No Seminário Desafios da Física 1949-2009, evento de encerramento da programação comemorativa dos 60 anos do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), realizado no dia 28/10, o Acadêmico Sérgio Mascarenhas de Oliveira proferiu a palestra intitulada Desafios da Física: Agronegócio e Nanotecnologia.
Físico da USP de São Carlos e coordenador do Instituto de Estudos Avançados (IEA/USP-S.Carlos) da instituição, Mascarenhas iniciou sua palesta mostrando o quadro Escola de Atenas, do pintor renascentista italiano Rafael, do ano de 1509. Para Mascarenhas, a obra representa a união da ciência com as artes, duas culturas que dariam origem a uma terceira cultura. “No centro do mural estão os gregos Platão e Aristóteles. O Platão com o dedo para cima, falando da abstração, da famosa caverna. E Aristóteles com a mão para baixo, voltada para o mundo material. Isso é a chamada pax filosófica. E realmente nós precisamos da abstração, da teoria e precisamos da experimentação. Eu acho que esta dupla – Platão e Aristóteles – diz muito para nós, no século 21, da importância de união entre teoria e experiência.”
Fundador do primeiro curso de Engenharia de Materiais da América Latina, quando foi reitor da Universidade Federal de São Carlos, Mascarenhas referiu-se ao pesquisador argentino Ernesto Sábato, que o ajudou nessa empreitada.
Mostrou uma imagem do Triângulo de Sábato, que integra universidade, empresa e governo, acrescentando uma dimensão que considera fundamental: a gestão. “O ministro Sergio Rezende fez uma explanação maravilhosa sobre uma política de ciência e tecnologia de Estado, não de governo. Isso é um exemplo de boa gestão. É essa sinergia que gera desenvolvimento.”
Mascarenhas avaliou que no Brasil existe interação entre universidade e governo, mas a empresa brasileira ainda participa pouco, porque falta gestão. “Esse é o diferencial que conseguimos em São Carlos: trazer as empresas para dentro desse processo, criar um tetraedro – um ambiente do triângulo de Sabato, mas com gestão, com uma visão estratégica.”
Ícones da construção da Ciência brasileira
Sérgio Mascarenhas referiu-se então a uma imagem de sua apresentação na qual o deus Janus estava entre o ex-ministro Renato Archer e o ministro Sérgio Rezende. “Além do Rafael, eu adoro o Janus, o único deus romano que não foi copiado dos gregos. É o deus da abertura das portas – as palavras janeiro, janela, todas vem de Janus. Ele olha para o passado, para as tradições e os erros, e projeta para o futuro. Eu gosto de usar o Janus para fazer essa metáfora com pessoas. Aí estão o Renato Archer, que foi o primeiro ministro de C&T brasileiro, e o Sérgio Rezende, que está levando realmente à frente um planejamento estratégico, investindo no vértice do tetraedro, na ação.”
Mostrou outra imagem similar em que inseriu o Almirante Álvaro Alberto e o físico Joaquim Costa Ribeiro. “Álvaro Alberto teve uma importância política muito grande, foi o primeiro presidente da Academia Brasileira de Ciências, e Costa Ribeiro era um obcecado, um obsessivo pela ciência. Tenho muito orgulho de ter sido aluno dele na Faculdade Nacional de Filosofia.”
Citou também César Lattes, como não podia deixar de ser, cuja vinda para o Brasil motivou muito Mascarenhas e com ele, toda uma geração de jovens físicos. “Por trás de todo cientista, sempre tem alguém que acendeu a chama. Para mim, foi o César Lattes”. Mascarenhas citou frases de Lattes, que considerava uma figura genial. “A ciência é a filha bastarda da arte, ele dizia. Por quê? Ora, a criatividade é fundamental para a arte e também para a ciência. Só que o artista é livre, mas o cientista tem que perguntar à natureza se o que ele fez está certo, ele tem um juiz fundamental.” Contou também que mesmo tendo sido o primeiro cientista brasileiro com repercussão internacional, Lattes era um indivíduo extremamente honesto e reconheceu que o efeito Costa-Ribeiro foi a primeira descoberta até então totalmente realizada no Brasil, no caso por um engenheiro que tinha paixão pela ciência.
Desafios da Física: o agronegócio
O Acadêmico contou então de sua incursão no agronegócio. “Por quê o agronegócio? Porque corresponde a 30% do PIB nacional, são 250 bilhões de dólares por ano. Se eu quero fazer alguma coisa pelo meu país, se eu quero realmente mudar alguma coisa com a ciência, eu tenho que atuar em alguma área que afete realmente o país, não vou ficar na torre de marfim com o conhecimento na prateleira. Ciência que não tem uma característica social não tem importância realmente no país”. Mascarenhas sentia essa angústia até que um aluno disse a ele que queria muito trabalhar em física do solo. Embora não conhecesse o assunto, se dispôs a pensar no assunto e fazer uma parceria com esse aluno, que era o Sílvio Crestana, atual presidente da Embrapa.
