O Acadêmico José Goldemberg, professor da Universidade de São Paulo e presidente de honra da SBPC, publicou o seguinte artigo no jornal O Estado de S. Paulo:
“Há 35 anos os países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) cortaram radicalmente a sua produção e lançaram o mundo ocidental – inclusive o Brasil – na pior crise de energia do século 20. Não havia, na época, uma compreensão clara das consequências ambientais do aumento do consumo de combustíveis fósseis e das emissões resultantes, que são responsáveis pelo aquecimento da atmosfera. Consumir mais era um sinônimo de progresso econômico e riqueza.
O Brasil, na ocasião, importava quase todo o petróleo que consumia e gastava, antes da crise, cerca de US$ 500 milhões por ano. Após a crise, a conta petróleo subiu para mais de US$ 4 bilhões, cerca da metade de todas as exportações do país. Demorou mais de 20 anos e um trabalho intenso da Petrobrás para descobrir e explorar petróleo na plataforma continental e nos levar à autossuficiência. Ainda assim, as reservas avaliadas até agora não devem durar mais de 15 anos.
Com a redução da produção dos países da Opep, os países industrializados fizeram grandes esforços para reduzir o consumo e desenvolver fontes adicionais de petróleo e energia. A produção de petróleo a partir do xisto betuminoso no Canadá é um exemplo desses esforços, apesar de este ser um processo caro e complicado. A produção de etanol de cana-de-açúcar no Brasil é outro exemplo.
Se o pré-sal tivesse sido descoberto em 1975, com suas enormes reservas estimadas, a história da energia no mundo talvez tivesse sido diferente. O país seria visto como uma salvação do mundo ocidental, que viria todo investir aqui e nos ajudaria a colocar petróleo do pré-sal nas refinarias.
Quando a crise criada pela Opep passou e o petróleo passou de novo a ser abundante e relativamente barato, a febre do consumismo voltou com força total, os projetos de xisto no Canadá e muitos outros foram abandonados. Talvez a única exceção tenha sido o apoio constante que o governo brasileiro continuou a dar à produção de álcool da cana-de-açúcar, o que é, de fato, extraordinário e louvável.
Hoje a situação é diferente, por duas razões:
Em primeiro lugar, porque sabemos muito bem que é preciso reduzir as emissões de gases que resultam da queima do petróleo. Estão em curso negociações internacionais – que vão culminar com a conferência internacional em Copenhague, em dezembro – que poderão estabelecer limites severos ao uso de combustíveis fósseis. Eles foram os responsáveis pelo progresso da humanidade no passado, mas o futuro hoje não é visto como mais petróleo, mais gás e mais carvão, e sim energias renováveis.
Em segundo lugar, porque as reservas internacionais de petróleo e gás estão em processo de exaustão e sua vida remanescente estimada não é maior do que 40 ou 50 anos.
Por essas razões, uma euforia exagerada em relação à descoberta de mais petróleo tem de ser evitada, a fim de não levar o país a abandonar recursos e tecnologias que sejam sustentáveis a longo prazo e que não se vão exaurir como o petróleo ou gás.
Vários países do Oriente Médio, os maiores produtores mundiais de petróleo – e que possuem as maiores reservas provadas -, já se deram conta disso e estão diversificando suas fontes de receita, como é o caso de Abu Dabi, Dubai e outros, que são não apenas locais para turismo, mas também grandes centros comerciais e de desenvolvimento tecnológico. Dependência do petróleo simplesmente não é o caminho de um desenvolvimento sustentável.
Há outros aspectos em que a situação atual é muito diferente da de três décadas atrás. Não existe falta de petróleo e os grandes produtores do Oriente Médio têm capacidade ociosa, já que com a crise mundial o consumo caiu. Essa é uma das razões por que o preço do barril se estabilizou em torno de US$ 60, muito abaixo dos US$ 140 do ano passado, antes da crise. Outra razão é a especulação pura e simples. O que pode ocorrer é, simplesmente, não haver compradores para petróleo do pré-sal no futuro.
O que fazer, portanto, com o pré-sal, riqueza encontrada pela Petrobrás no fundo do oceano, a centenas de quilômetros da costa e a mais de 7 mil metros de profundidade?
Sob um certo ponto de vista, essa riqueza ainda não é real: é como se fosse um diamante bruto que precisa ser lapidado. Ou talvez, mal comparando, como o minério de urânio – do qual o Brasil tem reservas razoáveis -, que só ganha valor se for enriquecido, um processo caro e complicado. Altas autoridades do país frequentemente confundem as duas.
Investir agora enormes recursos do governo na exploração do pré-sal – que certamente vão fazer falta em outras áreas, como educação e saúde -, contando com grandes ganhos no futuro, é pelo menos temerário. Não é possível prever qual será a taxa de sucesso na abertura dos poços para a retirada do petróleo, já que não existe experiência prévia nessa área. Tampouco se pode prever se não surgirão problemas ambientais novos, o que pode atrasar a exploração. Sob esse prisma, uma grande batalha para dividir os royalties que o pré-sal vai gerar é, no mínimo, prematura.
O que parece razoável é investir cautelosamente na exploração e dividir o risco e os custos com outras empresas de petróleo, sobretudo nas pesquisas científica e tecnológica indispensáveis para aumentar as chances de sucesso dos empreendimentos. Se fracassos ocorrerem, os custos serão divididos. Se houver sucesso, serão divididos os lucros, mas não há como ganhar sempre.
Vender ilusões e miragens pode ser uma boa tática eleitoral, mas neste caso elas poderão custar muito. Enquanto isso, investir mais nas tecnologias do futuro (energia solar, dos ventos, biomassa e carros elétricos) parece um caminho mais seguro.”