Sul, em especial no que diz respeito à ciência associada aos recursos naturais.
O geneticista Sérgio Pena reconhece que é necessário investir em regiões com menos desenvolvidas. Mas alerta que essa ação não pode concorrer com o investimento nos centros de excelência do país, impedindo o desenvolvimento de pesquisas de alto nível de competitividade internacional.
“Não há contradição em ter grupos mais fortes e a desconcentração da pesquisa no país”, concluiu o presidente da ABC, Jacob Palis.