Professora de Neurociência do Desenvolvimento Cognitivo no Departamento de Psiquiatria da University of British Columbia, no Canadá, Adele Diamond foi uma das palestrantes do primeiro dia do evento Meeting on Early Childhood Education, organizado pela Academia Brasileira de Ciências em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, em cuja sede foi realizado nos dias 17 e 18 de dezembro de 2009.

Funções cognitivas e o córtex pré-frontal

As pesquisas da Profª Adele são voltadas para o desenvolvimento inicial do controle de funções cognitivas dependentes do córtex pré-frontal. Ela estuda os mecanismos neuroanatômicos, genéticos e neuroquímicos que tornam essas funções possíveis e busca esclarecer como fatores biológicos e do ambiente podem modificar estas funções cognitivas.

Em sua palestra, a professora explicou que o córtex pré-frontal é o responsável pelas ditas “funções executivas”, agrupadas em três conjuntos principais.

O primeiro seria o do autocontrole, que envolve a capacidade de se conter, se concentrar e se disciplinar. Segundo a palestrante, essas funções teriam maior influência nos resultados escolares do que o próprio quociente de inteligência (QI). Sob esse ponto de vista, maus resultados no desempenho escolar deixam de ser interpretados simplesmente como incapacidade genética.

O segundo conjunto de funções executivas refere-se à memória do trabalho, que é a capacidade de reter informações enquanto a mente as estiver trabalhando. Durante um discurso, por exemplo, ter a exata noção do que se quer passar sem perder o fio da meada e mantendo a fala coesa é demonstrativo de eficiente memória do trabalho.

O terceiro grupo de funções executivas engloba aspectos da flexibilidade cognitiva, como mudar com facilidade e rapidez a perspectiva e o foco do pensamento de acordo com demandas e prioridades externas, assim como ser capaz de pensar além do sentido imediato. Adele Diamond ressaltou que a cognição flexível vai além da simples crítica e busca de soluções para os problemas cotidianos: é importante para a resolução criativa de problemas e para a própria consciência social da criança.

Embora o córtex pré-frontal seja uma região do cérebro só atinge a maturidade depois da adolescência, Diamond afirma que é necessário treiná-lo desde cedo. Ela compara o cérebro às pernas, que embora também só atinjam seu tamanho definitivo por volta dos 15 anos de idade devem ser exercitadas desde cedo para o seu pleno desenvolvimento. “Não se deve menosprezar as dificuldades iniciais e um possível atraso, mesmo que pequeno, da criança em relação a seus companheiros. As diferenças que começam pequenas nos primeiros anos de vida vão aumentando e podem culminar ao abandono da atividade escolar”, reforçou a neurocientista.

“É fundamental estimular na criança o prazer pelo estudo e fazê-la sentir-se bem com os desafios pedagógicos. Se a criança não for capaz de desempenhar as atividades propostas e não obtiver ajuda, ela não irá gostar da escola”, acrescentou Diamond, explicando os tipos de atividades que podem exercitar o córtex em crianças. “Brincadeiras em que as crianças interpretam um papel permitem o desenvolvimento da disciplina e da consciência corporal, requerendo a memorização de falas e atentando para a forma com a qual elas serão repetidas. Além disso, deslocam a criança de sua personalidade preestabelecida, fazendo-a assumir outras perspectivas e formas de pensar. Nesse exercício estão presentes as três funções executivas.”

Outro exemplo é o exercício do número 6 espelhado. Pede-se para as crianças desenharem o número invertido. Mas antes, elas têm que trocar de lápis. Por esse procedimento, a criança sai do automatismo, tem o tempo de reflexão necessário pra ativar o córtex pré-frontal e realiza o exercício sem problemas. Adele observou que crianças que brincam mais se sentem à vontade no ambiente escolar, desenvolvem melhor suas habilidades corporais e cognitivas e se envolvem mais nas atividades escolares. “Além do intelecto, é preciso estimular a relação da criança com o corpo, as emoções e o ambiente social. O indivíduo deve ser desenvolvido como um todo”, destacou a pesquisadora.

