O simpósio Ciências Agrárias no Brasil foi realizado no dia 3/12, dentro da Conferência Avanços e Perspectivas da Ciência na América Latina e Caribe 2009, na ABC. Coordenado pelo Acadêmico Carlos Clemente Cerri, que proferiu a primeira palestra, o simpósio contou também com palestras do Acadêmico José Roberto Postali Parra e do ex-presidente da Embrapa, o físico Silvio Crestana.
José Roberto Parra, Carlos C. Cerri e Silvio Crestana
O carbono e as mudanças climáticas
Cerri foi o primeiro palestrante. Agrônomo e Professor Titular da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), desde1998 o especialista se dedica a pesquisas sobre seqüestro e carbono do solo e fluxos de gases do efeito estufa em vários ecossistemas naturais e em outros modificados pelo uso, assim como se interessa pela mudança do uso da terra e pelas práticas e sistemas de manejo agrícola em clima tropical. Atualmente coordena projetos sobre as relações do agronegócio e o aquecimento global, particularmente na avaliação do ciclo de vida do etanol derivado de cana de açúcar, biodiesel derivado de plantas oleaginosas e gordura animal, bem como de outros bioprodutos do agronegócio.
O Acadêmico estudou o processo de transferência de CO2 da atmosfera para o solo e procurou entender como lidar melhor com o solo de modo a reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEF), preservando assim a biodiversidade e o sistema nativo. Mais recentemente, Cerri dedicou sua atenção ao que acontece quando um sistema nativo – no caso, a floresta Amazônica – é convertido em pastagem. Sua pesquisa evoluiu para outros lugares da Amazônia brasileira e para outros ecossistemas, como o cerrado, a caatinga e os pampas.
“Toda a questão das mudanças climáticas globais passa inicialmente por um processo de mudança de sistema nativo para um sistema agrícola. Esta mudança aconteceu na Europa há mais de mil anos atrás, quando florestas foram convertidas em pastagens e as pastagens em outras culturas”, explicou o professor. Nesses processos há emissão de gases para a atmosfera. Esses gases, derivados de carbono e de nitrogênio que estão no solo, vão para a atmosfera e causam desequilíbrio entre a entrada e a saída de energia da troposfera, tênue camada da atmosfera que envolve o planeta Terra. “A saída do carbono em forma de gás e sua distribuição na atmosfera é o que caracteriza o aquecimento global”, disse Cerri.
Parte do aquecimento global, portanto, se deve a essa conversão de sistemas nativos em sistemas agrícolas, dado que essa transformação provoca grande emissão do carbono que estava acumulado no solo e que é transferido para atmosfera, em forma de gás carbônico. Uma conseqüência disso é a mudança de temperatura da atmosfera terrestre, que provoca mudanças no clima e, por conseguinte, mudanças nos ecossistemas nativos. Cerri propõe a utilização de práticas agrícolas mais conservacionistas que reduzam as emissões de gases, sobretudo de gás carbônico. “Temos que aprender com os erros de outros países não fazendo o mesmo, precisamos conservar o carbono no solo. As mudanças climáticas trazem diversos problemas para a saúde humana e prejudicam a estabilidade econômica e social.”
Manejo integrado de pragas: nem sempre mais barato, mas muito melhor
O engenheiro agrônomo e Acadêmico José Roberto Postali Parra, doutor em Entomologia, atualmente é Professor Titular da ESALQ/USP. Seu tema central de pesquisa se relaciona às técnicas de criação e nutrição de insetos para programas de controle biológico.
Parra contou que desde 1939, quando o DDT foi sintetizado, os produtores rurais acharam que os seus problemas estavam resolvidos e começaram a aplicar o produto indiscriminadamente. Esta utilização inadequada gerou uma série de problemas, como o aumento da resistência dos insetos e o surgimento de novas pragas. Nesta época, Rachel Clarkson publicou “Primavera Silenciosa” (“Silent Spring”), livro muito contundente em relação aos problemas que o uso continuo do DDT podia causar. “Ficou clara então a necessidade de adoção de medidas de controle que mantivessem as pragas num nível que não causassem prejuízos, mas que além de considerar os aspectos econômicos levassem também em conta as questões ecológicas e sociais.Essa é a filosofia do manejo integrado de pragas”, esclareceu o Acadêmico.
