Graduado em Medicina, com mestrado em Ciências Biológicas (Fisiologia) e em Neurociências, além de doutorado em Ciências Biológicas (Fisiologia), todos pela mesma instituição – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jaderson Costa Dacosta tem experiência na área de Neurologia e é atualmente professor adjunto da University of Miami e professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Dacosta iniciou sua palestra destacando que a alfabetização é uma das funções mais complexas do sistema nervoso, que não pode ser simplificada. “Só recentemente tivemos acesso ao cérebro humano em funcionamento de forma não invasiva, o que permitiu esclarecer alguns aspectos desse processo”. O aprendizado da leitura é baseado no reconhecimento de símbolos que representam unidades que, quando agrupadas formam as palavras. A unidade de escrita é o grafema, correlacionado à unidade sonora que é o fonema. “É necessária toda uma abstração, vamos tratar de um córtex cerebral diferenciado que vai fazer as associações de informações de áreas primárias com áreas que vão interpretar isso”, observou Dacosta.
Ele enfatiza a questão da temporalidade. “Em função do que conhecemos sobre o desenvolvimento do sistema nervoso, sabemos que esta capacidade se estabelece de forma mais estável em crianças a partir de cinco anos”, diz Dacosta sobre a aprendizagem da leitura. Este tipo de percepção está associado à ativação de centros e circuitos neurais do cérebro que estão localizados predominantemente, mas não exclusivamente, no hemisfério cerebral esquerdo, na maioria das pessoas. “A capacidade de aquisição da leitura está associado a outras funções, vai depender de todo um aparato sensorial – visão, audição, percepção, atenção, memória e motivação. Os aspectos emocionais também não podem ser negligenciados. Este é um conjunto que se torna extremamente complexo”, realça o neurocientista.
Métodos de estudo da função e estrutura cerebral
Graduado em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado em Ressonância Magnética Funcional pela Kings College University of London em 2002, Edson Amaro é médico radiologista do Setor de Ressonância Magnética do InRad do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e médico neurorradiologista do Departamento de Imagem do Hospital Albert Einstein. No Simpósio, Amaro mostrou quais foram os métodos utilizados para o estudo que o grupo realizou, com relação à função e estrutura cerebral.
“Hoje somos capazes de fazer neuroimagem de três tipos. A primeira é a estrutural, que mostra a estrutura anatômica do cérebro. Isso mudou muito e surpreende até quem trabalha na área, são imagens tridimensionais detalhadas que se obtêm através da ressonância magnética e tomografia computadorizada”. Esses métodos, segundo Amaro, trouxeram diversas informações que podem ser relacionadas com o desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC) ao longo do tempo.
Amaro apresentou imagens de estudo longitudinal que acompanhou crianças por dez anos, mostrando o processo de maturação cerebral, isto é, a evolução da espessura do córtex até a espessura encontrada na idade adulta. “Esse arranjo acontece em velocidades diferentes em cada área cerebral. As hierarquicamente mais primitivas – relacionadas à percepção e movimentação – maturam mais rápido. Nas áreas de associação – frontais e parietais -, responsáveis pela integração da informação, o processo de maturação ocorre mais tardiamente”, observou o especialista.
A neuroimagem molecular mostra alterações em estruturas moleculares. “Não mostra a molécula, mas reflete fenômenos moleculares”, esclarece Amaro. Estas técnicas de medicina nuclear refletem o processo de desenvolvimento ou o processo de alteração do desenvolvimento cerebral. “Pode-se registrar a atuação de neurotransmissores em situações cognitivas, como a neuroquímica cerebral se altera ao longo dos anos, como o envelhecimento natural do cérebro influencia nos fenômenos educacionais, o que nos possibilita planejar mecanismos de aprendizagem mais eficientes”, explicou Amaro.
As imagens funcionais são as que revelam as funções cerebrais. Amaro destacou a utilização da magnetoeletroencefalografia, que mostra alterações eletrofisiológicas, vasculares e metabólicas que refletem a função cerebral, representando a modificação de microcampos magnéticos, com uma boa resolução temporal. Já a imagem de ressonância magnética funcional reflete variações de oxigenação ou volume e fluxo sanguíneo cerebral, com boa resolução espacial e não tão boa resolução temporal, por isso são técnicas complementares.
Edson Amaro esclareceu quais são os princípios que regem as imagens funcionais do cérebro. “Dada a existência de uma determinada atividade cerebral, ou seja, se existe alguma área do cérebro que está consumindo energia, isso exige uma resposta vascular, o que significa que os vasos daquela região se dilatam e aumenta o fluxo de sangue. Todo esse conjunto de fenômenos é chamado de imagem funcional”. O estudo da função cerebral é feito provocando alterações cognitivas e emocionais no indivíduo e, ao mesmo tempo, colhendo as imagens que se formam. “Assim são realizadas as pesquisas sobre as áreas cerebrais ativadas na aprendizagem da leitura.”
Estrutura, desenvolvimento e plasticidade cerebral
Jaderson Dacosta falou então sobre estrutura, desenvolvimento e plasticidade. Ele disse que essas técnicas citadas anteriormente possibilitaram os estudos sobre aprendizagem nos últimos dez anos, durante os quais os aparelhos se aperfeiçoaram.
Dacosta referiu-se o desenvolvimento do cérebro humano desde a fase intrauterina. “À medida que esse aparato vai se construindo, se estabelecendo, ele pode ter um rendimento maior ou menor em função de um desenvolvimento adequado ou inadequado”. Ele esclarece que, quando se fala em intervenção precoce, esta deve ser iniciada na gestação, quando ocorre a diferenciação celular, a migração das células, a formação de sinapses, o rearranjo sináptico e o processo de mielinização, que vai provocar o isolamento dos nervos da rede neuronal.
