No V Seminário ABC na Educação Científica, realizado no Planetário do Rio de Janeiro no final de outubro, o Acadêmico Simon Schwartzman apresentou pesquisa realizada por ele e por Micheline Christophe, ambos do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), sobre as atividades de educação em ciências no Brasil, situando-as no contexto da literatura internacional a respeito do tema e no contexto da educação brasileira.

O que é “educação em Ciências”

Segundo Schwartzman, este é um conceito que remete a diferentes sentidos. Abrange a difusão de conhecimentos gerais sobre ciência e tecnologia, a motivação do interesse pela ciência, o desenvolvimento de “atitudes científicas” na observação dos fatos e no raciocínio, em contraposição ao sentido comum.

No ensino fundamental, de acordo com Schwartzman, o objetivo da educação científica é despertar o interesse pela observação da natureza e pela experimentação, além de transmitir alguns conhecimentos e conteúdos básicos iniciais. Ao longo do ensino médio, o foco deve estar no desenvolvimento da motivação e conhecimentos específicos sobre diferentes disciplinas científicas.

Além desses aspectos, a educação em ciência também engloba, no nível universitário, o desenvolvimento de competências e conhecimentos específicos que capacitem o indivíduo para o uso de conhecimentos e informações científicas na vida profissional. O entendimento e o trabalho como pesquisador, o desenvolvimento de atitudes críticas e reflexivas sobre ciência e tecnologia na sociedade e na economia, assim como a formação de pesquisadores profissionais também faz parte dos objetivos nesse nível de ensino.

O que é “alfabetização científica”

Para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, na sigla em inglês), alfabetização científica é a capacidade de usar conhecimento científico, de identificar questões e extrair conseqüências a partir de evidências, para que o cidadão possa compreender e tomar decisões a respeito do mundo natural e das mudanças nele introduzidas pela atividade humana.

A idéia é que, ao se tornar cientificamente alfabetizado, o estudante supere o medo que possa ter da ciência. A pessoa cientificamente alfabetizada é capaz de entender experimentos e acompanhar os raciocínios. Ela se sente minimamente confortável com os fatos científicos e seu sentido.

Para Schwartzman, alguns dos temas básicos que uma pessoa cientificamente alfabetizada entende incluem: “como os dados se relacionam com as leis e as teorias, que a teoria é a forma mais elevada de expressão científica, e as razões por trás de fenômenos do dia a dia, como as estações do ano, o ciclo das águas e os perigos da pseudo-ciência.”

Componentes da alfabetização científica

Esse processo tem certas características próprias, segundo o Acadêmico. Um deles é o desenvolvimento no aluno de uma atitude científica, que seria a capacidade de observar os dados do mundo natural e fazer inferências a partir destas observações, superando desta forma os conceitos ou pré-conceitos “naturais” ou pré-científicos que possam ter.

O trabalho em grupo também caracteriza a alfabetização científica, considerando que ela trata de um diálogo constante entre as pessoas e destas com os dados e observações do mundo real. “Espera-se de uma pessoa alfabetizada cientificamente o entendimento dos conteúdos específicos das diferentes disciplinas científicas, tal como são formulados pelas ciências modernas, assim como o entendimento da ciência e da tecnologia como fenômeno social, que tem impacto importante – positivo ou negativo – na sociedade e na vida das pessoas”, explicou o pesquisador.

Experiências anteriores e o ensino de ciências atual no Brasil

Schwartzman relembra uma experiência bem sucedida dos anos 50 pela extinta Fundação nacional para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências (Funbec): o desenvolvimento de kits para o ensino de ciências no ensino médio. “Eram materiais simples para trabalho experimental com os alunos, mas com envolvimento de pesquisadores na produção dos materiais e na elaboração de textos de ensino”. Além dos kits, o Acadêmico destaca também experiências de cooperação internacional com a National Science Foundation, por exemplo, e com outras entidades internacionais.

Hoje, a área de ensino de Ciências e Matemática da Capes tem hoje 21 mestrados acadêmicos, 16 profissionais e oito doutorados, distribuídos em 33 programas de formação de professores. O país conta com mais de uma centena de centros e museus de ciência, muitos deles com projetos ativos de educação científica para professores, estudantes e o público em geral. O Programa ABC na Educação Científica – Mão na Massa da Academia Brasileira de Ciências, destacado por Schwartzman, envolve diversas instituições como a Estação Ciência da USP, o Centro de Difusão Científica e Cultural (CDCC) da USP de São Carlos, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Rio de Janeiro, o Centro de Referência do Professor (CRP/UFV) em Viçosa, Minas Gerais, e várias outras iniciativas na Bahia, em Santa Catarina, como será visto em matérias posteriores.

O pesquisador citou também o Espaço Ciência em Pernambuco; os Centros de Educação Científica Escola Alfredo J.Monteverde em Natal e Macaíba, no Rio Grande do Norte; o
Instituto Sangari, que atua em São Paulo, no Rio de Janeiro e principalmente em Brasília; a
Programa de Educação e Difusão em Biociências do Instituto de Bioquímica Médica/UFRJ (Peged); e o Programa de Educação Integrada da Fundação Romi, em Santa Bárbara do Oeste, no interior de São Paulo.

