A terceira mesa-redonda realizada no evento Amazônia: Desafios e perspectivas de Integração Regional foi coordenada pelo Acadêmico Roberto DallAgnol, da Universidade Federal do Pará (UFPA) e pela ex-diretora do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Ima Vieira.
Roberto Waack, Ima Vieira, Roberto DallAgnol,
Maurílio Monteiro e Fábio Scarano
Por uma rede pública de comunicação na Amazônia
O secretário de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia do Pará, Maurílio Monteiro, professor e pesquisador do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (NAEA/UFPA), mostrou-se preocupado com o grande e crescente hiato entre a produção científica amazônica e a das regiões mais desenvolvidas do país. “Os investimentos têm sido crescentes, mas ainda insuficientes. Tem havido ampliação das instituições, mas insuficiente para mudar o perfil dos sistemas regionais de C&T.”
Para lidar com esse hiato, o governo do Estado do Pará vem investindo na criação de parques de C&T, aproveitando pólos históricos e capacidades existentes. “Os parques têm sido estruturados com parcerias entre empresas e a academia. São três até agora: Guamá, Tocantins e Tapajós”, contou o secretário.
A integração regional nesse modelo científico e tecnológico, porém, esbarra na dificuldade de comunicação. A secretaria paraense já investiu em 2.000 km de fibra ótica para a criação de infovias, no programa Navega Pará. Para Maurílio, “a capacidade de transmissão de informação é fundamental e decisiva para a integração”. Para que ela ocorra de fato, o pesquisador apontou a necessidade de ampliação dessas infovias nos outros estados, visando a criação de uma rede pública de comunicação na Amazônia.
Além da questão da comunicação, Maurílio considera que há que se estabelecer prioridades, destacando a estruturação de um Sistema Regional de Inovação. “É preciso fazer a transição de um desenvolvimento exógeno, vindo de fora para dentro, para o endógeno, que parte de dentro para fora.”
Comparando os dois formatos de desenvolvimento, o secretário fez observações interessantes. O formato atual, exógeno, tem como base de competitividade a homogeneização e reproduz padrões de desenvolvimento de outras localidades, enquanto que o formato proposto, endógeno, baseia a competitividade na diversidade e valoriza potencialidades locais latentes, baseado em condições de oferta com foco nas potencialidades dos territórios. Maurílio destacou ainda que “o primeiro enfatiza o papel das exportações e favorece a utilização dos recursos naturais de forma pouco qualificada, enquanto que o segundo enfatiza a necessidade de enraizamento social dos processos produtivos, induzindo a utilização mais qualificada dos recursos naturais.”
Para alcançar essa meta, no entanto, é preciso investir na base. “Para fixarmos doutores na região que promovam seu desenvolvimento temos que investir na qualidade do ensino básico, que deixa muito a desejar.
Pelo ajuste dos interesses comerciais aos interesses coletivos
O jornalista Lúcio Flávio Pinto, do Jornal Pessoal, não pôde comparecer ao evento por estar enfrentando processos judiciais que o impedem de deslocar-se pelo país. Mas não declinou de participar: enviou um vídeo no qual expôs seus pontos de vista sobre o tema do evento, focando na questão da mineração no Pará e na exploração do manganês no Amapá.
A Amazônia tem depósitos de minério de dimensão internacional, sendo o 6º produtor de manganês do mundo. Ficando apenas atrás de Minas Gerais, o Pará é palco de grandes empreendimentos de mineração, liderados pela Vale. “Queremos exportar tudo ou devemos fazer uma reserva estratégica?”, pergunta Lúcio Flávio.
O problema maior da mineração ainda é a falta de energia. Parte do lucro da venda de manganês no Amapá foi investido numa hidrelétrica. “Mas é preciso diversificar, um estado não deve depender de uma única atividade econômica”, alerta o jornalista. Em sua opinião, os valores de referência da Vale precisam mudar. Para tanto, é requerida a criação de um código de mineração, com um imposto forte que retenha parte do lucro líquido, mas não na forma de tributos para os governos federais e estaduais. Ele propõe a criação de um fundo com controle social e institucional que evite o aumento da extração mineral e o pouco resultado social. “A Amazônia precisa ajustar os interesses comerciais e empresariais aos interesses coletivos.”
Por um conhecimento mais profundo do valor dos produtos florestais
O biólogo e economista paulista Roberto Waack é um dos fundadores da Amata S.A, empresa florestal que tem como principal produto a madeira certificada. A exploração florestal com uso múltiplo, segundo o empresário, engloba também produtos não madeireiros e serviços ambientais, alinhados à recente demanda por atividades com efeito redutor do aquecimento global.
