Uma bem temperada palestra do presidente da Academia Brasileira de Ciências, Jacob Palis, abriu as atividades do quarto módulo da Cátedra Memorial da América Latina. Ela foi seguida por conversa em alto nível com os reitores da Unicamp, o Acadêmico Fernando Ferreira Costa; da Unesp, Herman Voorwald; e com o pró-reitor de pós graduação da USP, Armando Corbani. Os trabalhos se deram no lotado auditório da Biblioteca Latinoamericana Victor Civita, na noite de 3 de agosto, e foram franqueados ao público.

As discussões serviram como aperitivo para o prato principal que será oferecido ao longo do semestre em torno do tema Ciência, Tecnologia e Economia. O cozinheiro, catedrático e condutor desse processo de ensino/aprendizagem, investigação e intercâmbio cultural é o químico Hernan Chaimovich, vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências. Além das autoridades do mundo acadêmico que ocuparam os microfones, a noite foi prestigiada por personalidades como o adido de cooperação científica, tecnológica e universitária do Consulado Geral da França, Christophe de Beauvais; o diretor do Instituto de Física Teórica da Unesp, Rogério Rosenfeld; o assessor chefe de relações externas da Unesp, José Celso Freire Jr e a cônsul geral do Chile Cecília Gallardo.

Fernando Leça, presidente do Memorial ao microfone, fez o pronunciamento de boas vindas lembrando que, já em sua posse, em 2005, recebeu um “presente” dos reitores das três universidades públicas paulistas. Por iniciativa do atual vice-presidente regional da ABC Adolpho Melfi, então reitor da USP, eles propuseram que o Memorial articulasse com Unicamp, Unesp e USP uma cátedra que enfrentasse as grandes questões pragmáticas do subcontinente latino-americano. Conforme Leça contou (segurando no braço do professor Melfi, ao seu lado na mesa), Melfi nem desconfiava que anos depois ele seria convidado pelo próprio Leça para dirigir o Centro Brasileiro de Estudos da América Latina do Memorial. E que, nesta condição, caberia a ele, Melfi, coordenar essa cátedra que – novamente por iniciativa dos três reitores – passou a chamar Cátedra Memorial da América Latina.

Em sua fala, o professor Melfi informou que já ocorreram todos os trâmites necessários para que ela agora passe a se chamar Cátedra Unesco Memorial da América Latina. “Este selo Unesco é uma marca de credibilidade e certamente abrirá caminhos no sentido das relações internacionais”. Melfi aproveitou e anunciou o nome do próximo catedrático que desenvolverá suas atividades no ano que vem: será o ex-ministro Roberto Rodrigues e o tema, Agronegócios na América Latina e suas oportunidades. A escolha do assunto e do catedrático é feita por uma Comissão de Orientação, composta por representantes do Memorial, da USP, Unicamp e Unesp, Fapesp e das secretarias estaduais de Cultura e de Ciências e Tecnologia. Naturalmente, a coordenação é do professor Melfi.

A apresentação do professor Jacob Palis coube ao catedrático Hernan Chaimovich (na foto, em primeiro plano), que destacou “o impacto intelectual de sua produção científica, especialmente na área de sistemas dinâmicos”. O professor Chaimovich ao longo do ano vai orientar 20 estudantes matriculados na Cátedra e mais 40 ouvintes. A cada semana um dos agentes do sistema de ciência e tecnologia do país terá um encontro com esses alunos. Conforme Chaimovich explicou, no final do ano, está programado um seminário internacional, com a participação de ministros da ciência e tecnologia e/ou responsáveis de agência de fomento da pesquisa de vários países latino-americanos.

Em sua palestra, o professor Jacob Palis introduziu um elemento inesperado, nestes tempos de acirrada competição global, no relacionamento internacional no campo da ciência, tecnologia e economia – a solidariedade. Sob o título Cooperação Internacional: Parceria e Solidariedade, contou ser ele próprio um beneficiário da cooperação internacional, ao ganhar, em pleno 1964, bolsa da Comissão Fulbright. Após três anos de doutorado, decidiu voltar para o Brasil “pois percebi que o país começava a oferecer condições para dar um salto qualitativo no que diz respeito a ciência e tecnologia e formar um ambiente excitante para a pesquisa e formação de novos pesquisadores”.

Em uma época que o Brasil encontrava-se fechado em vários níveis, inclusive o científico, Palis defendeu abrir o país para bolsistas de todo o mundo. Hoje estudantes de doutorado de outras nações criam lastros no Brasil, explica Palis. Mesmo os que voltam para suas terras mantém uma relação especial com o lugar que o formou. “Atualmente, o Brasil pode cooperar com os países desenvolvidos em qualidade e quantidade. Tivemos um crescimento exponencial em publicações em revistas científicas”. Segundo Palis Junior, ocupamos o 13º lugar em produção científica e “olha que nossa população é pequena em relação à da China (2º lugar) e da Índia (10º)”, alertou. O primeiro lugar é ocupado pelos EUA, com mais de 30% da produção científica mundial.

Por ter se destacado na produção científica mundial, chegando perto da média dos países ricos, aumentou a responsabilidade do país em relação aos seus vizinhos latino-americanos, aos africanos e aos asiáticos. É aqui que entra a palavra solidariedade. Para Palis, solidariedade não quer dizer generosidade, nem gastarmos nossos recursos de maneira paternalista. “A solidariedade com países de menor tecnologia é bom para o Brasil desde que seja fruto de uma elaboração estratégica”, ressaltou. Afinal, as economias dos países estão todas interligadas. E fortalecer as relações econômicas entre o Brasil e o resto do mundo por meio da ciência, da tecnologia e da inovação – criando cada vez mais riqueza – é um legítimo interesse estratégico da nação.

A noite de abertura das atividades da Cátedra Memorial da América Latina terminou com a preleção dos representantes da USP, Unicamp e Unesp sobre o tema Internacionalização e desenvolvimento em Ciência e Tecnologia: A visão das Universidades Públicas Paulistas. Tanto Fernando Costa, reitor da Unicamp, quanto Herman Voorwald (foto à direita), reitor da Unesp, e Armando Corbani (foto acima), pró-reitor de pós graduação da USP, defenderam a abertura das universidades para estudantes estrangeiros, bem como a ida de universitários brasileiros para o exterior em programas de pós-graduação.

Fernando Costa, por exemplo, explicou que o país precisa de universidades de “classe mundial”, voltadas para a pesquisa, que produzam conhecimento e formem líderes. Ele listou seis pré-requisitos para uma universidade ser de ponta:
1. Ter uma concentração de talentos (pesquisadores, professores, alunos e funcionários)
2. Abundância de recursos
3. Orientação administrativa favorável (o mérito deve sempre prevalecer sobre o corporativismo)
4. Elevado percentual do corpo docente oriundo de outro país (Harvard, por exemplo, tem 30% de professores estrangeiros; Oxford, 36%)
5. Elevado percentual de alunos estrangeiros (segundo alguns, o ideal seria equilibrar nativos e de fora do país).
6. Ausência total de interferência política

Armando Corbani também ressaltou que relações internacionais sólidas beneficiam a todos os envolvidos e são fundamentais para a consolidação de uma universidade de classe mundial. Em 2008, por exemplo, ele contou que a USP recebeu pouco mais de 500 estudantes de outros países e mandou 1.000 alunos de graduação para projetos no exterior. A maior universidade do Brasil mantém atualmente 440 convênios acadêmicos internacionais.