O Acadêmico Isaac Roitman, professor aposentado da Universidade de Brasília, conselheiro e coordenador do Grupo de Trabalho de Educação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) concedeu entrevista ao site da Associação Nacional dos Amigos da Educação (ANAE). em 18/2. Leia a entrevista.

ANAE: Temos no Brasil um problema central ou muitas deficiências na educação, considerando os ciclos fundamental e médio?

Isaac Roitman: A resposta é sim, temos um problema central e, como conseqüência, muitas deficiências no ensino fundamental e médio. O problema central é que a qualidade da educação nunca foi considerada prioridade por nenhum governo. Talvez nos discursos ou na teoria, a educação tem sido colocada como prioritária. Na prática não. É absolutamente necessária uma política de Estado para a educação. As modificações são gradativas, para modificar o atual panorama na educação brasileira serão necessárias ações por décadas. Considerando o atual contexto de desenvolvimento de conhecimentos e as rápidas mudanças da sociedade, essas ações devem ser trabalhadas em várias dimensões:

1. Objetivos para cada ciclo de ensino;
2. Formação sólida e continuada de professores;
3. Reconhecimento social da atividade docente (salário), condições de trabalho adequadas e carreira docente baseada na qualidade de resultados obtidos;
4.Definição e atualização do conteúdo curricular;
5. Utilização de recursos pedagógicos modernos e permanentemente atualizados;
5. Ambiente educacional adequado, com recursos compatíveis com o processo pedagógico;
6. Gestão escolar permanentemente avaliada;
7. Relação estreita com os pais ou responsáveis e com a comunidade;
8. Avaliação constante de todo o sistema de ensino visando a melhoria da aprendizagem.

ANAE: Seria bom desenvolver um sistema de monitoramento que identifique, no ensino público e privado, programas de impacto incontestável nos níveis da unidade escolar, municipal, estadual e federal?

IR: Tanto no ensino básico público como no privado temos bons exemplos, embora pontuais, de iniciativas de boa qualidade no ensino básico fundamental e médio. É importante a identificação e o estudo dessas boas experiências no sentido de utilizá-las na construção de um sistema nacional de educação cujo objetivo seria a conquista da qualidade para todos, independente da classe social ou localização geográfica da escola.

Atualmente, o sistema federal é responsável por pequena parte do ensino básico. No que diz respeito ao ensino fundamental, a responsabilidade maior é do município. No caso do ensino médio, a responsabilidade é do governo estadual. As administrações municipais, estaduais e federais são transitórias e sujeitas a programas que podem estar ligados a política partidária e que dificultam a concretização de projetos de longo prazo. Apesar da responsabilidade da coordenação da educação brasileira ser uma missão do governo federal (Ministério da Educação), existem dificuldades na interlocução entre a governança municipal, estadual e federal. Dessa forma, deveria haver um sistema educacional nacional que acolheria a cultura e a diversidade regional. Esse sistema garantirá uma educação de qualidade aos jovens brasileiros. Esse sistema teria aperfeiçoamento permanente nas dimensões mencionadas na resposta à primeira pergunta.

ANAE: Pode comentar a questão da disciplina entre os estudantes e sua relação com o grau de participação dos pais na vida escolar dos filhos?

IR: A indisciplina e a violência vem aumentando no ambiente escolar do Brasil. Essa tendência tem vários fatores, já que o comportamento dos jovens é influenciado pelo meio em que vivem. Numa sociedade em que a lei é desrespeitada, em que certos setores se beneficiam da impunidade, em que mentiras são divulgadas como verdades, com um grande número de famílias desestruturadas, com a banalização da relação e respeito entre os seres humanos e desses com a natureza e outras mazelas sociais, não é surpreendente a crescente indisciplina no ambiente escolar. Os fatores que contribuem podem ser considerados como conseqüências do nosso fracasso na educação. Dessa forma, é preciso quebrar esse ciclo perverso e conquistar um virtuoso. A priorização da educação como política de estado e a participação ativa dos pais na vida escolar é fundamental para termos uma inflexão na curva da qualidade da educação brasileira.

O salário de um profissional, de certa maneira, sinaliza a importância que a sociedade confere à sua contribuição. Neste contexto, como fica a questão salarial dos docentes da escola pública do ensino fundamental e médio? – Trata-se de um problema central. Nos países que possuem uma educação de qualidade (Finlândia, Coréia do Sul, Noruega, e outros) o salário de um professor de ensino básico está entre os melhores da carreira pública. Isso significa a valorização social da função do professor nos primeiros anos de escolaridade.

No Brasil a situação é inversa. Os docentes do ensino básico possuem uma faixa salarial aviltante. Como exigir ou manter o entusiasmo de um professor sem que ele possa ter uma vida digna? Não há solução mágica ou milagrosa. Ele necessita do reconhecimento da sociedade. Por outro lado, o aumento salarial de forma substancial, de uma hora para outra, não resolveria o problema, além de ser inviável sob o ponto de vista da administração da economia pública. O que deve ser feito é um reconhecimento social permanente e gradativo do professor, até que atinja o topo salarial da função pública. Nesse cenário conseguiremos atrair à docência do nível básico as melhores vocações e talentos da nossa juventude vinda do ensino superior.

ANAE: Frente à pergunta anterior, como situar a questão da aferição do nível de preparo do professor, considerando que a sociedade deve se articular para garantir não apenas direitos mas também deveres? A polêmica prova de avaliação dos professores, feita no Estado de São Paulo, coloca em questão a formação continuada dos professores. Como encaminhar soluções para este problema?

IR: Uma parte do corpo docente que atua no ensino básico tem uma formação inadequada, ou nem tem formação. A formação e a utilização dos métodos pedagógicos não se atualizaram. Os professores são formados para ensinar como há trinta anos, quando eram praticamente a única fonte onde os estudantes podiam adquirir novos conhecimentos. O aluno de hoje e principalmente do futuro tem, e terá cada vez mais, outras formas. É absolutamente fundamental ter professores preparados e atualizados para o ensino básico. Cada vez mais, estudantes do curso médio e universitário assistem a uma determinada aula e constatam estarem mais atualizados do que o professor, a quem não se pode culpar pela situação.

O avanço do conhecimento é exponencial, mas o professor, com uma grande carga horária em sala de aula, não consegue se atualizar, isso precisa mudar. O professor deve ser avaliado periodicamente, não para ser penalizado, mas para que melhore seu desempenho.

O professor do futuro – o novo professor – será preparado de maneira atualizada com a responsabilidade de ser um grande incentivador dos jovens para que tenham uma educação libertária, munidos de recursos cognitivos importantes, para desenvolver criatividade e capacidade crítica. Uma enorme ajuda na hora da decisão frente aos problemas de seu tempo. A avaliação, feita de preferência por entidades que não estejam envolvidas no ensino, deverá ser feita de forma profissional, com o objetivo maior de aumentar a qualidade da educação.

ANAE: Como avalia as iniciativas de criar escolas públicas que oferecem múltiplas opções e permitem maior tempo de permanência aos alunos como fez Brizola no Rio e Marta Suplicy em São Paulo?

IR: Infelizmente vivemos numa época em que a educação informal, isto é, a fora da escola, deixa muito a desejar. A maioria dos estudantes do ensino básico tem uma carga horária escolar de poucas horas durante cinco dias na semana. Dessa forma, a influência negativa da educação não escolar é devastadora (por ex. excesso de tempo assistindo televisão). O ensino em tempo integral, preconizado por Darcy Ribeiro e implementado por Leonel Brizola no Rio de Janeiro, deveria estar disponível aos jovens. Um maior tempo de permanência na escola básica, se bem conduzido