Como trabalhava com imagem em física médica, Mascarenhas pensou em experimentar fazer tomografia computadorizada em solos, para tentar ver a ação da água. Ele lembra que a maioria das pessoas que consultou na época consideraram a idéia “uma besteira renomada”, porque o solo está cheio de ferro, de silicato e o raio X seria absorvido. Mas depois de ter feito o que ele chama de “umas continhas bobas”, percebeu que se fizesse a diferença das imagens poderia ver a água, e viu. Junto com Edson Carlos, Mascarenhas e Crestana construíram tomógrafos portáteis, que vão para o campo. E esse foi o tema da tese de doutorado de Silvio Crestana – o uso da tomografia computadorizada para investigações em solos -, que depois foi aplicada para plantas e hoje em dia é um campo reconhecido mundialmente, tendo sido criada a Embrapa Solos, sendo Crestana um pioneiro da área.
Mascarenhas começou a trabalhar em São Carlos nessa área, e num contato com o então presidente da Embrapa, Eliseu Roberto Alves, ressaltou a necessidade da agricultura nacional estabelecer uma interação com os físicos, com gente que realmente entendesse de ciência moderna, sob pena do país ficar com uma agricultura estacionada. Eliseu Alves convidou-o então para desenvolver a idéia. “Embora na época perguntassem ao Eliseu o que eu estava fazendo na área de agricultura, pois eu não distinguia uma banana de uma cenoura, ele me garantiu e assim surgiu o primeiro centro nacional de pesquisa e instrumentação da Embrapa para o agronegócio – Embrapa Instrumentação Agropecuária -, em São Carlos”.
Desafios da Física: a nanotecnologia
Hoje, São Carlos sedia o Laboratório Nacional de Nanotecnologia Aplicada à Agricultura, criado também por Mascarenhas na gestão de Silvio Crestana como presidente da Embrapa, com cooperação internacional. “Sem cooperação não há ciência que agüente fazer progresso. E nesse caso, mandamos várias pessoas para fora, que tiveram contato o MacDiarmid, um prêmio Nobel que foi o pioneiro da nanotecnologia. Também mandamos para a IBM, onde tinha um núcleo forte de nanotecnologia. E aí, sob a inspiração deste prêmio Nobel, nós criamos um programa, o Instituto MacDiarmid, que deu origem ao Laboratório”, relata o físico.
Ele compara o Brasil com os EUA nessa área. Em 1997, o presidente Clinton assinou um decreto de criação do Programa Nacional de Nanotecnologia. Mas antes, em 1993, o país já tinha investido 175 milhões de dólares no desenvolvimento de nanotecnologia. “Essa é a diferença entre um país pobre e um país rico: lá eles põem o dinheiro e depois criam o programa. Aqui nós criamos o programa depois saímos de chapéu na mão atrás de dinheiro.”
No Brasil, o pioneiro da nanotecnologia, segundo Mascarenhas, foi o Acadêmico Celso Pinto de Melo, atual presidente da Sociedade Brasileira de Física. “Ele trouxe o programa da nanotecnologia pro CNPq e foi correr atrás do dinheiro. Isso foi em 2001, então já saímos atrasados. Temos que olhar para esses casos para aprender o que é política científica”.
Efeitos colaterais
Apesar de grande entusiasta da nanotecnologia, porém, Sérgio Mascarenhas começou a se preocupar com os efeitos dela no organismo humano. “O sistema imunológico humano não sabia que havia um ecossistema com nano partículas, não sabe lidar com elas. Quais serão as conseqüências de usar cremes no rosto, xampus e outros produtos que utilizam nanotecnologia?”
Começou então uma pesquisa no hemocentro da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, que hoje é o Instituto Nacional de Células Tronco, e ao inserir nanopartículas em células tronco encontrou necrose, apoptose (morte programada das próprias células) e toxicidade. “Aí eu fiquei preocupado, a ciência tem sempre dois lados. O que faz o cientista escolher um lado é a ética. O papel do cientista, na minha opinião, não é botar o lado negativo embaixo do tapete, é através do método científico transformar o nocivo em benigno, é trabalhar sério como foi feito com a tecnologia da bomba atômica, que foi aproveitada para se fazer radioterapia, para curar o câncer”.
Conversou então com o presidente da Capes, o Acadêmico Jorge Almeida Guimarães, explicou a situação e reivindicou a criação de um Programa Nacional de Bionanotecnologia. “O Jorge é um cientista, um cara corajoso, que não tem medo de riscos, ele topou”, disse Mascarenhas. Convidaram o físico Celso Melo, um representante do ministério da Saúde e um representante da Embrapa.
“A Capes botou 70 milhões num edital, na Rede de Bionanotecnologia. E hoje nós temos 38 centros coordenados no Brasil inteiro, numa política de rede. Gestão de rede é um negócio novo em política cientifica”. No ano que vem, em julho de 2010, Mascarenhas pretende realizar o 1º Congresso Internacional de Bionanotecnologia para Alimentos e Saúde, em São Carlos. Para tanto, buscou apoio da Food and Agriculture Organization (FAO) e da World Health Organization (WHO), da Capes e do MCT. “Estou muito contente com essa perspectiva, porque este é realmente um problema global”.
E assim encerrou sua palestra o cientista e empreendedor que, no auge dos seus 81 anos, está cheio de projetos para o futuro.