Embora esse tipo de prática pedagógica já esteja bastante difundido, não é aplicado com a mesma intensidade. “As pessoas sabem o que deve ser feito, porém falta vontade política para realizar. O que é triste, na medida em que é possível aplicar tais métodos sem muito dinheiro, equipamento ou esforço”, disse Adele. Ao final da palestra, a professora exibiu um vídeo do National Dance Institute (NDI), em que crianças experimentam o método e concluem: “se você aprende a se concentrar em algo divertido, talvez você possa se concentrar em algo que não seja tão divertido”.

Como obter uma cognição duradoura

Outro palestrante do evento foi Craig Ramey, doutorado em Psicologia com Ph.D. em Desenvolvimento Humano e diretor do Centro Universitário para Saúde e Educação, na Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos.

Especialista no estudo de fatores que afetam o desenvolvimento da inteligência, comportamento social e desempenho escolar em crianças pequenas, o psicólogo vem conduzindo nos últimos trinta anos, juntamente com Dra. Sharon Ramey, uma pesquisa envolvendo 14 mil crianças e suas famílias em 40 estados. Durante esse tempo, o Dr Craig reuniu crianças de segmento social de alto risco, oriundas de famílias pobres cujas mães possuem QI baixo ou, ainda, que vivem conflitos familiares, e as dividiu em dois grupos: controle e tratamento.

O primeiro grupo recebeu nutrição adequada, serviço social e assistência de saúde, enquanto o segundo, além de todos esses benefícios, ainda pôde contar com um programa de acompanhamento pré-escolar. Após um período de quatro anos, as crianças já apresentavam entre si uma diferença de 15 pontos no QI, o que permitiu deduzir que o tratamento tem importância significatiuva no desenvolvimento da criança e que rapidamente rende frutos.

Numa segunda fase da pesquisa, os grupos foram novamente divididos e algumas crianças passaram então a ter acompanhamento durante a escola. Quatro grupos, portanto, resultaram das divisões: os que só foram controlados, os que foram controlados no período pré-escolar e tratados no escolar, os que foram tratados na pré-escola e depois apenas controlados, e os que foram constantemente tratados.

Evidentemente, aqueles que não foram em qualquer momento tratados viram aumentar sua distância para os tratados. As crianças que eram apenas controladas e passaram a ter acompanhamento escolar melhoraram muito seu desempenho, mas não o bastante para ultrapassar o grupo tratado na pré-escola, nem mesmo aquele que deixou de ter acompanhamento. Neste grupo, observou-se uma queda considerável do desempenho em relação às crianças sempre tratadas, que mantiveram seus índices de desenvolvimento ascendente.

Houve, portanto, uma graduação no desenvolvimento das crianças analisadas, crescendo das controladas para as tratadas, sendo o tratamento na pré-escola mais importante do que aquele iniciado somente na escola. Tal estudo permitiu ao Dr. Craig Ramey concluir, afinal, que as intervenções na primeira infância são mais duradouras, mas que o efeito real requer uma intervenção maior e se possível constante.

Intervenções efetivas na primeira infância

A psicóloga Sharon Ramey complementou a palestra de seu parceiro de pesquisa, abordando os princípios da intervenção efetiva na primeira infância. O primeiro tópico abordado dizia respeito ao tempo: a duração de cada sessão de acompanhamento, quanto tempo de ajuda a criança deve ter durante o dia e quanto tempo ela deve ter disponível para buscar um desenvolvimento autônomo. Posteriormente, abordou a intensidade da intervenção: quantas vezes por semana ou por mês configuram um período ideal de acompanhamento. Foi observado que quanto mais intensivo o acompanhamento, mais duradouro será o resultado.

Sharon falou do sobre o aprendizado experimental direto e o indireto. No segundo caso, apenas os pais são orientados e as crianças são visitadas algumas poucas vezes. “A esperança era que, focando a intervenção na família, a durabilidade do acompanhamento fosse maior. Mas esse método não foi muito eficiente, na medida em que os pais não aprendiam suficientemente rápido”, destacou a pesquisadora.

Outro aspecto relevante considerado pela palestrante é a variedade da intervenção. Busca-se auxiliar as crianças em diversas instâncias, como a saúde, a linguagem, a cognição e as emoções nos relacionamentos. Quanto mais variadas as abordagens, mais eficiente será o acompanhamento. Sharon destacou também o princípio das diferenças individuais. “Procuramos observar de que forma cada criança reage aos métodos e ao tipo de intervenção, quais são as necessidades mais urgentes de cada uma.”

