Dentro da 3ª Conferência Avanços e Perspectivas da Ciência no Brasil, América Latina e Caribe, o Acadêmico Carlos Alfredo Joly coordenou o Simpósio: Ciências Biológicas no Brasil. Joly é PhD em Ecofisiologia Vegetal pela Universidade de Saint Andrews, na Escócia, e também pela Universität Bern, na Suíça. Na Unicamp, atualmente, é Professor Titular de Ecologia Vegetal e chefe do Departamento de Biologia Vegetal.
Rodrigo Leão, Maristerra Lemes, Carlos Joly e Augusto Shinya Abe
Pesquisas em zoologia: o bico do tucano
O biólogo Augusto Shinya Abe foi o primeiro a se apresentar. Com pós-doutorados pelo Max Planck Institute (Alemanha) e pela Aarhus Universitet (Dinamarca), atualmente é Professor Titular da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp-Rio Claro).
Especialista em Fisiologia Comparada, Abe apresentou suas pesquisas sobre o bico do tucano. Ele explica que a biodiversidade compreende animais que são bastante similares entre si em termos celulares mas que, no entanto, existem espécies que vivem nos ambientes mais diversos, em baixíssimas temperaturas como os ursos polares e outros em altas temperaturas, e cada um se adapta e funciona bem no seu habitat. Seu trabalho é observar o que esses animais têm em comum e o que têm de diferente.
Abe citou o médico dinamarquês August Krogh, conhecido como o pai da Fisiologia Comparada, que em 1929 dizia que para cada tipo de experimento que se quer desenvolver existe um animal ideal, que tem aquele aspecto enfocado no estudo diferenciado. “Por exemplo, se o estudo for sobre traquéia, devemos preferir as girafas. Se o estudo for sobre bicos, nada melhor do que um tucano.”
O interesse de Abe era avaliar a questão da conservação da temperatura. Utilizando câmeras térmicas de infravermelho, registraram os efeitos do que ocorria no bico de tucanos expostos a altas e baixas temperaturas, em laboratório. O que observaram é que o bico, que é esponjoso e vascularizado, concentra o sangue na parte do bico mais próxima ao corpo quando a necessidade do animal é reter calor e o desloca para o meio e a ponta do bico quando o ambiente está muito aquecido.
Variação da distribuição de calor no bico do tucano em função da mudança na temperatura ambiente
“Os humanos tendem a antropomorfizar os animais, analisá-los a partir de suas referências emocionais, afetivas e estéticas. Nem sempre as coisas na natureza tem um porquê específico. Nosso trabalho mostrou que a regulação térmica é uma das funções do bico do tucano, mas outros animais têm bicos menores e também conseguem equilíbrio térmico. Então o bico não é grande por causa disso”. A partir de suas observações, Abe conta que os tucanos são muito ciumentos. “Quando entramos no laboratório e vamos direto dar atenção a um determinado tucano, ele é dócil e receptivo. Se damos atenção a outro animal primeiro, quando nos voltamos para ele sua reação é se esquivar e rejeitar nossa aproximação.”
O manejo sustentável da floresta em pé
A ecóloga Maristerra Rodrigues Lemes, pós-doutorada pela Cornell University (Estados Unidos) e pelo Smithsonian Tropical Research Institute (Panamá), atualmente é Pesquisadora Titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), onde é também co-responsável pelo Laboratório de Genética e Biologia Reprodutiva de Plantas (LabGen).
Especializada em Genética de Populações e Genética Ecológica, Maristerra trabalha com espécies florestais de valor econômico da região – tanto madeireiras, como o mogno, assim como frutos do extrativismo, como a castanheira. “Tentamos compreender os padrões de distribuição da variabilidade genética nas populações naturais dessas espécies para, com base nisso, propor estratégias para a conservação e o manejo racional dessas espécies, seu uso e exploração.”Para tanto, usamos marcadores moleculares no estudo do DNA dessas espécies para tentar quantificar essa diversidade genética numa distribuição geográfica ampla .”
A bióloga destacou que o evento da ABC é importante porque possibilita a interação com cientistas dos outros países da América “Latina que compartilham a Amazônia. “Na medida em que as espécies não obedecem a limites geográficos, essa interação pode facilitar o acesso ao material genético das populações e dos bancos de germoplasma desses outros países amazônicos.”
A especialidade de Maristerra atualmente é o mogno – a madeira de maior valor comercial de toda a região neo-tropical das Américas, que está ameaçada pela destruição do seu habitat e pelo comércio ilegal. “A exploração predatória já destruiu boa parte da população de mogno, que já é de ocorrência rara na natureza. Mas ainda é possível fazer alguma coisa para salva-lo no Brasil se o mercado não for tão agressivo e respeitar as orientações científicas, que envolvem estudos de demografia, ecologia e genética.”
Um mogno, segundo a bióloga, leva de 70 a 110 anos para estar adulto, com 70 cm de diâmetro. A exploração sustentável estabelece que num aglomerado de uma determinada espécie não se pode retirar toda a população. É preciso que se deixe um número determinado de indivíduos adultos e reprodutivos na área para que produzam sementes e ocorra a regeneração”, explicou Maristerra. “Após a extração adequada, a terra precisa ser tratada e não pode ser usada para pecuária.