O desenvolvimento mais acentuado do cérebro ocorre principalmente da fase intrauterina até os dois anos de vida. O peso do cérebro duplica, há aumento importante do volume da substância branca e do grau de mielinização e um aumento menor do volume da substância cinzenta. Até os dois anos se dá a fase mais importante em termos de desenvolvimento. “O amadurecimento do córtex pré-frontal é mais tardio, aos seis ou sete anos e continua sendo aperfeiçoado ao longo da vida”, esclarece o neurocientista.
Com relação ao processamento ortográfico, Dacosta explicou que as crianças na fase pré-alfabética tem reconhecimento auditivo e visual da palavra. Na fase alfabética, há uma redução da ativação do hemisfério direito do cérebro e aumento do esquerdo. Nos adultos, só há ativação frontal esquerda e requer estímulo visual.
O processamento semântico, de acordo com o especialista, se inicia nas crianças com ativação temporal média e posterior bilateral. Com o desenvolvimento da leitura, ocorre ativação frontal inferior esquerda. Nos adolescentes e adultos, em que as estruturas já estão suficientemente desenvolvidas, ocorre maior ativação pré-frontal.
Jaderson Dacosta apontou que, embora muito tenha se falado sobre o hemisfério esquerdo do cérebro, “que parece tão trabalhador e produtivo na questão da leitura, há uma cooperação com o hemisfério direito”. Este, que concentra mais a percepção visual do que a verbal, é importante nos processos de motivação, nos processos afetivos que permitem que o aprendizado seja maior ou menor. “Não podemos exclui-lo, ele faz parte disso”, ressaltou o pesquisador.
A plasticidade do sistema nervoso é a sua adaptação funcional/estrutural, minimizando ou revertendo os efeitos das alterações estruturais (lesionais) ou funcionais do sistema nervoso. “É como nós nos recuperamos de uma lesão. Mas ela pode ser entendida de uma forma bem mais ampla do que isso, a própria aprendizagem é uma plasticidade”, observa Dacosta. Ele explica que escutar uma notícia ou ler um jornal são atividades que modificam o nosso cérebro. “Se absorvemos algum novo conceito, se ocorre algum aprendizado, é porque houve modificação em algum nível sináptico ou estrutural. É uma aprendizagem que exercitamos no dia a dia, há um milisegundo atrás é diferente do momento atual .É um processo bastante amplo, que envolve diversos aspectos, principalmente na área de formação de novas sinapses, novos contatos e na formação de novos neurônios.”
Além de todos esses dados biológicos da evolução que vão permitir esses contatos neuronais no processo de aprendizado, Jaderson Dacosta enfatiza que não podemos esquecer a importância do meio. “Voltamos à questão da primeira infância, do meio enriquecido”, observa o neurocientista. Trabalhos experimentais já demonstraram a influência ambiental na formação sináptica e na organização cortical. “Animais que se desenvolvem em meio enriquecido apresentam maior densidade sináptica em determinadas áreas do cérebro quando comparados com os animais que se desenvolveram em meios não-enriquecidos. As alterações sinápticas estão relacionadas a modificações no comportamento de animais e seres humanos”, conclui Dacosta.
O modelo da patologia
Doutorado em Neurologia pela USP com especialização em Distúrbios do Aprendizado, Erros Inatos do Metabolismo e Emergências em Neurologia Infantil, Erasmo Casella Barbante é médico do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP) e coordenador do ambulatório de Distúrbios do Aprendizado do Instituto da Criança do mesmo hospital.
Casella aprofundou-se na dislexia como modelo do tema estudado pelo grupo. “O que ela mostra são alterações no cérebro do indivíduo que não teve oportunidade ou não conseguiu aprender corretamente. Vamos abordar a dislexia como oportunidade de conhecimento do processo de leitura”, esclareceu.
O conhecimento da dislexia é fundamental, mas infelizmente nas faculdades de Medicina não se ensina quase, de acordo com o especialista. A dislexia é um distúrbio específico do aprendizado, de origem neurobiológica, caracterizado por dificuldade com o reconhecimento adequado e fluente das palavras, como a capacidade de soletrar e outras funções relacionadas à decodificação fonológica. “Muitos disléxicos crescem taxados de preguiçosos e incapazes. Ele vai ler caneta e lê caneca, lê devagar, tem que raciocinar para proceder à leitura”. Essa dificuldade tem que ser inesperada em relação a outras habilidades cognitivas e em função da instrução escolar oferecida. “Geralmente não é um diagnóstico fácil de fazer, muitas vezes tem que envolver profissionais de diversas áreas, a criança tem que ter pelo menos dois anos de alfabetização para se poder definir”, explica Casella.
Mas existe tratamento e funciona bem. “Depois de dois meses de exercícios de decodificação fonológica com um público de 8 a 16 anos vemos ativação do lado esquerdo do cérebro, como no das outras pessoas”, conta Casella. Diversos exercícios são utilizados no tratamento, como rimar, soletrar, deletar letras, deletar sílabas, ditado, cópia, memória imediata, leitura de palavras isoladas, de palavras inventadas (sem significado), de uma série de palavras e de palavras com deleção da letra inicial. “Esses estímulos são fundamentais para os disléxicos como tratamento, mas também podem ser utilizados para o desenvolvimento das crianças normais.”
Como conclusão do trabalho do grupo, Erasmo Casella esclarece que a idéia é somar os conhecimentos em educação, aprendizado, economia e ciência neurocognitiva e elaborar programas de políticas educacionais, aplicar pesquisas e eventualmente sugerir estratégias diferentes de ensino. “Mas sempre visando a aplicação prática, que diz respeito aos alunos e à escola, envolvendo o professor.”