A questão avaliada como mais problemática para a pesquisadora é a da manutenção do ambiente propício ao desenvolvimento da criança. De fato, se o ambiente não se sustentar, podem ser anulados os efeitos do acompanhamento na primeira infância. Se, ao contrário, este for mantido de forma intensa e estimulante, terá efeitos bem mais duradouros. Sharon acrescentou ainda que a maioria das intervenções forma direcionadas para crianças negligenciadas e em condições de vida precárias, o que poderia ter desviado as pesquisas para a consideração de apenas esses casos. Mas, atentando para esse fato, Sharon concluiu que no acompanhamento de crianças com fartos recursos, é necessária intervenção persistente para haver benefícios mínimos, enquanto que para as crianças menos favorecidas, qualquer acréscimo de atenção já será proveitoso.

O ensino da linguagem

O psicólogo João Batista de Araújo e Oliveira, Mestre em Psicologia pela Tulane University, Ph.D. em Pesquisa Educacional pela Florida State University e atualmente presidente do Instituto Alfa e Beto, destacou a importância da fonética para a alfabetização. Ele também mostrou o quanto as pesquisas em Neurociências e em Psicologia têm contribuído significativamente para o conhecimento de novos métodos de ensino da língua.

Estudos mostraram que até os dois anos o som é a base da comunicação infantil. O palestrante explica que é com os fonemas que a criança se familiariza. Cria-se uma memória que posteriormente pode ser aproveitada no ensino, facilitando a aprendizagem. Os mesmos estudos também revelaram que dos 2 aos 5 anos as crianças passam a atentar para os significados das palavras. Nesse período, elas passam a associá-los aos sons.

A partir dessas descobertas, João Batista considerou que o método aplicado atualmente poderia ser mais eficiente caso houvesse uma educação pré-escolar direcionada para a fonética. Em um segundo momento, a memória auditiva e os conhecimentos fonéticos poderiam ser resgatados pela escola para facilitar o aprendizado. Ademais, o acompanhamento pré-escolar também permitiria localizar possíveis dificuldades e problemas, como a dislexia. Atualmente, ela só é descoberta por volta do segundo ano de escola. A dificuldade com ritmos e com a separação das palavras é um sintoma que poderia ser detectado mais cedo. Além disso, exercícios fonológicos poderiam remediar as possíveis dificuldades.

Como o desenvolvimento das funções executivas e da capacidade de abstração entre os 5 e os 6 anos, torna-se possível a associação das letras aos sons, básica para o aprendizado do alfabeto. João Batista observou que a neurociência também revelou a existência de uma área no cérebro – o giro fusiforme esquerdo – para processar especificamente os fonemas, os significados das palavras e os morfemas, desenvolvidos nas fases descritas anteriormente.

João Batista explicou ainda que aprender a ler consiste basicamente em criar uma representação visual abstrata das palavras escritas e estabelecer uma conexão com as áreas do cérebro responsáveis por codificar as palavras e seus sentidos. Dessa forma, bons leitores seriam os que usam as letras para identificar as palavras, usam o contexto para identificar os significados e cujo olho é capaz de simultaneamente fixar as palavras e varrer a frase inteira. Maus leitores seriam os que usam o contexto para identificar as palavras e têm dificuldade na identificação dos significados.

Também foi verificado por esses estudos que o contexto socioeconômico é mais importante na compreensão dos significados e menos no aprendizado da leitura. Ademais, a fluência é fundamental na compreensão do texto. Os pais também colaboram nesse aprendizado. A convivência leva os filhos a assimilarem a forma de falar dos pais e o vocabulário usado. Daí a importância de os pais atentarem para a variedade das palavras aos conversar com os filhos. Apesar de todas essas informações já estarem presentes no imaginário coletivo, João Batista defende que tais pesquisas permitiram transformá-las em conhecimento e ir além das especulações e dos “achismos”.