A geração de valor na floresta, em seu ponto de vista, passa pelo estabelecimento de reservas legais, pelo zoneamento econômico e ecológico, pela integração social e pelo endosso da sociedade civil, que é a certificação. “O manejo sustentável requer conhecimento e planejamento. As toras grandes de madeira vão para serrarias e servem para fazer pisos, móveis e para a construção civil; as toras pequenas geram a celulose, utilizada para a fabricação de papel e embalagens. Os resíduos florestais servem para produzir objetos e energia”, explica o biólogo, acrescentando que sementes, castanhas, frutas flores, ervas e resíduos madeireiros são matéria-prima para óleos vegetais, corantes naturais e extratos orgânicos, utilizados para produzir cosméticos e ingredientes para a indústria farmacêutica e indústria química.
Waack destacou que qualquer empresa na Amazônia precisa entender as bases sociais nas quais aquela sociedade está estruturada. “A conservação e o manejo sustentável requerem um conhecimento mais profundo do valor dos produtos florestais”, afirmou o empresário, ressaltando que a Embrapa tem papel relevante nessa questão. “As empresas americanas e européias transformadoras de madeira tropical são grandes e ricas, assim como as que investem no açaí, que faturam muito mais do que as similares brasileiras. Precisamos investir em CT&I exatamente para reverter esse quadro.”
Por uma colaboração intensiva entre ONGs e academia
O Doutor em Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Fábio Scarano é coordenador da área de Ecologia da Capes/MEC e diretor-executivo da Conservação Internacional Brasil. Em sua palestra no evento, criticou o atual modelo de desenvolvimento da Amazônia, avaliando que ele se dá às custas dos recursos naturais. “O melhor modelo combina desenvolvimento humano e socioambiental com sustentabilidade.”
A seu ver, as ONGs e as empresas são os atores chave para essa transição de modelo. “A Conservação Internacional introduziu a abordagem de planejamento sistemático de conservação. Treinamos funcionários do governo e coordenamos a geração de um banco de dados biológicos para criar mapas com áreas prioritárias de conservação, oficialmente reconhecidos pelo governo.”
Falando das perspectivas para a região, Fábio afirmou que o estoque de carbono em pé do bioma amazônico vale 97 bilhões de dólares, ou seja, 7% do PIB brasileiro. “Se houver mercado para carbono, o Brasil tem um grande capital nas unidades de conservação”. Estas áreas protegidas, segundo o ecólogo, preservam um percentual da riqueza e diversidade de espécies. A previsão do que pode acontecer com essas espécies com as mudanças climáticas, não está definida. “Dependendo das condições, algumas podem ficar inalteradas, outras serem extintas. Pode ocorrer adaptação e provavelmente haverá mudança na abundância e na distribuição das espécies.”
Para trabalhar em todas as frentes necessárias ao desenvolvimento regional, é fundamental ampliar os recursos humanos. Para Fábio, os cientistas, conservacionistas, empreendedores e tomadores de decisão precisam ser fixados na região, mas é fundamental o investimento nos para-cientistas. “Esses amazônidas são a base do conhecimento da região, precisam ser estimulados para que se organizem em cooperativas, estudem, façam mestrados profissionais”.
O ecólogo avalia que existem bons modelos na Amazônia, que precisam ser identificados e amplificados. O desempenho e sucesso desses arranjos produtivos devem ser medidos por um índice híbrido entre desenvolvimento humano e sustentabilidade ambiental. “Os municípios que alcançarem os melhores índices podem receber incentivos, o que fará crescer o reconhecimento local e, consequentemente, o desenvolvimento regional.” A interação entre as ONGs e os institutos de C&T, podem facilitar esse processo.
Conclusão
Fechando a mesa-redonda, falaram os coordenadores da sessão. O Acadêmico Roberto DallAgnol acentuou a necessidade de colocar a criatividade em ação, para dar alternativas aos predadores, pois para um trabalhador abrir mão de seu trabalho precisa ter certeza de que vai conseguir se remunerar de outra forma.
“A mineração não é o futuro da Amazônia, mas temos que saber lidar com ela. Não dá para ignorar o que já existe, pois são atividades que dão lucro imediato. É um trablho político de educação e convencimento da população, de criar uma visão de futuro.”
Ima Vieira reforçou a necessidade da ampliação dos recursos humanos na região e da maior participação dos Estados do Norte nas pesquisas e decisões sobre a floresta.
Além disso, sugeriu a criação de programas interdisciplinares capazes de dar uma resposta mais ágil às necessidades mais urgentes. Ela lembrou que a agenda das Instituições que atuam na Amazônia é muito grande, englobando diversas áreas de estudo – como Botânica, Geologia e Antropologia – e que os estudos acadêmicos costumam demorar muito tempo e produzem resultados muito específicos, “embora sejam, evidentemente, fundamentais”.
Para Ima, Doutora em Ecologia, “é necessário combinar esses programas interdisciplinares e os acadêmicos para que possamos ter tanto resultados mais imediatos como estudos mais profundos”.