Em sua palestra sobre a Química de Plantas da Amazônia, realizada na 61a Reunião Anual da SBPC, o Acadêmico Ângelo da Cunha Pinto dedicou parte do seu tempo para contar a história do estudo das plantas amazônicas, que se confunde com a história da criação das instituições científicas brasileiras.
Segundo o pesquisador, o uso dos extratos vegetais remonta pelo menos aos sumérios, que já registravam, na escrita cuneiforme, o uso do macerado do látex da papoula para a extração do ópio, utilizada na medicina popular, dando origem à morfina, heroína, codeína e papaverina. Os primeiros habitantes do Brasil não tinham linguagem escrita, mas já tinham conhecimento da flora medicinal do país, como a copaíba e a salsaparrilha, muito utilizadas na região amazônica. “A copaíba, por exemplo, gera uma resina que apresenta uma série de propriedades farmacológicas. Essa farmacopéia indígena motivou muitos estudos na época sobre os extratos. Já em 1800 havia descrições do uso de resinas de copaíbas nas farmacopéias européias”, relata o professor.
Mas o marco histórico para a criação das instituições científicas do Brasil foi a chegada da família Real. A colônia tornou-se sede do governo e ocorreu a transferência de pessoal e material, a criação de instituições destinadas ao ensino profissional superior e o surgimento de núcleos de pesquisas isolados, em função das necessidades imediatas e conjunturais do país.
Foi logo criado o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, com o objetivo inicial de aclimatar plantas asiáticas e africanas, como o chá. Dando um panorama resumido das instituições científicas no Brasil que se dedicaram ao estudo das propriedades farmacológicas de plantas nativas, Cunha Pinto contou que em 1812 foi criado um laboratório de análise de produtos naturais e aguardentes que teve uma vida curta, o Laboratório dos Condes, que foi dirigido por quatro condes e gerou algumas práticas já desenvolvidas no Brasil. Em 1813 surgiu a Academia Médico-Cirúrgica e, em 1832, foi criado o primeiro curso de Farmácia na Faculdade de Medicina, que tinha a Botânica como uma das disciplinas.
Com a criação do Museu Nacional do Rio de Janeiro, em 1818, foram feitos grandes estudos com plantas da Amazônia, produzidos por químicos e farmacólogos franceses, que formaram pesquisadores para diversas instituições do Brasil. “Assim como o ouro e a prata, a quinina (Chinchona officinalis) foi um dos produtos mais comercializados pelos espanhóis na Europa, um privilégio para a realeza”, destacou Cunha Pinto. Ele contou que alguns portugueses que vieram para o Brasil com a família real e trabalharam aqui também fizeram importantes descobertas. “Em 1838, o químico Ezequiel Corrêa dos Santos descobriu um alcalóide com atividades próximas as da quinina, que tornou-se o grande debate da época na Europa e foi muito estudado. Ainda no século 19, Bernardino António Gomes, integrante da comitiva da princesa Leopoldina da Áustria, fundou o Laboratório Químico da Casa da Moeda, onde conseguiu o isolamento do Cinchona officinalis, a quinina”, informou o químico.
Uma das plantas estudadas no Museu Nacional, de acordo com Cunha Pinto, foi o curare. Numa excelente definição de Otto Gottlieb e Walter Mors, “os curares constituem talvez o exemplo mais perfeito da argúcia, do engenho e da perspicácia do índio sul-americano. Em quase todos os recônditos do grande vale, descobriu ele aquelas plantas que embora botanicamente diversas, podiam fornecer-lhe o veneno, inócuo por via oral, do qual uma gota, injetada, permitia prostrar a caça em fração de segundos”.
A palavra curare vem de oauri, que significa flecha envenenada que provoca paralisia. Foi descoberto pelos conquistadores espanhóis na Colômbia, em 1548, e o princípio ativo foi isolado em 1935, no British Museum de Londres. “Quem se interessou pelo curare foi o cientista Paulo Berredo Carneiro, que foi estudar no Instituto Pasteur e teve vários trabalhos publicados nas melhores revistas científicas da época”, contou o pesquisador.
O Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) foi criado em 1866, em Belém (Pará, Brasil) pelo naturalista Domingos Soares Ferreira Penna, sendo a mais antiga instituição de pesquisas da região Amazônica. Goeldi trabalhava no Rio de Janeiro e era genro de um suíço muito rico, e assim foi responsável pela vinda de diversos pesquisadores suíços para o Brasil. Interessado em taxidermia, foi convidado para o Museu Paraense, que depois levou o seu nome. O Museu Botânico de Manaus surgiu em 1883.
O Instituto de Química, vinculado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, foi fundado em 1918 por Mário Saraiva, médico baiano, implantando o ensino oficial de Química. Este funcionou de 1921 a 1931 e deu origem ao Instituto de Química Agrícola, que funcionou de 1934 a 1962 e foi o grande centro de produtos naturais do Brasil, equivalente aos melhores do mundo, tendo sido a semente da atual Embrapa. Lá trabalharam Walter Mors, Benjamin Gilbert e Otto Gottlieb (UnB). “Estes três formaram a idade de ouro da química de produtos naturais no Brasil, estudando diversas plantas amazônicas”. A fundação do Instituto Agronômico do Norte remonta a 1939, onde também trabalhou Walter Mors. Alguns dos pesquisadores da instituição foram para o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), quando de sua criação.
Em 1947, chegou ao Brasil o farmacêutico Theodoro Peckolt, que foi o pai da química de produtos naturais no Brasil. “Ele trabalhava numa farmácia na cidade de Cantagalo, no Rio de Janeiro, e conseguiu produzir cerca de 300 artigos científicos, que eram apresentados na época em exposições internacionais, nas quais ele ganhou diversas medalhas de ouro”, afirmou o palestrante.
A criação do INPA, em Manaus, ocorreu em 1952. É nesse período que se dá a transição da química de produtos naturais convencional para a moderna, conta Cunha Pinto. “Já se tinha ultravioleta e o estudo das constantes físicas. O trabalho na época era de degradação química, se quebrava as moléculas e era feito o estudo daquelas partes, para depois se reconstituir a molécula inicial. Surgiram na época a ressonância magnética e outros recursos tecnológicos que mudaram o perfil dos estudos.
O Centro de Pesquisas em Produtos Naturais (CPPN), no Rio de Janeiro, foi criado em 1963 e contou com eminentes pesquisadores como Paulo da Silva Lacaz, (UFRJ). Entre 1963 e 1972 promoveram um estudo fitoquímico de plantas brasileiras. “Seu final se deu porque não atendia aos interesses imediatos de elevação da produtividade e modernização agrícola”, lembra o professor.
Hoje, o estudo da biodiversidade brasileira depende do desenvolvimento de estudos e técnicas da genômica, proteômica e HTS. Segundo dados da Extracta, empresa do Rio de Janeiro que trabalha com biodiversidade vegetal, fundada pelo Acadêmico Antônio Paes de Carvalho em convênio com a Universidade Federal do Pará (UFPA), no Brasil estão 22% da biodiversidade vegetal do mundo, com mais de 60 mil espécies de vegetais superiores. Destas, apenas 1.400 espécies vegetais bioativas são conhecidas no Brasil. A evolução tecnológica pode contribuir para se detectar muitas outras.
Ângelo Pinto anunciou para o dia 15 de julho, seguinte à sua palestra, a cerimônia de comemoração do 20º aniversário do Journal of the Brazilian Chemical Society (JBCS) e o lançamento do número especial JBCS Amazônia. Segundo ele, essa edição contém os estudos mais recentes e da melhor qualidade na área de biodiversidade vegetal feitas nos mais diversos estados do Brasil. O pesquisador recomendou também o número especial da revista Química Nova que apresenta, entre outros artigos, um excelente banco de dados das plantas aromáticas e óleos essenciais de plantas da Amazônia.
Cunha Pinto considera que, assim como os portugueses se concentraram no litoral, a pesquisa científica ainda continua lá concentrada. “Assim como Getúlio Vargas enviou para a Amazônia os soldados da borracha, devemos agora promover a vinda dos doutores da Amazônia, em programas interdisciplinares. Este deve ser o tema prioritário quando se fala de Amazônia – a integração através da ciência”. Ele encerrou se referindo ao estudo da Academia Brasileira de Ciências sobre a Amazônia, em sua opinião muito bem feito e uma referência de peso para as ações que venham a ser desenvolvidas na região.