Por isso, João Batista considera válido enfatizar as definições de aprender a ler e ler para aprender. Respectivamente, a primeira consistiria em dar som às palavras e pronunciá-las, enquanto a segunda seria dar sentido às palavras, compreende-las, mais que reproduzi-las. Após fazer um breve histórico da alfabetização, o psicólogo deixou claro que a ênfase nas duas definições se justifica pelo fato de elas terem sido confundidas por décadas e de que sua separação é recente, datando da década de 1990. Com o tempo, foi se estabelecendo a evidência da importância da alfabetização.

Embora o método fonético seja teoricamente mais eficiente, o pesquisador alerta que se deve considerar o contexto em que será utilizado, já que conhecer as necessidades locais costuma ajudar a se atingir uma abordagem mais compreensiva e eficiente. Outro cuidado a ser tomado é não deixar de lado os antigos métodos. “O foco na fonética deve vir para somar, não para substituir”, esclareceu Batista.

A questão da alfabetização é considerada emergencial no Brasil. João Batista lembrou que o país ainda está mal classificado no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). A pesquisa mostrou que 56% dos brasileiros com quinze anos de idade não ultrapassaram o nível I, que é a pontuação mínima. Ou seja, os brasileiros mal sabem ler. Apesar das críticas, o palestrante explica que o problema do desinteresse por novos métodos de alfabetização não é apenas do país, nem apenas da educação. “É verdade que o Brasil, se comparado aos outros países, tem sido mais conservador. Porém, há desprezo quase geral pela revisão dos métodos e não se percebe de que forma isso afeta todos os setores da sociedade”, observou o pesquisador. João Batista atribui ao isolamento das áreas a causa do problema e só vê solução através da integração da Neurociência e da Psicologia cognitiva com a Pedagogia, além d uma forte vontade política da parte do poder público de mudar essa situação.

Educação das crianças surdas

Encerrando o primeiro dia do evento sobre Educação na Primeira Infância, o psicólogo Fernando Capovilla compôs a mesa-redonda que discutiu as políticas públicas no Brasil, ao lado de André Portela e Ricardo Paes de Barros.

Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB), Ph.D. em Psicologia Experimental pela Temple University of Philadelphia e livre docente em Neuropsicologia pela Universidade de São Paulo, onde atualmente é professor associado, seu tema foi a educação de crianças surdas. Capovilla abriu sua exposição anunciando com entusiasmo a publicação do primeiro dicionário de linguagem de sinais de todo o mundo, evento pioneiro para o qual contribuiu efetivamente.

Mas a boa notícia não lhe fez omitir críticas: começou afirmando que o principal erro é ensinar aos surdos como se ouvissem e às pessoas que ouvem como se fossem surdas. O psicólogo explicou que a fonética é ignorada na hora de ensinar crianças que ouvem a ler. Isso dificulta a aprendizagem e faz com que e os professores fiquem insatisfeitos, não apenas por serem mal pagos, mas também por não obterem retorno em seu trabalho.

Para as crianças surdas o problema é ainda mais grave. Segundo Capovilla, a língua materna das crianças surdas é a LIBRAS (língua de sinais), por isto eles precisam de escolas bilíngües para aprender português. “Mas as políticas públicas consideram que escolas só para surdos são uma forma de segregação, de gueto, portanto os coloca em escolas normais sem nenhuma preparação especial. Assim, essas crianças não conseguem acompanhar o conteúdo e acabam saindo da escola completamente analfabetas”, critica o especialista.

Uma demonstração da estagnação das políticas públicas para surdos é o fato de o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), no Rio de Janeiro, construído ainda na época do império, permanecer um dos poucos centros nacionais de referência. Porém, defende Capovilla, é de se lamentar que, mais que estagnação, esteja se operando retrocesso: há um projeto que pretende fechar o INES, o que nos faria retroceder em 150 anos.

Finalizando sua apresentação, o psicólogo salientou a necessidade de se disseminar a percepção de que a relação grafema-fonema é mais didática para as crianças que escutam, ao mesmo tempo em que é base fundamental para as surdas. “A adoção de um método pedagógico que privilegiasse tal relação permitiria a integração mais plena das crianças surdas”, arrematou Capovilla, relembrando, contudo, a necessidade de complementar sua educação em escolas bilíngües (português – libras).