A situação da educação em ciências no Brasil

Embora estejamos vivenciando um aumento progressivo da formação de doutores e da produção científica brasileira, a concentração dessa produção científica ainda ocorre em um pequeno número de universidades e centros. Essa situação se reflete nos níveis extremamente baixos de educação em ciências da população em geral. Os resultados Brasil no Programme for International Student Assessment (PISA) da OECD em Ciências são muito baixos: “grande parte dos alunos brasileiros estão abaixo do nível 1 no PISA, e praticamente ninguém está no nível mais alto”, observa Schwartzman. Pesquisa de percepção pública da Ciência realizada pelo MCT em 2006 mostrou, entre outras coisas, que os brasileiros apreciam e se interessam pela ciência, mas não a entendem.

As alternativas metodológicas

Segundo Schwartzman, atualmente no Brasil se trabalha fundamentalmente em duas linhas: a educação formal nos métodos e conteúdos das ciências estabelecidas e o método construtivista de indagação. No ensino tradicional os métodos são estruturados, os conteúdos são pré-definidos em livros e manuais, os professores expõem as matérias e o trabalho é basicamente individual, com os alunos aprendem acompanhando as aulas, fazendo exercícios e apresentando os conhecimentos adquiridos. No construtivismo, os estudantes fazem as perguntas e buscam as respostas, trabalham em grupo, não utilizam livros, manuais ou apostilas e o professor atua como facilitador.

Para o cientista social, há vantagens e desvantagens nos dois métodos. “O construtivismo gera alta motivação e participação de alunos e professores. Mas na prática, os conteúdos são previstos e estruturados através da escolha dos kits de experimentação e dos módulos didáticos preparados pelos professores. Existe uma valorização da criatividade e participação, mas não do estudo sistemático e incorporação do corpo de conhecimentos e práticas das disciplinas o que faz com que haja pouca ou nenhuma cumulatividade”, avalia. Na educação formal, com métodos e conteúdos das ciências estabelecidas, “há o risco de desinteresse e desmotivação dos alunos, de aprendizagem repetitiva e por memorização, havendo pouco espaço para iniciativa, criatividade e participação”, aponta Schwartzman.

Para ele, as melhores práticas são as que valorizam o trabalho indagativo, experimental e de grupo, “pelo que ele traz de estímulo e motivação, sobretudo nas etapas iniciais”. Essas práticas identificam com clareza os conteúdos que os estudantes devem aprender em cada etapa e idade, e trabalham com a acumulação de conhecimentos. Além disso, trabalham sistematicamente com a abstração, passando das experiências concretas aos conceitos teóricos e abstratos das disciplinas. Schwartzman destaca que considera boas práticas “as que procuram também desenvolver e aprofundar as questões conceituais e éticas da Ciência, na medida em que elas forem sendo colocadas e entendidas.”

Um salto de qualidade para avançar

Schwartzman evidencia que não é possível levar adiante programas de educação em Ciências quando os professores da educação básica não dominam os conhecimentos científicos que devem ensinar, os alunos não adquirem educação adequada em escrita, leitura e matemática para poder acompanhar as aulas de ciência e os programas de são instáveis, sem uma integração às atividades centrais e prioritárias das Secretarias de Educação.

O Acadêmico destaca os problemas dos programas de educação em Ciências analisados. “Todos ocorrem em pequena escala e dependem da liderança e da iniciativa individual de poucas pessoas, o que os torna frágeis”. Observa o baixo nível de institucionalização, com equipes pequenas sem autonomia administrativa e financeira, sendo que os recursos dependem de convênios que muitas vezes se interrompem. “Isso gera uma incapacidade de avaliar os resultados em termos do desempenho efetivo dos alunos beneficiados, por falta de tempo e de recursos, assim como uma incapacidade de acompanhar a atuação e os resultados dos professores capacitados”, avalia Schwartzman.

Em seu ponto de vista, o salto requerido envolve passar das situações experimentais à educação em Ciências em grande escala, trabalhar pela elaboração de um currículo nacional de educação em Ciências e influenciar diretamente a formação de professores para a educação básica inicial, através dos cursos de Pedagogia nas universidades. “Precisamos integrar os programas de educação em Ciências aos programas e cursos da área de ensino em Matemática e Ciências da Capes.”

Schwartzman defende a integração do melhor de cada método: combinar o uso inicial de métodos indagativos com materiais estruturados de boa qualidade, para garantir a cumulatividade e aprofundamento dos programas. “Também é fundamental dar continuidade e expandir as iniciativas locais e individuais, assim como ampliar a formação de pesquisadores em educação em Ciências no Brasil”, conclui o cientista.

* O V Seminário Nacional ABC na Educação Científica – Mão na Massa foi realizado com o patrocínio do Programa Desenvolvimento & Cidadania Petrobras

(Elisa Oswaldo-Cruz e Julia Dias para as Notícias da ABC)