Em sua apresentação, o professor abordou dois métodos: o controle biológico e os feromônios. Parra recorda que outros países da América Latina como Venezuela, Peru, Colômbia foram muito influenciados pela Universidade da Califórnia, que era o grande centro do controle biológico, não estudado no Brasil no mesmo período. Graças aos cursos de pós-graduação que começaram em 1969, porém, 25% da massa critica formada em Entomologia no país já incorporou o controle biológico. “Hoje nós revertemos a situação e somos líderes no assuntos na América Latina”, destacou o especialista.
A prática do controle biológico requer conhecimento de criação de insetos, pois envolve a criação da praga, a partir da qual se produz um inimigo natural que é liberado no campo. “Na plantação de cana, por exemplo, é liberada uma vespinha que ataca a lagarta e se alimenta da praga sem danificar a planta”. Outra vespa, estudada pelo grupo de Parra, ataca a fase do ovo, não deixando nem que chegue à lagarta. “Este inseto já está sendo liberado em mais ou menos em 500 mil hectares”, contou o cientista. Nesse caso, são insetos controlando insetos. Mas existe também outro método, em que vírus que atacam os insetos. Parra citou um programa desenvolvido pela Embrapa que utiliza um vírus para controlar a lagarta da soja, método criado pelo Acadêmico Flávio Moscardi.
Uma dificuldade encontrada na incorporação desses métodos biológicos é a competição dos inseticidas, que muitas vezes são mais baratos e dão menos trabalho. “Em determinadas regiões é necessário um trabalho de conscientização dos agricultores, que é realizado pelos profissionais da Embrapa.”
O controle biológico, segundo Parra, é especifico: há um para cada tipo de praga. E muitas vezes a comercialização é difícil, pela pouca disponibilidade do produto. “Há multinacionais que vendem os inimigos naturais, como a holandesa Koppert e a israelense Bio-Bee. Essas empresas estão espalhadas pelo mundo, tendo em torno de150 espécies de inimigos naturais disponíveis”. No Brasil, este tipo de empresa está começando. Apesar da biodiversidade brasileira ser muito grande, ela é pouco conhecida e pouco explorada. “O país ainda tem muita pesquisa para desenvolver nessa área, é preciso se estudar muita Biologia Molecular”, concluiu o Acadêmico.
Compromisso com o desenvolvimento sustentável tem que ser claro
Graduado em Física na USP e pós-doutorado em Ciência do Solo e Ciências Ambientais pela Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, Silvio Crestana é pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que presidiu até recentemente, e lotado no Centro Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento de Instrumentação Agropecuária, na cidade de São Carlos, no interior de São Paulo.
Crestana tratou essencialmente em sua palestra da situação mundial da agricultura, da questão ambiental e da governança mundial, apontando que as possíveis soluções virão pela ciência, pela tecnologia e pela inovação. “E podem vir do Brasil”, destacou o cientista, “porque o país tem um papel relevante tanto para suprir os estoques mundiais de alimentos como para dar respostas na área ambiental.”
A pergunta que se faz hoje, segundo Crestana, é se o Brasil vai seguir a mesma rota de desenvolvimento dos países industrializados, que destruíram as suas florestas, geraram os gases do efeito estufa e tem suas economias baseadas na matriz energética do petróleo. “O país tem condições atualmente de manter uma produção agrícola sustentável e de reforçar a matriz energética limpa e renovável.”
Outra questão levantada pelo pesquisador foi sobre o que a ciência pode fazer. Crestana deu exemplos de sistemas de produção sustentável de manejo – o plantio direto e a integração lavoura-pecuária-floresta. Ele afirmou que o Brasil tem um pacote de conhecimento tecnológico que permite produzir na faixa tropical no planeta, onde se encontra a população mais pobre do mundo. “Pode ser adequado para China, Índia, África, regiões em que cada habitante dificilmente tem a possibilidade de ingerir as 1.800 calorias mínimas diárias recomendadas pela Organização Mundial de Saúde”.
Para Crestana, o Brasil tem que deixar clara a sua posição com relação a sua política econômica e de desenvolvimento. Ele explica que é mais barato destruir do que recuperar áreas degradadas. “O investimento para recuperar 10.000 hectares é de 10 mil dólares. Quem vai pagar por isso? O agricultor não pode pagar essa conta. O Brasil precisa estabelecer claramente se quer um desenvolvimento do passado ou se quer melhorar a eficiência, ampliando a capacidade de produção em áreas já alteradas. Nós queremos um desenvolvimento sustentável ou não?”