A especialista destaca que não dá para fazer um plano geral para a conservação dos recursos florestais, pois cada espécie tem suas características. “Quem a poliniza quem a dispersa, a sua densidade, as relações ecológicas com outras espécies e até os processos históricos muito antigos moldaram o cenário atual. A exploração legal requer um plano de manejo específico para cada espécie.”
É possível para o homem conviver com a floresta e viver dela, segundo Maristerra, mas o modelo atual de desenvolvimento que está implantado na Amazônia é incompatível com a política de conservação “A vocação da região não é para soja nem para a pecuária, é comprovadamente florestal. O habitat do mogno, por exemplo, está no arco do desmatamento, na fronteira agrícola com a floresta. Se não pararmos com esse modelo hoje não vai haver mais a possibilidade de serem criadas reservas, tudo será extinto”, conclui a pesquisadora.
Abrolhos: conservação em longo prazo
Doutor em Zoologia pela USP, coordenador de serviços ambientais do Programa Marinho da Conservation Internacional Brasil, Rodrigo Leão de Moura focou seus estudos em ecossistemas marinhos e costeiros e no desenvolvimento de projetos de extensão comunitária. Atualmente, é especialista em áreas protegidas da Conservation International Brasil. Ele atua na interface entre os ecossistemas e as pessoas, desenvolvendo projetos de pesquisa para responder a perguntas básicas sobre o funcionamento dos ecossistemas marinhos, de maneira a acoplar isso a questões de conservação e uso sustentável.
“A pesca é a maior indústria extrativista do mundo, só no Brasil um milhão de pessoas dependem de auma ambiente marinho saudável”, ressalta o especialista. Seu trabalho envolve, por exemplo, planejar áreas protegidas para beneficiar a pesca: proteger uma área fonte para que ela possa recolonizar áreas pescadas. Paulista, Leão mora em Abrolhos há dez anos, área 100% de pesca artesanal, com baixa tecnologia e muita tradição. “A região tem problemas de conservação, de uso sustentável, está sofrendo múltiplas tensões, e nós tentamos somar ao conhecimento local novas ferramentas, como a criação de áreas protegidas como instrumento de gestão pesqueira. Ele conta que, de início, houve um estranhamento, mas que a estratégia da Conservação Internacional é para longo prazo, buscando atuar de forma respeitosa com relação à cultura local e integrada com as comunidades. As áreas trabalhadas são unidades de conservação de uso múltiplo geridas por Conselhos compostos por 50% mais um de pescadores locais e outros elementos, inclusive da Conservação Brasil. “Esta estratégia gera confiança mútua”, contou o biólogo.
Nestes dez anos, os resultados vem sendo acompanhados. A sobrepesca e a destruição do habitat para criação de fazendas de camarão ou mineração em áreas de corais, por exemplo, somadas às mudanças climáticas, causam inúmeros prejuízos. As áreas de recife que são submetidas a diferentes tipos de manejo vêm sendo comparadas. “Observamos como os ecossistemas vêm se comportando no decorrer do tempo e relacionando esses comportamento com a forma com que o homem se relaciona com eles. Quando os ambientes são mais preservados eles são também mais resilientes aos impactos, naturais ou não”, explica Rodrigo. Esse retorno é passado à população local, que pode ver com os próprios olhos os resultados do trabalho de conservação e uso sustentável. “E quando há resultado, há multiplicação dos procedimentos para outras comunidades.”
Os maiores conflitos são com empresas do setor de celulose, que ocupam a maior parte da área agriculturável da região e têm uma estrutura marítima para transporte das toras, então fazem dragagem de canais que prejudicam o manejo pesqueiro.”Essas empresas precisam se responsabilizar pela conservação das áreas que ocupam. Até hoje, infelizmente, as respostas têm sido fracas”. O setor de petróleo e gás também tem uma relação delicada com a conservação. “As áreas mais sensíveis de Abrolhos estão de alguma forma protegidas contra estes tipos de exploração, que são muito prejudiciais pois modificam o habitat de diversas espécies nativas.”
Os projetos da Conservação Brasil em Abrolhos são desenvolvidos em parceria com diversas universidades do Rio, de São Paulo e da Bahia, com oferta de cursos de especialização de interesse da área. “Temos pescadores cursando graduações e fazendo cursos menores. Apoiamos um jornal comunitário e promovemos atiidades de educação ambiental”. O Projeto Abra os Olhos para a Cïência, aprovado num edital do CNPq aprovado num edital de popularização de ciência, colocou um estudante de ensino médio como pesquisador júnior em cada projeto da Conservação no local, com bolsa de iniciação científica oferecida pela UFBA. “Quando o projeto acabou, conseguimos despertar o interesse da prefeitura e daí conseguimos aprovação em um edital da Fapesba para manter o projeto, que teve muita repercussão na região. Nossa questão agora é ganhar escala, ampliar a atuação sem perder qualidade.”