O Brasil e o Reino Unido, cada um à sua maneira, realizaram uma quebra de paradigmas ao estabelecer diretrizes para a redução de emissões de gases de efeito estufa, de acordo com o climatologista e Acadêmico Carlos Afonso Nobre, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
Mas, segundo ele, para atingir suas metas, os dois países precisarão investir no desenvolvimento de tecnologias verdes e em sua transferência para a sociedade. Nobre, que é coordenador executivo do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), analisou o tema durante o Workshop on Physics and Chemistry of Climate Change and Entrepreneurship (“Workshop sobre empreendedorismo e física e química das mudanças climáticas”), nesta segunda-feira (26/2), na sede da Fundação, em São Paulo. O evento, que faz parte das atividades do PFPMCG, integra as atividades da Parceria Brasil-Reino Unido em Ciência e Inovação.
Segundo Nobre, com o Plano Nacional de Mudanças Climáticas o Brasil estabeleceu como meta reduzir o desflorestamento em 80% até 2020. Enquanto isso, o Reino Unido definiu uma meta de redução de 80% das emissões de gases de efeito estufa até 2050.
“Os dois países quebraram paradigmas com essas iniciativas. O Brasil fez algo inédito porque dificilmente um país em desenvolvimento estabelece metas quantitativas dessa magnitude. O Reino Unido, por sua vez, determinou uma meta muito audaciosa, ao contrário dos outros países desenvolvidos”, disse.
De acordo com o cientista, as iniciativas foram necessárias, pois a emissão atual de gases de efeito estufa é mais expressiva que a das piores estimativas feitas há oito anos pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
“Nos últimos três anos, os países em desenvolvimento – que em dois séculos haviam contribuído com apenas um terço das emissões – chegaram ao nível dos países desenvolvidos. Foi constatado que o atraso na mitigação é custoso e perigoso. Há pontos de virada que podem ter sido ultrapassados. Tudo isso exige ações em todos os setores”, disse.
Iniciativas como a brasileira e a britânica, segundo Nobre, são fundamentais. Se o Brasil atingir a meta estabelecida de redução do desmatamento, por exemplo, a emissão total de carbono cairá 30% em relação aos níveis de 1999. “O caminho está nas reduções de emissões. Temos agora que discutir a ciência básica que proporcionará essa redução. A proposta do PFPMCG é trabalhar nessas pesquisas e, ao mesmo tempo, discutir suas aplicações”, afirmou.
O empreendedorismo voltado para o desenvolvimento de tecnologias verdes, segundo Nobre, deve ter foco nas necessidades de cada país, sem perder a perspectiva global. “No Brasil, 55% das emissões estão ligadas às mudanças no uso do solo – setor que corresponde a 1% do PIB. Considerando-se apenas as emissões de carbono, essa cifra se eleva a mais de 70%. A agricultura, responsável por 30% do PIB, provoca 25% das emissões. O uso de combustíveis fósseis, que equivale aqui a apenas 17% das emissões, no Reino Unido é responsável por mais de 80%”, explicou.
Impacto econômico
O impulso dado ao empreendedorismo no Reino Unido nos últimos anos criou oportunidades para o desenvolvimento de tecnologias voltadas para a mitigação das mudanças climáticas globais, de acordo com o professor David Secher, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, que apresentou a palestra “Transferência de tecnologia – traduzindo a pesquisa em benefícios econômicos”.
“Tivemos uma mudança completa no cenário do empreendedorismo nos últimos anos. Os grandes laboratórios de inovação de empresas, como Bell e AT&T, foram reduzidos, adotando um modelo diferente, que atua em parceria com as instituições de pesquisa acadêmica. Ao trabalhar com um novo conceito de inovação aberta, essas empresas criaram oportunidades para a inovação na universidade”, disse.
Segundo Secher, as empresas descobriram que não precisavam contar com um grau tão elevado de sigilo e controle da pesquisa. “Vários relatórios recentes sobre empreendedorismo mostram que a universidade, governo e empresas passaram a trabalhar efetivamente juntos.”
A atividade de transferência de tecnologia, que já era uma realidade nos Estados Unidos na década de 1980, segundo Secher, começou a ser praticada em larga escala no Reino Unido apenas a partir do ano 2000. Mas, em uma década, o empreendedorismo britânico alcançou o norte-americano.
“O sistema estabelecido nos Estados Unidos previa que as universidades poderiam ficar com os lucros das inovações, caso estabelecessem um sistema para acompanhar os resultados intelectuais. No Reino Unido, em vez de uma legislação, o que fez diferença foi a criação do Fundo de Inovação no Ensino Superior, em 2000” , disse.
O fundo, segundo ele, repassa anualmente cerca de 60 milhões de libras esterlinas para todas as universidades britânicas que inovam e praticam a transferência de tecnologia por meio de empresas spin-out . “Conseguimos nos equiparar aos norte-americanos em alguns aspectos e até mesmo ultrapassá-los em outros. No Reino Unido, investimos hoje cerca de 14 milhões de libras para que uma spin-out traga retorno. Nos Estados Unidos é preciso investir mais de 60 milhões de libras”, disse.
De acordo com Secher, o principal desafio atual para o empreendedorismo britânico é a formação de recursos humanos capacitados. “O perfil que precisamos é o do intermediário: uma pessoa que possa transitar nas duas realidades, compreendendo o universo científico e o mundo empresarial”, apontou.
Outro desafio, segundo ele, é aprender a medir o impacto econômico das empresas a fim de avaliar seu sucesso. “Até recentemente medíamos o sucesso das empresas por sua receita, mas a fragilidade dessa abordagem já foi reconhecida. O sucesso deve ser medido pelo impacto na economia”, disse.